Por motivo de férias, e também de trabalho, estive fora do país por mais de um mês. Agora, de volta, me deparo com uma onda de opiniões e – em alguns casos – desorientações, diante das bombásticas informações a cada momento derramadas pela mídia nacional e local.
O “parece que”, “alguém disse”, “tudo indica” transforma-se em informação factual, com explicações coloridas por densos deslizes do respeito à veracidade comprovada. Assim foi e assim tem sido o comportamento da grande mídia nacional, sempre à mercê de interesses ora políticos, ora ideológicos, e por vezes exclusivamente privados.
O “parece que”, “alguém disse”, “tudo indica” transforma-se em informação factual, com explicações coloridas por densos deslizes do respeito à veracidade comprovada. Assim foi e assim tem sido o comportamento da grande mídia nacional, sempre à mercê de interesses ora políticos, ora ideológicos, e por vezes exclusivamente privados.
Saí em busca de algumas opiniões – entre muitas – que brotassem de um olhar cuidadoso de quem preza pela justiça e pelo bem comum. E encontrei, num artigo publicado por Leonardo Boff, a clareza de uma visão aberta e carregada da grandeza humana, transparente e densa, de quem ama o nosso país e o seu povo, e está habituado a considerar os fatos cimentado nas razões da nossa história, e sempre a partir dos empobrecidos, sem se abater na desesperança ou na banalidade de quem vê apenas o próprio umbigo. No texto, os grifos são nossos.
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As sombras do Brasil
Leonardo Boff (*)
Em momentos de crise, assomam quatro sombras que
A primeira sombra é o nosso passado colonial.
A segunda sombra foi o genocídio indígena.
Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente “gente”, por isso suas terras são tomados, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.
Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salario é caridade e não direito. Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito e criou-se um estado para servir aos interesses dos poderosos e não ao bem de todos e uma complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo Faoro ("Os donos do poder") e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues ("Conciliação e reforma no Brasil") nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim, surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.
Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência.
Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas, depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si. Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas, uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento. Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.
A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.
As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C.G.Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
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(*) Artigo publicado no site leonardoboff.wordpress.com em 27/03/2016.
Crédito das imagens:
As sombras do Brasil
Leonardo Boff (*)Em momentos de crise, assomam quatro sombras que
estigmatizam nossa história, cujos efeitos perduram até hoje.
A primeira sombra é o nosso passado colonial.
Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obrigá-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência, no inconsciente coletivo de povo dominado: sempre baixar a cabeça, levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.
A segunda sombra foi o genocídio indígena.
Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580, que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus.
Pior ainda: a guerra declarada oficialmente por Dom João VI - em 13 de maio de 1808 - que dizimou os Botocudos (Krenak), no vale do Rio Doce, manchará para sempre a memória nacional.
Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente “gente”, por isso suas terras são tomados, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.
A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5 milhões foram trazidos da África como “peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos.
Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala. Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e, depois, dominantes.
Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salario é caridade e não direito. Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito e criou-se um estado para servir aos interesses dos poderosos e não ao bem de todos e uma complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo Faoro ("Os donos do poder") e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues ("Conciliação e reforma no Brasil") nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim, surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.
Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência.
Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas, depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si. Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas, uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento. Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.
A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.
As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C.G.Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
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(*) Artigo publicado no site leonardoboff.wordpress.com em 27/03/2016.
Crédito das imagens:
1. Primeira Missa no Brasil - Tela de Portinari/1948 -www.museus.gov.br
2. Pintura do Massacre de povos indígenas do Brasil - www.nodeoito.com/povos indígenas/massacre
3. Comemoração do dia da raça negra - foto divulgação.
4.Movimento Sem Teto faz manifestação defronte à Caixa, em 5/10/2015 - www.ultimosegundo.ig.com.br
5. Corrupção - imagem deste blog - www.canstockphoto.com.br
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