Após as duas postagens anteriores — sobre o amor fraterno e a amizade — parece-me significante retomar as palavras do Papa Francisco no Dia Mundial da Paz. Na sua mensagem, ele nos convida a alargarmos o nosso olhar para além daqueles que amamos. E a refletirmos — mais em profundidade — na grave questão dos refugiados.
Adaptei a tradução original do site vatican.va para o português falado no Brasil. O trecho inicial das saudações às autoridades presentes — que não interfere na parte essencial da mensagem — foi omitido nesta reprodução.
1. Votos de paz
Adaptei a tradução original do site vatican.va para o português falado no Brasil. O trecho inicial das saudações às autoridades presentes — que não interfere na parte essencial da mensagem — foi omitido nesta reprodução.
1. Votos de paz
A paz, anunciada aos pastores, na noite de Natal, é uma aspiração profunda de todas as pessoas e de todos os povos, sobretudo de quantos padecem mais duramente pela sua falta. Dentre esses, — que trago presente nos meus pensamentos e na minha oração, — quero recordar de novo os mais de 250 milhões de migrantes no mundo, dos quais 22 milhões e meio são refugiados.
Esses refugiados, como afirmou o meu amado predecessor Bento XVI, «são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz». Em busca desse lugar, muitos deles estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa. Sujeitam-se a fadigas e sofrimentos, e enfrentam arames farpados e muros erguidos para os manter longe da sua meta.
Esses refugiados, como afirmou o meu amado predecessor Bento XVI, «são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz». Em busca desse lugar, muitos deles estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa. Sujeitam-se a fadigas e sofrimentos, e enfrentam arames farpados e muros erguidos para os manter longe da sua meta.
Abertos à misericórdia, abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental. Estamos cientes de que não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros. Há muito que fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz, numa casa segura.
Acolher o outro requer um compromisso concreto, uma corrente de apoios e benefícios, uma atenção vigilante e abrangente. E também a gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm juntar ao grande número de problemas já existentes, bem como recursos que são sempre limitados.
Praticando a virtude da prudência, os governantes saberão acolher, promover, proteger e integrar essas pessoas, estabelecendo medidas práticas, «nos limites consentidos ao bem da própria comunidade, retamente entendidos, a fim de favorecer-lhes a integração». (Neste sentido,) os governantes têm uma responsabilidade precisa diante das suas próprias comunidades, e devem assegurar-lhes os justos direitos de um desenvolvimento harmônico, para não serem como o construtor insensato que fez mal os cálculos e não conseguiu completar a torre que começara a construir.
Praticando a virtude da prudência, os governantes saberão acolher, promover, proteger e integrar essas pessoas, estabelecendo medidas práticas, «nos limites consentidos ao bem da própria comunidade, retamente entendidos, a fim de favorecer-lhes a integração». (Neste sentido,) os governantes têm uma responsabilidade precisa diante das suas próprias comunidades, e devem assegurar-lhes os justos direitos de um desenvolvimento harmônico, para não serem como o construtor insensato que fez mal os cálculos e não conseguiu completar a torre que começara a construir.
2. Porque há tantos refugiados e migrantes?
Na mensagem para idêntica ocorrência — no Grande Jubileu pelos 2000 anos do anúncio de paz dos anjos em Belém, — São João Paulo II incluiu o número crescente de refugiados entre os efeitos de «uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, e “limpezas étnicas”», que caraterizaram o século XX. E até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira mudança: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam a provocar deslocações de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas.
As pessoas migram também por outras razões, sendo a primeira delas «o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o “desespero” de um futuro impossível de construir». Elas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar desses direitos, não vive em paz. Além disso, como sublinhei na Encíclica Laudato Si’, «é trágico o aumento de migrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental».
A maioria das pessoas migram seguindo um percurso legal, mas há quem tome outros caminhos, quase sempre por causa do desespero, quando a pátria não lhes oferece segurança nem oportunidades, e quando todas as vias legais parecem impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas.
Em muitos países de destino, generalizou-se largamente uma retórica que enfatiza os riscos para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados, desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer a todos, enquanto filhos e filhas de Deus. Quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e xenofobia, que são fonte de grande preocupação para quantos desejam respeitar o princípio da tutela de todos os seres humanos.
Todos os elementos à disposição da comunidade internacional indicam que as migrações globais continuarão a marcar o nosso futuro. Alguns consideram-nas uma ameaça. Eu, pelo contrário, convido-vos a vê-las com um olhar repleto de confiança, como oportunidades para construir um futuro de paz.
3. Com olhar contemplativo
A sabedoria da fé nutre este olhar, capaz de intuir que todos pertencemos «a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha». Essas palavras propõem-nos a imagem da Nova Jerusalém.
O livro do profeta Isaías (cap.60) e Apocalipse (cap.21) descrevem a Nova Jerusalém como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admiram e a enchem de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela.
O livro do profeta Isaías (cap.60) e Apocalipse (cap.21) descrevem a Nova Jerusalém como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admiram e a enchem de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela.
Precisamos lançar esse olhar contemplativo, também sobre a cidade onde vivemos. "Um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças (...), promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, e de justiça". Em outras palavras, realizando a promessa da Paz.
Detendo-se sobre os migrantes e os refugiados, este olhar saberá descobrir que eles não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e desse modo enriquecem a vida das nações que os acolhem. Um olhar que também vislumbre a criatividade, a tenacidade e o espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que, em todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração a migrantes e refugiados, inclusive em países onde não sobram recursos.
Quem estiver animado por esse olhar será capaz de reconhecer os rebentos de paz que já estão a despontar e cuidará do seu crescimento. Transformará em canteiros de paz as nossas cidades, frequentemente divididas e polarizadas por conflitos que se referem precisamente à presença de migrantes e refugiados.
4. Quatro pedras miliárias (indispensáveis) para a ação
Oferecer àqueles que pedem asilo, — refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano — uma possibilidade de encontrar a paz de que estão à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar.
«Acolher» — é uma atitude que faz apelo à exigência de ampliação das possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais. Recorda-nos a Sagrada Escritura: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos».
«Proteger» — Lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem de um perigo real em busca de asilo e segurança, e de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações em que ficam mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de torná-las escravas. Deus não discrimina: «O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva».
«Promover» — Alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução. Deste modo, poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas encontrarão melhores condições para também ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito. A Bíblia ensina que Deus «ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário». Daí a exortação: «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito».
Por fim, «Integrar» — Significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração e na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais. «Portanto – como escreve São Paulo – já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus».
5. Uma proposta para dois Pactos Internacionais
Almejo, do fundo do coração, que seja este espírito a animar o processo que, no decurso de 2018, levará à definição e aprovação, por parte das Nações Unidas, de dois pactos globais: um deles para as migrações seguras, ordenadas e regulares; um outro referido aos refugiados.
Enquanto acordos partilhados no âmbito global, esses pactos representarão um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas. Por isso, é importante que sejam inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da Paz.
Só assim, o necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao cinismo e à globalização da indiferença. De fato, o diálogo e a coordenação constituem uma necessidade e um dever próprio da comunidade internacional. Mais além das fronteiras nacionais, — e se a cooperação internacional lhes disponibilizar os fundos necessários — será possível também que países menos ricos possam acolher um número maior de refugiados ou acolhê-los melhor.
Enquanto acordos partilhados no âmbito global, esses pactos representarão um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas. Por isso, é importante que sejam inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da Paz.
Só assim, o necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao cinismo e à globalização da indiferença. De fato, o diálogo e a coordenação constituem uma necessidade e um dever próprio da comunidade internacional. Mais além das fronteiras nacionais, — e se a cooperação internacional lhes disponibilizar os fundos necessários — será possível também que países menos ricos possam acolher um número maior de refugiados ou acolhê-los melhor.
6. Em prol da nossa casa comum
Inspiram-nos as palavras de São João Paulo II: «Se o "sonho" de um mundo em paz é partilhado por tantas pessoas, se se valoriza o contributo dos migrantes e dos refugiados, a humanidade pode tornar-se sempre mais família de todos e a nossa terra uma real “casa comum”». Ao longo da história, muitos acreditaram neste "sonho", e as suas realizações testemunham que não se trata de uma utopia irrealizável.
Franciscus
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