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BRASIL - CRESCE O CONTINGENTE DOS DESCARTADOS

30 outubro, 2018


Créditos da foto: Retrato do Brasil: multidão procura emprego em mutirão do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, no início deste mês (Reprodução)

Nas recentes eleições presidenciais, o Brasil perdeu a chance de eleger um candidato cujo programa de governo era sustentado em quatro pilastras fundamentais: educação para todos, criação de postos de trabalho, exercício da democracia e bem-estar social.
Fernando Haddad, professor, advogado e doutor em economia, conhecia muito bem  o cenário em que hoje o Brasil se encontra, e já havia trabalhado,  como Ministro da Educação e Prefeito de São Paulo, para os brasileiros que  vivem às margens das benesses de uma pequena parcela da população.
Em agosto de 2018, por exemplo, o IBGE apresentou o quadro atualizado da precária situação dos desempregados brasileiros que os seus especialistas chamam os subutilizados.  
Não sou especialista nem em política nem em economia, mas o quadro apresentado pelo IBGE me passa a triste imagem de uma parcela dos que, infelizmente, resolveu apostar num candidato sem propostas sociais, que manifestava suas preferências ante-democráticas, racistas, homofóbicas, misóginas e violentas.  
Falo de uma grande parcela representada por aqueles que desejam reafirmar que estão muito bem, sim senhor, que não se importavam com a derrocada  do país nas mãos dos apoiadores do golpe ante-democrático de poucos anos atrás. 
Falo também de parte dos ditos subutilizados, que  votaram contra Haddad por medo da “destruição da família", inspirados na crença que têm em um modelo da ‘família cristã' que poucos deles entendem o que seja. Muitos se tornaram visionários da falácia de alguns pastores, que entendem mais de tabus e de moralismos ingênuos e equivocados, do que da mensagem fundamental de Jesus Cristo. 

Junto a esses, há os que se dizem "católicos", no Brasil, que se amedrontaram com um candidato que se propunha realizar projetos e promover políticas adequadas para acolher os “descartados” - usando a linguagem do Papa Francisco. Também esses estão mais devotados a cuidar de "proteger" os seus interesses e o seu patrimônio.   
Muitos ainda se mantêm no espírito da Casa Grande, e até agradecem a Deus porque foram presenteados com tantos bens, inclusive a sua fé. Mas a fé, dizia o Mestre, sem as obras, a que serve? Deixa-os na mesma posição dos antigos usineiros, que tinham um sacerdote ao seu serviço, para bendizê-los  e oferecer-lhe um lugar especial em suas mesas recheadas. 

Por outro lado, também conheço muitos pobres, medianos e ricos – cristãos e não cristãos  que  têm empenhado as suas energias em projetos políticos e sociais de acolhida e integração dos empobrecidos em atividades de produção, repartindo com eles seus saberes, seus talentos e recursos, para que possam ter oportunidades de cuidar de suas próprias vidas com trabalho e dignidade.   

São muitas experiências, como, por exemplo, os  projetos que envolvem grupos diversos de jovens e de mulheres em empreitadas dessa natureza. E há ainda o Movimento da Economia de Comunhão - EdC, que surgiu no Brasil e tem atuação em vários países. No Brasil, atua em parceria e troca de aprendizados com outras organizações, atuando para apoiar a formação de pessoas com vocação empreendedora, para ajudá-los a superar situações de vulnerabilidade e realizar pequenos e médios projetos produtivos que têm dado certo.     

Mas somos uma gota d'água no chão brasileiro das multidões de descartados. O papel de um Governo sensível aos povos indígenas, aos negros, aos sem trabalho e sem escola seria fundamental para reverter tal situação. Essa era a nossa grande Esperança. 

O que fazer agora?
Retomemos a vida, a nossa missão de divulgar ações de efetivo empenho com os mais vulneráveis da sociedade, e testemunhos de superação dos seus limites e dos seus temores e das suas dores. Comecemos por analisar os dados atuais do IBGE, levantados antes das eleições, numa matéria originalmente publicada na Rede Brasil Atual
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Em dois anos, o país acumulou mais 5 milhões de subutilizados e mais de um milhão e meio de desalentados
Segundo o IBGE, no segundo trimestre a subutilização da mão-de-obra chegou a 27,6 milhões: queriam trabalhar,  mas  não conseguiram emprego. E outros 4,8 milhões desistiram de procurar trabalho.
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Por: Redação RBA

17/08/2018 17:04

São Paulo – O país fechou o segundo trimestre com 27,636 milhões de subutilizados, termo usado pelo IBGE para definir o conjunto de desempregados e aqueles que gostariam de trabalhar mais, mas não conseguem. Um número estável diante do primeiro trimestre, mas que subiu em relação a igual período de 2017, com a taxa passando de 23,8% para 24,6%. No segundo trimestre de 2016, eram 22,651 milhões. Assim, depois de dois anos, a partir do impeachment de Dilma Rousseff, esse contingente aumentou em quase 5 milhões.

Pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgados nesta quinta-feira (16), isso acontece também com os desalentados, aquelas pessoas que 
desistiram de procurar emprego por diversas razões. Eram 4,833 milhões no final do segundo trimestre – a maior quantidade da série histórica, iniciada em 2012 –, ante 4,630 milhões no primeiro, 3,994 milhões há um ano e 3,242 milhões em 2016 – 1,6 milhão a mais em dois anos.

Os desalentados somam 4,4% da força de trabalho, também o maior percentual da série. Eram 3,7% um ano atrás. Mas chegam a 16,2% no Maranhão e a 16,6% em Alagoas. E se reduzem a 1,2% no Rio de Janeiro e a 0,7% em Santa Catarina. 

Segundo o IBGE, as maiores taxas de subutilização são as de Piauí (40,6%), Maranhão e Bahia (ambos com 39,7%). E as menores, de Santa Catarina (10,9%), Rio Grande do Sul (15,2%) e Rondônia (15,5%). Em São Paulo, a taxa é de 13,6%. 

Perfil do desemprego

Considerada apenas a taxa de desemprego, as maiores no segundo trimestre foram apuradas em Amapá (21,3), Alagoas (17,3%), Pernambuco (16,9%), Sergipe (16,8%) e Bahia (16,5%). As menores, em Santa Catarina (6,5%), Mato Grosso do Sul (7,6%), Rio Grande do Sul (8,3%) e Mato Grosso (8,5%). A taxa média brasileira foi de 12,4%. Entre as capitais, a maior é a de São Luís (19,6%) e a menor, de Florianópolis (6,3%).

A proporção diminuiu, mas as mulheres ainda são maioria (51%) entre os desempregados. A taxa de desemprego delas é de 14,2%, ante 11% dos homens. Quase 35% dos desempregados têm de 25 a 39 anos, 32% têm de 18 a 24 anos e 22,7%, de 40 a 59 anos. Pretos e pardos (classificação do IBGE) representam 64,1% dos desempregados e brancos, 35%. A taxa de desemprego dos pretos é de 15,5% e a dos brancos, de 9,9%.

No recorte por escolaridade, a maior taxa de desemprego segue sendo a do grupo com ensino médio incompleto (21,1%). Entre os que têm
ensino superior completo, cai para 6,3%.

De acordo com a Pnad, 74,9% dos empregados no setor privado tinham carteira assinada no segundo trimestre, 0,9 ponto percentual a menos do que em igual período do ano passado. No trabalho doméstico, a proporção de registro em carteira caiu de 30,6% para 29,4%.

O país tinha 91,2 milhões de ocupados no final do segundo trimestre. Desse total, 67,6% eram empregados (incluindo domésticos), enquanto 25,3% trabalhavam por conta própria, percentuais que sobem para 34,3% no Pará, 33% no Maranhão e 32,2% no Amazonas.

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Fonte do texto:


*Publicado originalmente na Rede Brasil Atual



ELEIÇÕES 2018 - CARTA DE AMOR A FERNANDO HADDAD

28 outubro, 2018




É isso aí, meu caro professor Haddad! 

Ao ódio você responde com gentileza, e com esse respeito que você manteve com todos, durante toda a campanha, no primeiro e no segundo turnos.

Não cedeu às pegadinhas de jornalistas sedentos por respostas ríspidas, descontroladas, demonstrando desavenças e discórdias. 

Discórdia sim, existe, em relação ao seu opositor, pelo desrespeito às normas democráticas de diálogo e de debate programático que deveria haver entre os candidatos. Discórdia, porque você respeitou o exercício do jornalismo e da cidadania. Discórdia pelo desdém do seu opositor contra as mulheres, pelo repúdio aos negros e LGBT, pela rejeição aos nordestinos, aos empobrecidos, aos povos indígenas, aos prisioneiros, às diferentes organizações e  expressões religiosas, às instituições jurídicas e até mesmo ao Congresso Nacional, ao STF, ao TSE e ao resultado do pleito para a presidência. É uma lista sem fim...

É por isso que você, professor Haddad - e nossa cara Manu - representam a escolha livre, confiante  e respeitosa de milhares de brasileiros,  para ocupar a presidência e a vice-presidência da república. 

Nós, brasileiros, todos os brasileiros
merecemos esse presente! 

Mas, vamos ficar de olho em vocês!!!  

Que bom que hoje eu ainda posso dizer isso, e publicar neste espaço! Ainda há grandes esperanças! Não queremos passar por uma situação diversa. Seria desastroso e doloroso demais! 

Já passei por duas ditaduras na vida, pois nasci nos longínquos 1938! Quantos amigos e amigas nós perdemos, ou os vimos desaparecer ou morrer torturados! Aqui, e em outros países da América do Sul.

Que feliz serei se não precisar passar por um processo semelhante, nesses últimos anos da minha vida! Porque também sou mãe e tenho netos, e não consigo imaginá-los - como sugere o outro candidato - estudando diante de um computador, sem a possibilidade de aprendizado com a presença de professores, e sem partilhar amizades com os colegas e suas famílias,  que tanto os enriquece pelas diferenças e trocas.

Mesmo que você não seja eleito, professor Haddad, já mostrou a sua grandeza e o seu testemunho de cidadania, de amor pelo Brasil e pelos brasileiros, de respeito e abertura pelos adversários, e de humanidade quando responde às ameaças do outro candidato, não obstante as incomparáveis diferenças entre os dois. 

Que Deus abençoe e cuide de vocês, de suas famílias e correligionários, e a nós todos brasileiros. E que tenha misericórdia daqueles que nos ameaçam. Amém! 

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Imagem - reprodução do Facebook



  

ELEIÇÕES 2018 - QUE TRAGÉDIA SERIA?

25 outubro, 2018


    Eleições 2018 - reprodução do jornal El País - publicado em 24/10/2018
Por que a política de segurança pública do Bolsonaro seria uma tragédia?

A impunidade seria mais duramente atingida com um trabalho sério de saneamento das polícias civis (que foram sucateadas) e de uma integração mais efetiva com as Polícias Militares


Daniel Cerqueira
24 de outubro - 2018

A retórica fácil e falaciosa de Jair Bolsonaro de combate duro ao criminoso, em um ambiente social onde predomina o medo, foi um grande cabo eleitoral do capitão na eleição presidencial. Tal retórica é baseada em um tripé: 1) no endurecimento das leis penais; 2) no direito das pessoas se armarem; e 3) na retórica da guerra e da licença para o policial matar. Tal pseudopolítica redundará numa tragédia nunca antes vista nesse país.

Sobre o primeiro pilar, aumentar a dureza das penas não contribuirá para identificar e prender os criminosos mais perigosos como homicidas e autores dos crimes mais violentos, mas ocasionará apenas o aumento da superlotação dos presídios com presos de baixa qualidade, formados por jovens participantes dos escalões mais baixos do crime, que serão presas fáceis das facções criminosas, que nascem dentro das prisões e que se dinamizam às custas do erário público.

A tão propalada impunidade seria mais duramente atingida se houvesse um trabalho sério de saneamento das polícias civis (que foram sucateadas) e de uma integração mais efetiva com as Polícias Militares, de modo a dotar as polícias de capacidade de investigação e inteligência. De fato, Menos de 10% dos homicídios são esclarecidos no país. No Rio de Janeiro, só há inquéritos instaurados em 4% dos casos de roubos (e mesmo assim, quando há flagrante, na maioria das vezes), o que implica dizer que em 96% dos casos não há qualquer investigação. Apenas os autores de furtos e traficantes presos com até 40 gramas de entorpecentes somam cerca de 200 mil detentos, que contribuem para superlotar o sistema carcerário, que se vê hoje diante de um déficit de 360 mil vagas.

O segundo pilar da retórica bolsonariana apela para o direito do cidadão se defender pelos próprios meios, a partir do acesso indiscriminado à arma de fogo. A esse respeito existe um consenso na literatura científica nacional e internacional em que uma arma dentro de casa conspira contra a segurança do lar e contribui para a insegurança pública.

Pesquisadores americanos verificaram que uma arma de fogo dentro de casa faz aumentar em cinco vezes as chances de algum morador ali sofrer homicídio ou suicídio, isso sem falar nos recorrentes casos de acidentes fatais envolvendo crianças.

Por outro lado, quanto mais armas legais, mais armas irrigarão o mercado ilegal, seja por furtos, roubos ou extravios. Consequentemente, o aumento da oferta de armas no mercado ilegal, faz com que o preço da arma diminua, facilitando o acesso à mesma pelo criminoso mais desorganizado, exatamente aquele que vai assaltar nas ruas e termina cometendo o latrocínio. Na CPI das armas de fogo no Rio de Janeiro, se constatou que em 10 anos apenas das empresas de segurança privada, quase 18 mil armas foram extraviadas ou roubadas.

Em terceiro lugar, a arma no ambiente urbano é um instrumento de ataque e não de defesa, em vista do fator surpresa. A esse respeito, uma pesquisa feita em São Paulo mostrou que as chances de um cidadão armado, quando assaltado, ser morto é 56% maior do que o cidadão desarmado.

Por último, em alguns estados onde se apurou as motivações dos casos de homicídios, concluiu-se que quase um terço decorria de questões interpessoais e passionais como briga de bar, de vizinho, por questões políticas ou ainda passionais. Você se sentiria mais seguro se todos ao seu redor estivessem armados, nas ruas, nos shoppings e nos estádios de futebol?

Sobre a licença para o policial matar, sem qualquer controle, propalada pelo Bolsonaro além de ser uma excrescência ao Estado Democrático de Direito é o caminho mais curto para acabar com a efetividade do trabalho policial e para gerar vítimas numa guerra retórica e real, onde só haverá perdedores, começando pelo próprio policial. Leis, protocolos internacionais e técnicas policiais que norteiam o uso proporcional da força pela polícia já existem e servem exatamente para resguardar o próprio policial e a sociedade.

Em primeiro lugar, a guerra retórica e a licença para matar alimentam a demanda por armas de alto poder destrutivo pelos criminosos. Pavimenta-se assim um espiral crescente de violência e mais violência com a mortes de supostos criminosos, mas também de civis e de policiais, além de desencadear o aumento do medo generalizado da população, em face das balas perdidas e barulho de tiros. Um verdadeiro abismo de desconfiança e de ódios recíprocos entre as comunidades e as polícias inviabiliza qualquer possibilidade da coprodução da segurança pública, um elemento crucial para a efetividade do trabalho policial.

Sem o controle social do uso da violência, o policial pode matar ou pode não matar. Quanto custa uma vida? Se não há controle, o policial pode trocar a vida de outro por propina. Basta que alguns policiais aceitem entrar no mercado de corrupção para que todo o trabalho de uma corporação policial esteja perdido.
Por fim, os embates e o exercício diário da morte nas vidas dos policiais os colocam numa situação de imensa vulnerabilidade psicológica e física. De fato, a taxa de suicídio policial no Brasil é três vezes maior do que da população civil, ao contrário do que acontece em outros países. Por outro lado, se o policial brasileiro mata sete vezes mais do que o policial americano, proporcionalmente à população, este é assassinado numa proporção 19 vezes maior.

Ou seja, a pseudopolítica bolsonariana baseada no ódio, no extermínio e nas armas é o caminho mais curto para atingirmos níveis nunca imaginados de violência letal no Brasil, numa guerra onde só haverá perdedores.

Daniel Cerqueira é doutor em economia e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Imagem: Policiais no Rio de Janeiro. SERGIO MORAES REUTERS
Fonte da reportagem:
 https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/24/opinion/1540336594_761394.html?rel=mas


ELEIÇÕES 2018 - CONVERSAS COM O PAPA FRANCISCO

24 outubro, 2018


Nós 

sabemos como 

                o populismo 

                            começa 
semeando ódio".                                                    

Nada mais oportuno, neste momento que vivenciamos, no Brasil - de contradição de ideias e posições políticas na família, no trabalho, entre amigos e nas redes sociais - do que os trechos traduzidos de uma série de entrevistas realizadas com o Papa Francisco, sobre questões que podem nos ajudar a refletir, a tomar posição, e a considerar nas nossas relações com os que pensam diferente. Mesmo tendo presente que nossas posições sejam claramente opostas. 

Neste  segundo turno das eleições, não se trata de escolher um ou outro partido político, mas de escolher entre a possibilidade de reconquistar a prática cidadã e democrática, no nosso país, ou um regime de exceção, que se propõe governar com um só olho de pirata, porque o outro está fechado às diferenças, à diversidade, às liberdades individuais e até religiosas, e ao respeito pelos cidadãos, qualquer que seja, como é de praxe num sistema democrático de direito.   

Segue o texto:


O Papa Francisco conversou com jovens e adultos na apresentação do livro intitulado: A sabedoria do tempo”. Na  ocasião ele lembrou o surgimento do nazismo. E pediu que a lição do passado não fosse esquecida. 

O livro, editado pelo padre Antonio Spadaro (jesuita, amigo de Papa Francisco), traz 250 entrevistas com idosos de mais de 30 países, graças à ajuda de organizações sem fins lucrativos, como Unbound e Serviço Jesuíta aos Refugiados. Foi apresentado recentemente, na tarde de 23 de outubro/2018 no Instituto Patrístico Augustinianum

A última pergunta dessa conversa intergeracional, foi feita a Francisco por um ancião especial, o cineasta americano Martin Scorsese.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider 
Tradução de: André Langer.

Por razões de espaço, publicamos apenas quatro entrevistas, retiradas da reportagem que apresenta cinco. 

1. Federica Ancona (Itália, 26 anos)

Papa Francisco, hoje, nós jovens, estamos sempre expostos a modelos de vida que expressam uma visão do “usa e joga fora”, que você chama de “cultura do descarte”. Parece-me que a sociedade hoje nos leva a viver uma forma de individualismo que depois acaba na competição. Eles não me dizem para dar o melhor de mim, mas sempre para ser melhor do que os outros. Mas tenho a impressão de que quem cai neste mecanismo acaba por se sentir um fracassado.

- Como podemos nós, jovens, entender o que realmente é importante?
- Como podemos nós, jovens, criar relações verdadeiras e autênticas quando tudo ao nosso redor parece falso, de plástico?

Francisco: Falso e de plástico é a cultura da maquiagem. O que conta são as aparências, o sucesso pessoal, mesmo ao preço de pisotear a cabeça dos outros, avançando nessa competição. Como ser feliz neste mercado da competição, das aparências? Você não disse a palavra: neste mercado da hipocrisia. Eu digo isso, não no  sentido moral, mas num sentido psicológico e humano. Por dentro da aparência está o vazio ou a ânsia de chegar.

A esse respeito, recordo-me de um gesto, um gesto para explicar o que quero dizer: a mão estendida e aberta. A mão da competição está fechada e toma, sempre toma, recolhe, frequentemente a preços muito altos, ao preço do desprezo do outro. Esta é a competição. Abrir a mão é a anti-concorrência, é abrir-se no caminho. A competição geralmente está firme, caucula, não se coloca em jogo. Por outro lado, a maturação da personalidade está sempre a caminho, coloca-se em jogo, suja as mãos, está com as mãos estendidas para saudar e abraçar.

Isto me faz pensar naquilo que dizem os santos e também Jesus: há mais amor em dar do que em receber. Contra essa cultura que aniquila os sentimentos existe o serviço. E você verá que os jovens mais maduros são os que seguem em frente no caminho do serviço, da atenção pelo outro.

A outra palavra é que eles se arriscam. Se você não se arriscar, nunca, nunca será maduro, nunca dirá uma profecia. Terá apenas a ilusão de recolher para estar seguro, ter toda a tranquilidade possível para estar bem. Lembro-me da parábola de Jesus sobre o homem rico que construiu grandes silos para o seu trigo, e Jesus diz o seguinte: insensato, nesta mesma noite você morrerá! A cultura da competição nunca vê o fim. Vê o fim que se propôs em seu coração para chegar subindo, pisando cabeças.

Pelo contrário, a cultura da convivência, da fraternidade, é uma cultura de serviço (de cooperação) que se abre e suja as mãos. Esse gesto, da mão aberta, é fundamental. Você quer se salvar dessa cultura que faz você se sentir um fracassado, a cultura do descarte e da competição: abra a mão estendida, sorria, siga em frente, nunca fique sentada, suja as mãos e você será feliz.


2. Tony e Grace Naudi (Malta, 71 e 65 anos)

Minha esposa e eu criamos uma família de quatro filhos, um filho e três filhas, e temos cinco netos. Assim como muitas famílias, demos aos nossos filhos uma educação cristã e fizemos todo o possível para ajudá-los a viver a palavra de Deus em sua vida cotidiana. Contudo, apesar dos nossos esforços como pais para transmitir a fé, os filhos, às vezes, são muito críticos, parecem rejeitar sua educação cristã.

Para nós, a fé é importante. É doloroso para nós ver nossos filhos e netos longe da fé ou muito ocupados com coisas superficiais. Dê-nos uma palavra de alento e ajuda. O que podemos fazer como pais e avós para compartilhar a fé com os nossos filhos e netos?

Aqui há uma palavra que devemos dizer: a sabedoria do choro, o dom de chorar. Diante dessas crueldades, o pranto é humano e cristão, porque amolece o coração e é uma fonte de inspiração — Papa Francisco

Francisco: A fé deve ser transmitida no dialeto familiar, sempre. Pensem na mãe desses sete filhos que, no livro dos Macabeus, diz três vezes que os animava no dialeto, na língua materna. A fé é transmitida em casa, sempre. Foram precisamente os avós, nos momentos mais difíceis da história, que transmitiram a fé. 

Pensemos nas ditaduras do século passado. Foram os avós que, secretamente, ensinavam a rezar e que, secretamente, levavam os seus netos para batizar.

Por que não os pais? Porque os pais estavam envolvidos na filosofia da "ditadura", e, se soubessem que batizavam seus filhos, perderiam o emprego e se tornariam vítimas de perseguição. 

A professora de um desses países contou que na segunda-feira depois da Páscoa tiveram que perguntar às crianças: ‘O que vocês comeram em casa ontem?’ Sobre aqueles que respondiam ‘ovos’, era preciso passar a informação, para que os pais fossem castigados.

Nesses momentos, os avós tiveram uma grande responsabilidade. A fé é transmitida no dialeto, no dialeto do lar, da amizade, da proximidade. A fé não é apenas o conteúdo do Catecismo, mas é o modo de se alegrar, de ficar triste, de viver. Existe uma vida a ser transmitida. Não é possível se perguntar se fracassamos. Nós tentamos transmitir a fé e depois o mundo faz propostas, e muitos jovens se afastam da fé, às vezes tomando decisões inconscientemente.

Em primeiro lugar não se assustar, não perder a paz, sempre falando com o Senhor. Nunca tratar de convencer, porque a fé não cresce por proselitismo, mas pela atração, isto é, pelo testemunho, como disse Bento XVI.

Acompanhá-los em silêncio. Lembro-me de uma anedota de um líder sindical que, aos 21 anos de idade, tinha caído na dependência do álcool e morava sozinho com sua mãe. Ele ficava bêbado e na manhã seguinte, quando a mãe saía para trabalhar como lavadeira, ele fingia estar dormindo. Observava como a mãe o olhava com ternura. Isso o destruiu. Esse silêncio, essa ternura da mãe, destruiu todas as resistências, e mais tarde ele criou uma boa família, construiu uma boa carreira.

Você quer se salvar dessa cultura que faz você se sentir um fracassado, a cultura do descarte e da competição? Abra a mão estendida, sorria, ponha-se a  caminho, nunca sentada, suja as mãos e será feliz.

O silêncio que acompanha é uma das virtudes dos avós. Muitas vezes apenas o bom silêncio pode ajudar. Depois, se alguém perguntar quais são as causas desse distanciamento dos jovens, há apenas uma palavra: os maus testemunhos. Nem sempre na família, muitas vezes os vê na Igreja: sacerdotes neuróticos, pessoas que se dizem cristãs e levam uma vida dupla, incoerente... São sempre os maus testemunhos que afastam. Essas pessoas que sofrem isso acusam: ‘Perdi a fé porque vi isso e aquilo’. E estão certas.

Somente um contratestemunho com mansidão e paciência, o de Jesus que sofria, pode tocar o coração. Recomendo aos pais e avós muita compreensão, ternura, testemunho, paciência e oração: pensem em Santa Mônica [mãe de Santo Agostinho, ndr.], ela ganhou com lágrimas. Nunca discutir, nunca. É uma armadilha: os filhos querem trazer os pais para a discussão.

3. Fiorella Bacherini (Itália, 83 anos)

Papa Francisco, estou preocupada. Tenho três filhos. Um é um jesuíta como você. Eles escolheram sua vida e seguem pelo caminho. Mas também olho ao redor, vejo meu país, o mundo. Vejo que as divisões e a violência estão crescendo. Por exemplo, fiquei surpreso com a dureza e a crueldade que testemunhamos no tratamento dos refugiados. Não quero discutir sobre política, estou falando de humanidade. 

Como é fácil fazer crescer o ódio entre as pessoas! E recordo-me de momentos e lembranças da guerra que vivi na infância. Com que sentimentos você está enfrentando esse momento difícil na história do mundo?

Francisco: Gostei: ‘Não estou falando de política, mas de humanidade’. Isso é sábio! Os jovens não têm a experiência das duas guerras. Aprendi com meu avô, que participou da Primeira Guerra Mundial em Piave, e aprendi muitas coisas com suas histórias. Também as canções muito irônicas contra o rei e a rainha. As dores da guerra. Depois, o que a guerra deixa: os milhões de mortos do grande massacre. Depois veio a Segunda Guerra Mundial: eu a conheci em Buenos Aires, com muitos migrantes que chegaram, muitos. Italianos, poloneses, alemães. Ouvindo-os, compreendíamos o que é uma guerra, que nós não conhecemos.

O que eu faço quando vejo que o Mediterrâneo é um cemitério? Digo a verdade: sofro, rezo e falo. Não devemos aceitar esse sofrimento, não devemos dizer: ‘Sofre-se em todos os lugares’. 

É importante que os jovens conheçam o resultado das duas guerras do século passado. É um tesouro negativo, mas um tesouro que deve ser transmitido para criar consciências. Um tesouro que fez crescer a arte italiana, o cinema do ‘Dopoguerra’ é uma escola de humanismo. Que os jovens conheçam isso para que não caiam no mesmo erro. Compreender como começa um populismo, por exemplo, o de Hitler em 1922 e 1923. Que saibam como começam os populismos: semeando o ódio. Não se pode viver semeando ódio.

Nós, na experiência religiosa (pensemos na Reforma), semeamos ódio, de ambos os lados, protestantes e católicos. Hoje estamos tentando semear gestos de amizade. Semear ódio é fácil, e não apenas no cenário internacional, mas também no bairro. Alguém vai e fala mal sobre o vizinho ou a vizinha e semeia ódio. Semear ódio com comentários e fofocas – da guerra de fofocas, mas são da mesma espécie – é matar. Matar a fama dos outros, a paz, a concórdia na família, no bairro e no trabalho. Fazer que cresçam os ciúmes. O que eu faço quando vejo que o Mediterrâneo é um cemitério? Digo a verdade: sofro, rezo e falo. Não devemos aceitar este sofrimento, não devemos dizer: ‘Sofre-se em todos os lugares’.

Hoje estamos na 
Terceira Guerra Mundial em capítulos. Vejam os lugares de conflito: falta de humanidade, agressão, ódio entre culturas, entre tribos... também a religião deformada para poder odiar melhor.

Terceira Guerra Mundial está em andamento, acho que não estou exagerando nisso. Vem-me à mente esta profecia de Einstein: a quarta guerra mundial será com pedras e paus, porque a terceira destruirá tudo. 

Semear o ódio é um caminho de destruição, de suicídio. Isto se pode encobrir com muitas razões, esse moço do século passado, em 1922 (Hitler), que o encobriu com a pureza da raça.

Acolher o migrante é um mandamento bíblico, porque Jesus foi um migrante no Egito. A Europa foi feita pelos migrantes, muitos fluxos migratórios fizeram a Europa de hoje. Depois, a Europa está consciente de que nos momentos difíceis outros países, como os Estados Unidos, receberam os migrantes europeus e sabem o que isso significa. 

Antes de emitir um julgamento sobre a migração, devemos retomar a nossa história europeia. Eu sou filho de migrantes que foram para a Argentina. Na América do Norte há muitos que têm sobrenome italiano, migrantes recebidos com o coração e as portas abertas. O fechamento é o começo do suicídio.

É verdade que devemos acolher e acompanhar os migrantes, mas, acima de tudo, devemos integrá-los. Se nós acolhemos assim, sem integração, não fazemos um bom serviço. A integração é necessária.Suécia tem sido um exemplo disso. Quantos de nossos argentinos e uruguaios, durante as ditaduras estavam refugiados na Suécia e foram imediatamente integrados com escola e trabalho... Na Suécia veio para me saudar uma ministra filha de uma sueca e um imigrante africano.

Por outro lado, a tragédia de Zaventem [os atentados na Bélgica, ndr.] não foi causada por estrangeiros, mas por jovens belgas que viveram confinados em um gueto, tinham sido recebidos, mas não integrados. 

Um governo deve ter o coração aberto para receber, boas estruturas para fazer o caminho da integração e também a prudência para dizer: até aqui posso; mais do que isso eu não posso. É necessário que toda a Europa se coloque de acordo, não que todo o peso recaia sobre três ou quatro países. novo cemitério europeu chama-se Mediterrâneo, chama-se Egeu.

4. Martin Scorsese (Estados Unidos, 75 anos).

Santo Padre, hoje as pessoas têm dificuldades para mudar, para acreditar no futuro. Já não se acredita mais no bem. Olhando ao redor de nós e lendo os jornais. parece que a vida do mundo é marcada pelo mal, até mesmo pelo terror e pela humilhação. A Igreja também é atingida por esses problemas. 

De que maneira um ser humano pode viver uma vida boa e justa em uma sociedade na qual o que nos leva a agir é a ganância e a vaidade, na qual o poder se expressa com violência?

Francisco: De que maneira pode a fé de uma jovem e de um jovem sobreviver? Como ajudá-lo nesse esforço?

Hoje vemos mais claramente como se age com crueldade, em toda parte, com frieza nos cálculos para arruinar o outro. E uma das formas de crueldade que mais me afeta no mundo dos direitos humanos é a tortura; neste mundo, a tortura é o pão nosso de cada dia. E a tortura é a destruição da dignidade humana.

Certa vez aconselhei alguns jovens pais: como corrigir os filhos? Às vezes é preciso usar a filosofia do tapa, um tapa, mas nunca no rosto, porque isso tira a dignidade! Vocês sabem onde dá-lo. A tortura é brincar com a dignidade das pessoas, a violência para sobreviver, a violência em certos bairros onde, se você não roubar, não come. 

Não podemos negar essa cultura. Como lidar com a grande crueldade? Como ensinar a transmitir aos jovens que a crueldade é um caminho errado que mata a pessoa, a humanidade, a comunidade?

Aqui há uma palavra que devemos dizer: a sabedoria do choro, o dom de chorar. Diante das crueldades, o pranto é humano e cristão, porque amolece o coração e é uma fonte de inspiração. Jesus, nos momentos mais difíceis da sua vida, chorou. Chorar, não tenham medo de chorar por essas coisas. Somos humanos. Depois compartilhar a experiência, e novamente falar de empatia. Não condenar os jovens – assim como os jovens não devem condenar os idosos. E esta é a empatia da transmissão dos valores.

Também é importante a proximidade, que opera milagres. A não-violência, a mansidão, a ternura, essas virtudes humanas que parecem pequenas, mas  são capazes de superar os conflitos mais difíceis. 

Proximidade com aqueles que sofrem, proximidade com os problemas, proximidade entre jovens e idosos. São poucas coisas, e assim se transmite uma experiência e se faz amadurecer: os jovens, nós mesmos e toda a humanidade.

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Fonte da informação:

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Historias-do-Futuro/-Os-populismos-comecam-semeando-o-odio-que-e-o-caminho-de-destruicao-suicidio-alerta-o-Papa-Francisco/48/42162

*Publicado originalmente no 
Vaticano Insider |
Tradução: André Langer, publicada na IHU On-Line

Foto de Papa Francisco - Vatican Media


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