Neste janeiro de 2019, o time do novo governo brasileiro se especializa em disseminar ideias e informações incongruentes. Vez por outra - deixando de lado aquelas que seguem o circuito natural da zombaria - algumas questões merecem esclarecimentos de especialistas, de modo que se possa perceber melhor o que se passa no embaralhamento das questões lançadas, talvez até mesmo na intenção de nos confundir.
O texto abaixo - publicado recentemente na Carta Capital - foi escrito após uma declaração do novo presidente, dizendo que "o Brasil se livraria do socialismo", e, não só, como refere a jornalista Ana Luiza Basilio, que "o país também é frequentemente associado ao comunismo". Alguns podem até perguntar: O que é isso? Será mesmo que o presidente está correto?
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Por: Ana Luiza Basilio - Carta Educação/Carta Capital
14 de janeiro de 2019
No
pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro,
após receber a faixa presidencial no dia 1 de janeiro, a afirmação de que sua
posse representa o momento em que o Brasil começou a se libertar do socialismo e
do “politicamente correto”.
O presidente
também alegou que a bandeira do Brasil jamais será vermelha, em referência à
cor tradicionalmente adotada pelos movimentos de esquerda.
Antes mesmo
das eleições, mas sobretudo pelo sentimento antipetista que
marcou o pleito eleitoral, o Brasil já vinha sendo associado aos sistemas
socialista e comunista, como se ambos representassem uma ameaça ao País.
Para
entender se as associações são corretas, o Carta Educação levou questões ao
professor e coordenador do Núcleo de Pesquisas da Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Prof. Dr. Paulo Silvino
Ribeiro.
Confira as respostas do professor às questões colocadas:
O Brasil é
um país socialista? Por quê?
Não é, não
foi e creio que tão pouco será futuramente. Atualmente, o socialismo
recuou no mundo todo, principalmente na Europa onde teria nascido. No caso
brasileiro, ao se considerar nosso processo de formação social e econômica
pautado principalmente na manutenção das estruturas que reproduzem o
privilégio, a desigualdade, o racismo, as
fobias todas, lamentavelmente o socialismo está num horizonte infinitamente
longínquo.
A fala do
presidente, recentemente empossado, ao dizer que vai “libertar o país do
socialismo”, não tem nenhuma relação com a realidade do presente ou do passado
do país. Trata-se de uma fala ainda pautada no discurso eleitoral, e que busca
produzir efeito por entre seus apoiadores os quais, a meu ver, também não
conseguem compreender o que é o socialismo. Porém, isso se explica.
Associam o
socialismo aos governos do PT, os quais evidentemente não foram socialistas,
embora tenham promovido avanços sociais. Os governos petistas teriam esta pecha
(de socialista), por terem defendido um Estado maior e mais presente,
bem como por terem promovido políticas sociais como o Bolsa Família, o que
para os mais desavisados seria uma afronta à meritocracia. A retórica de
Bolsonaro e dos seus apoiadores considera como socialismo tudo aquilo que não
estiver coadunado com suas visões de mundo mais liberal, conservador e
autoritário. Afinal, se o Brasil fosse socialista, o que explicaria a vitória
de Bolsonaro?
Em algum
momento da história, o Brasil já esteve próximo de ser um país socialista ou
comunista?
O que se
teve no Brasil foram governos mais populares e afeitos à possibilidade de
reformas sociais importantes em um país tão desigual. Talvez o exemplo mais
significativo seria o governo de João Goulart, o qual foi tachado de socialista
ou comunista, e que serviu de pretexto para o terrível golpe militar que
desembocou em uma ditadura de 21 anos.
A Era Lula
(e mesmo o governo de Dilma Roussef), embora considerada pela direita como
governos comunistas ou
socialistas, nunca o foram. Representaram, sim, um momento no qual as políticas
sociais e a redistribuição de renda foram mais significativas, mas tudo dentro
do modo capitalista de produção e por meio de políticas liberais (ou
neoliberais) na economia.
O que é o
socialismo, o que o define?
Como apontam
as definições mais gerais para o socialismo, trata-se de uma ideologia ou um
programa político das classes trabalhadoras, que foram se constituindo ao longo
do desenvolvimento da Revolução Industrial. Basicamente, o socialismo estaria
pautado na defesa da limitação do direito à propriedade privada; na luta por
uma sociedade na qual os recursos econômicos estejam sobre o controle das
classes trabalhadoras; na defesa de que esta sociedade tenha uma gestão que
busque promover a igualdade entre todos.
E o que é o
comunismo, o que o define?
Trata-se de
um modelo de modo de produção no qual os indivíduos se organizariam para
trabalhar e produzir não para o lucro e o enriquecimento individual, mas para
atender às necessidades de toda a comunidade. Este modelo, evidentemente,
esvazia a defesa da propriedade privada, ao mesmo tempo que contribui para a
defesa de mais igualdade entre os homens.
Com relação
a uma visão do comunismo mais conhecida, ligada à obra de Karl Marx, fica
explícita a crítica ao modo da produção capitalista. Isso porque o capitalismo
contribui para aumentar a desigualdade econômica e social entre os homens, pois
tal modo de produção só é possível pela acumulação de capital e da concentração
dos meios de produção (terra, capital, máquinas, tecnologia, etc) nas mãos de
poucos. Assim, é possível perceber que a conclamação à um ideal de vida comum,
tem por base o socialismo.
Há países
socialistas atualmente? E comunistas?
Poderíamos citar países como China, Cuba e Vietnã. Contudo, algumas ponderações são importantes, afinal, a China estaria ao
mesmo tempo entre os países mais capitalistas do mundo, ao se considerar sua
capacidade econômica de produção e de mercado consumidor.
Além disso,
Cuba vem passando por um processo gradual e lento de abertura econômica,
distanciando-se cada vez mais das premissas da revolução encabeçada por Fidel
Castro, e se aproximando aos poucos da lógica da economia global. A
reaproximação com os EUA é prova disso.
O socialismo
e o comunismo podem ser entendidos como a mesma coisa? Se não, o que os
diferenciam?
Os conceitos
de socialismo e comunismo sempre estiveram imbricados na história. Em que pese
ser possível uma definição mais geral de cada um, são os pontos de tangência
entre eles que contribuem para que o tempo todo sejam vistos como que sinônimos,
embora não sejam.
Quais seriam
estes pontos? Dentre eles, a crítica ao individualismo e à concentração da
propriedade privada como causas da desigualdade, bem como a defesa do interesse
público e do bem comum por meio de uma relação horizontal entre os atores
envolvidos na divisão do trabalho social.
Na tentativa de se esboçar uma breve
diferenciação entre eles, pode-se dizer que o socialismo estaria mais ligado ao
mundo das ideias e valores que levariam à uma condição na qual o comunismo,
como modo de produção e de organização social, poderia ser possível.
O socialismo
e o comunismo são regimes ditatoriais? Por quê?
Não são.
Porém, historicamente, os regimes socialista e comunista dos quais se tem
registro, foram fruto de revoluções ou golpes que, para se manterem, utilizaram
da força e do autoritarismo em algum momento. Dizer que o socialismo ou o
comunismo são, por natureza, ideias que conduzem à ditaduras não é razoável.
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Fonte do texto:
Crédito Imagem: EBC (imagem do texto).
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