Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

PRECISO REGRESSAR-ME

17 setembro, 2015


     
"Hoje, minha alma fugiu,
 Sem deixar rastro
Pela planície dos meus pensamentos,
Sem sequer avisar tão forte ausência!
Estou só e preciso regressar-me..." (i)



Feito uma sombra ao meio dia, não a vejo... Não a encontro. Foi-se o meu sentir; no meu olhar só vultos distantes em densa sombra. Não mais os reconheço. Já não fazem parte da minha vida. Nebulosas lembranças na minha história. Vultos que se foram, “sem sequer avisar tão forte ausência!”





Assim me percebo hoje, sem me reconhecer... O que se foi perdeu-se no tempo. O tempo é irmão do vento e se esvai feito um clarão, ou feito as águas do rio, que não voltam jamais! O futuro enreda os seus laços com o passado  um novelo cuja ponta final é ligada ao fio errante da vida a passar, a passar, a passar...

Fugiu sem deixar rastro, minha alma errante... Nem as marcas do ingênuo sonhar, e do tanto querer, e do tanto esperar! 

Acasos, ousadia, afinco, receio, dor, quanta dor, e alegrias tantas! Quiçá, por que caminhos se foram, caladas no imensurável poço brumoso da noite... Ou na expansiva folia do contentamento?!   





As brumas do tempo podem ocultar a profundeza sincera do sentir humano, no seu todo querer. Mas a ausência, ah, a ausência deixa a sua marca inteira e funda, feito um abismo imenso que entontece a razão das coisas, até mesmo as coisas do amor...  

"Estou só e preciso regressar-me!".







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(i) Estrofe de um poema do Prof. José Pires da Silva - Rio de Janeiro - RJ

Crédito das Imagenas:


1.   Retrato de Mulher - www.canstockphoto.com.br

2.   Rio Capibaribe - Foto de Beto Figueira - www.g1.globo/pernambuco/notícia
3. e 4 - Paisagens - www.canstockphoto.com.br

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LITERATURA - JOSÉ PIRES DA SILVA

11 setembro, 2015

SE EU PUDESSE


"Quem me dera ser um cais
Numa solitária paisagem,
Desconhecida dos homens,
Pronto apenas para 
ancorar-te!
Águas tranquilas, amarras firmes,
Descida a vela, correnteza amena...".(*)





Nesses dias banhei-me de poesia, afogada na leitura de um livro de memórias e poesias, cujo autor é um amigo muito especial. Sua poética me prendeu a atenção em meio ao espanto e à alegria de perceber tanta iluminação. Como eu, ele vem de longa estrada... E há anos nos encontramos e nos perdemos vida afora. Ligados um ao outro na infância, nos encantamos, quando estar junto a assar castanhas era tão emocionante quanto é hoje brincar com um transformer, uma boneca que anda e fala ou mesmo ter o próprio tablet. 


Passávamos as manhãs em torno a pedras fumegantes misturadas às castanhas entre brasas, no cuidado que não queimassem, mais do que atentos às nossas mãos ansiosas e traquinas. Era o nosso modo inocente de estar juntos, de nos alegrar. Tanta era a nossa interação afetiva, e tão espontâneos em demonstrá-la, que na família éramos conhecidos como amigos inseparáveis. 
A vida nos separou no giro do tempo, pois o tempo e as circunstâncias, inevitáveis, não consultam os que por ele passam, vai nos empurrando para os destinos que vamos escolhendo e construindo, muitas vezes sem aprofundar o porquê de nossas escolhas.   
Os desencontros nos distanciaram. A controlada vida de estudo em colégios com regime de internato, como era de uso nos anos cinquenta - em cidades distantes e circunstâncias muito diversas - foi marcada pelo bloqueio da nossa correspondência. Tantas cartas escrevemos, e não chegaram às nossas mãos!... As grotescas normas dos colégios diziam que não era tempo para isso, pensavam que o tempero do amor adolescente poderia levar a perder o alimento que nos davam, para crescermos numa vida regrada de impedimentos, mesquinhez e limites, destemperada dos nossos sentimentos de afeto de que tanto precisávamos. 
Decênios e decênios se foram e pouco nos encontramos. Vez ou outra, de tanta a saudade, tratamos de nos encontrar quando já era possível nos falar por telefone. Dia desses, ambos oitentões, tivemos uma longa conversa, para discutir questões referentes ao seu livro de poemas, agora na gráfica.  

Recebi os originais com um pedido de dar um parecer. Seus poemas me reconduziram às nossas tantas memórias. Ele me contou  e tenho apenas a lembrança emotiva daquele momento, há mais de cinquenta anos atrás  de quando viera num voo da Panair do Brasil, do Rio de Janeiro, onde estudava, para me visitar. Eu me encontrava de férias, com a família, numa cidade sertaneja do Nordeste do Brasil. Era julho de 1958. Eu completava vinte anos. 
Tínhamos apenas dois dias para nós. Tratava-se de um momento  definitivo. Tanto havia a nos dizer, que passamos a noite a conversar, sem interrupções. Foram momentos densos, delicados e muito difíceis para ambos. Entraram a fazer parte da nossa história e, de certo modo, a encerraram, se considerada a perspectiva de vivermos juntos. 

No entanto, entendo que o significado daquele momento não fora o de interromper um amor tão expressivo e sincero. Foi mais que isso: para mim, tinha a significância da entrega inteira daquele amor, por uma causa a que me sentia chamada no mais genuíno e profundo de mim. Decidira doar a minha vida ao compromisso e à difusão da fraternidade universal, respondendo ao impacto que tive ao ouvir a história de Chiara Lubich, ainda nos primeiros decênios do Movimento dos Focolares, hoje presente em todo o mundo. 
Um compromisso que exigia de nós o desapego, como tentávamos entender naquela noite de longa conversa. Sua intenção era pedir-me em casamento, e viera para isto, mas o sonho se desfizera. Não que o meu fosse um sonho maior  o amor é o amor, Deus é amor. Eu escolhera seguir o seu chamado. O nosso encontro, então, se transformou em despedida. 


O mundo girou e girou... Depois daquela noite, quantas noites e dias de entrega, aprendizado, novas experiências, e tantas outras decisões. Mais tarde, depois que tínhamos formado família, continuamos a viver em cidades  distantes. 

Hoje estamos apaziguados com a vida e com as escolhas que fizemos. A sua poesia me fez reencontrar-nos em muitos versos, nós, tão velhos agora, e tão os mesmos de sempre!






            "Se eu pudesse,
            Perdendo-me encontra-te!
            Se eu pudesse,
            Achando-me completar-te!
            Se eu pudesse,
            Alegrando-me realizar-te!
            Se eu pudesse
            Ver-te plenamente...
            Ah! se eu pudesse!" (*)

    

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(i) Prof. José Pires da Silva - Rio de Janeiro, Rj.
- com agradecimentos ao autor.




Créditos de Imagens:


  • Castanhas assadas - https://pixabay.com/pt/photos/caju/
  • Todas as outras imagens são de: www.canstockphoto.com.br

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DOM HÉLDER CÂMARA - E QUEM É O MEU PRÓXIMO?

01 setembro, 2015

Há pessoas que conheci, no correr da minha caminhada, que deixaram marcas muito significantes em minha vida, e não se perderam no vácuo da memória envelhecida. Vez por outra lembro um fato, algum momento especial, um registro que me torna mais desejosa de continuar a aventura iniciada há tantos anos – dias de sim e de não: ora brilhantes e cheios de esperança, ora acabrunhados de escuridão.

Em 1974 Dom Hélder Câmara, então Arcebispo de Olinda e Recife, me convidou para trabalhar como secretária da sub-região Nordeste II da CNBB - Conferência dos Bispos do Brasil, quando então ele era o presidente. Foi ali que pude usufruir da sua convivência. O escritório ficava no Recife e eu trabalhava na sua sala. Ele estipulara uma tarde por semana para vir receber algumas pessoas e despachar comigo os assuntos em pauta. 

Certa vez, chegou de surpresa e eu já atendia as pessoas, como de costume. Notei a sua presença na antessala, quando fui ao encontro da próxima pessoa a ser atendida. Encontrei-o sentado ao lado dos que esperavam para falar comigo. Surpreendi-me, e lhe disse ansiosa: – Dom Hélder, não vai entrar? Ele respondeu, tranquilo: – Ainda não é a minha vez... Estas senhoras chegaram antes de mim. Entendi que aquela era a sua vontade: queria respeitar o lugar de quem chegara primeiro, embora ele fosse o presidente da instituição. 

Aos poucos me acostumei a vê-lo junto a todos nós na fila das refeições, à espera da sua vez, durante as assembleias pastorais com operários, trabalhadores rurais, empregados domésticos e outros.


Recordo um fato denso de grande significado. Durante uma das reuniões periódicas dos bispos da região com os responsáveis dos movimentos pastorais, Frei Alfredo, um franciscano alemão que residia no Recife, apresentou-se para falar das atividades que iniciara com pescadores da beira-mar de Goiana e Olinda – o que significava uma grande novidade. 


Os pescadores artesanais são pessoas que têm um trabalho bem diferente dos que acontece nos grande navios pesqueiros. Reunir pescadores praieiros em atividades pastorais podia ser considerada uma feliz ousadia! Naquela ocasião, um dos bispos presentes tentou impedir que o franciscano se apresentasse com o seu grupo de pescadores, pois insistia que era gente que não sabia se organizar, não convinha perder tempo com eles. A pesca – enfatizava – é uma atividade solitária. E sinalizou que saíssem.

Aquele gesto provocou um impacto entre nós, e esperava-se que os bispos decidissem o que fazer. O padre Renè Servat – líder de um grupo de sacerdotes operários  que colaboravam com Dom Hélder levantou-se, dirigiu-se ao bispo opositor, pôs as mãos sobre sua cabeça – como se fosse abençoá-lo – e lhe disse, enfático: “Irmão, deixa que o Espírito Santo abra o teu coração!” O bispo manteve-se em silêncio, impactado. Dom Hélder disse: Deixem os pescadores falarem. Nós precisamos ouvi-los! O gesto do padre Servat e a intervenção de Dom Hélder criaram o fato inaugural da "Pastoral dos Pescadores" na CNBB do Nordeste. 



Um dos pescadores presentes, na ocasião, era o conhecido João Ambrósio, um líder sindicalista e homem político que assumiu a missão de - como pescador – trabalhar para que muitos outros pescadores participassem da atividade pastoral em que cooperou, até o final da sua vida.  

Na mesma época conheci Padre Maurício Parrant – jesuíta, nascido em Malta. Ele se empenhara em oferecer apoio às mulheres prostitutas que então viviam na Rua do Bom Jesus, bairro de Santo Antônio, no Recife. Buscava oferecer-lhes orientações sobre cuidados com a saúde e com os riscos a que estavam sujeitas naquela atividade. Não se incomodava de ir até às suas casas, com a sua equipe, em horários mais oportunos. Tratavam, especialmente, de criar oportunidades de trabalho para as que quisessem sair da cilada em que se viam envolvidas. 




Fatos como esses, muito contribuiram para o meu aprendizado sobre a realidade em que viviam os pobres daquela época. Hoje há uma nova legislação e diversos programas de proteççao à pesca artesanal, - responsável por mais da metade do pescado, no país. E há, igualmente, muito a fazer ainda, no que tange o nosso compromisso político com essas e outras questões sociais. 


Ainda há os que tentam barganhar e até negligenciar os direitos legítimos dos empregados domésticos e dos trabalhadores e trabalhadoras manuais ainda não profissionalizados. Este espaço se propõe a realizar uma maior divulgação do que se faz na sociedade civil e no âmbito das políticas governamentais, em muitas dessas situações. Como, por exemplo, em relação aos povos indígenas, para a superação da situação injusta em que vivem, eles que há anos se veem em disputa por suas terras e pela manutenção de sua cultura ancestral. 


Quiçá, as organizações sociais e os políticos se mobilizassem, com ações públicas significantes de apoio àqueles que hoje são os modernos “leprosos” de tempos idos – pessoas que se queria ver distanciadas. Cruzamos, na rua com meninos e adolescentes que nos fazem fechar os vidros do carro... Não estaria na hora de começarmos a buscar conhecer mais a fundo as reais causas desse medo medonho?!



No Brasil, a CNBB ainda mantém as atividades do CIMI - Conselho Indigenista Missionário - e em várias regiões há Sindicatos de Empregados Domésticos. A Pastoral dos Pescadores se mantém em plena atividade em todo o país. Há inúmeras organizações que atuam nos cuidados de apoio às Crianças e Adolescentes. 

Recentemente fiquei sabendo que a ANPECOM – Associação Nacional por uma Economia de Comunhão – um movimento de economia civil conhecido como EdC, em vários países – está promovendo, no Brasil, a criação de um Fundo de Reciprocidade, a fim de apoiar iniciativas produtivas de pessoas e com pessoas que vivem em desvantagem social. A notícia foi um sopro revigorante que recebi, nesses dias de tamanha escassez de boas novas na grande mídia. 

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Informações:

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - www.cnbb.org.br

CIMI - Conselho Indigenista Missionário -  www.cimi.org.br/site/pt-br - Criado em 1972, é um organismo vinculado à CNBB que confere um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas.
EdC - Economia de Comunhão -  www.edc.comwww.anpecom.com.br


Créditos Imagens:

1.  Exposição Itinerante Pesca Artesanal - www.portaldecaragua.blogspot.com/2011 
2.  Dom Helder Câmara - www.arquidiocesedeolindaerecife.org
3. Pesca Artesanal - www.pt.org.br - Diario do Nordeste - Foto de Honório Barbosa
4. Pastoral dos Pescadores - www.cnbb.org.br 
5. João Ambrósio - foto cedida por seus familiares.
6. Pesca Artesanal - www.rj.gov.br 
7. Menino de Rua - www.diariodonordeste.verdesmares.bom.br 


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