Conservo alguns rabiscos dispersos em antigas
agendas – doces e suaves marcas de experiências de vida. Publico hoje uma mensagem escrita a amigos italianos, em 1981, logo após minha
estada com eles, em Grottaferrata, (uma das pequenas cidades das colinas romanas, próxima a Marino e Rocca di Papa, esta mais conhecida por abrigar a residência de férias
do papa). Segue o texto:
Parece-me que há encontros na vida que, ao nos unir, nos ligam para
sempre. Esse, o meu sentimento após os dias passados em Grottaferrata.
Acredito que a amizade é a eucaristia dos que vivenciam, na simplicidade, a doçura do afeto. Lembrei-me da citação bíblica de Lucas, o evangelista: dois discípulos de Jesus caminhavam na estrada de Emaús, após a sua morte. No caminho, Ele lhes apareceu, como fosse um caminhante. Depois que não mais o viram, comentaram: “Não ardia os nossos corações quando Ele nos falava pelo caminho, e explicava as Escrituras?" [1]. Assim, o que sinto, sem vocês por perto.
No trecho da minha viagem Rio/Recife reencontrei a natureza tropical intensamente bela: uma alvorada brilhante, matizada de luzes e cores. À chegada, viam-se os coqueiros a empinar suas franjas balançantes em meio à vegetação tropical: o verde era intenso, o sol pleno e difuso, e um forte cheiro de chuva banhando o chão da primavera – uma moldura extremamente viva para os semblantes cansados da gente sofrida de minha terra.
Acredito que a amizade é a eucaristia dos que vivenciam, na simplicidade, a doçura do afeto. Lembrei-me da citação bíblica de Lucas, o evangelista: dois discípulos de Jesus caminhavam na estrada de Emaús, após a sua morte. No caminho, Ele lhes apareceu, como fosse um caminhante. Depois que não mais o viram, comentaram: “Não ardia os nossos corações quando Ele nos falava pelo caminho, e explicava as Escrituras?" [1]. Assim, o que sinto, sem vocês por perto.
No trecho da minha viagem Rio/Recife reencontrei a natureza tropical intensamente bela: uma alvorada brilhante, matizada de luzes e cores. À chegada, viam-se os coqueiros a empinar suas franjas balançantes em meio à vegetação tropical: o verde era intenso, o sol pleno e difuso, e um forte cheiro de chuva banhando o chão da primavera – uma moldura extremamente viva para os semblantes cansados da gente sofrida de minha terra.
Num relance do olhar, identifiquei os rostos luminosos e
felizes das minhas três – Letícia, a primogênita, não se conteve: ultrapassou a
barreira que a impedia de vir ao meu encontro e se lançou num abraço; depois,
as outras duas e Luís Carlos a acompanharam, deixando para trás qualquer impedimento.
Os guardas não fizeram outra coisa que observar a alegria do encontro: Verinha me olhava encantada, dizendo-me que eu chegara mais bonita do que antes; Letícia confessou o seu temor de que o avião caísse e eu não chegasse... Carlinha saltou-me ao colo, e não me deixava mais. Luís Carlos procurava fazer a parte do adulto, e gracejava sobre os quarenta quilos da minha bagagem. Comentei, brincante: Você viu, foram dois meses exatos! E ele: Dois meses, não: eu contei sessenta e três dias!
Os guardas não fizeram outra coisa que observar a alegria do encontro: Verinha me olhava encantada, dizendo-me que eu chegara mais bonita do que antes; Letícia confessou o seu temor de que o avião caísse e eu não chegasse... Carlinha saltou-me ao colo, e não me deixava mais. Luís Carlos procurava fazer a parte do adulto, e gracejava sobre os quarenta quilos da minha bagagem. Comentei, brincante: Você viu, foram dois meses exatos! E ele: Dois meses, não: eu contei sessenta e três dias!
Em casa, muitas surpresas: o acesso e o terraço frontal
estavam com a pintura renovada, também os assentos, na área aberta, tinham outro revestimento. As flores alegravam a casa; e no meu quarto haviam três
grandes desenhos, em cartolina, colorindo a brancura das paredes. Lurdes, a secretária amiga, segunda mãe das minhas filhas, me tomou pelos braços a rodopiar,
esnobando sua força.
Das malas abertas saltavam bonecas e outras lembranças que
os amigos mandavam para as crianças. Só
mais tarde me foi possível trocar as primeiras notícias e ver a alegria de Luís Carlos ao receber o conhaque e, especialmente, os livros que lhe trouxera.
À noite, Verinha me pediu para ler uma das histórias de um livro enviado por tio Silvano: 22 Contestatori Fuori Serie, com a dedicatória do autor, ele mesmo.[2].
À noite, Verinha me pediu para ler uma das histórias de um livro enviado por tio Silvano: 22 Contestatori Fuori Serie, com a dedicatória do autor, ele mesmo.[2].
A primeira história era de Melania, de Milão, uma riquíssima mulher que, ainda jovem, tomara a decisão de distribuir sua riqueza com os pobres. Verinha, minha pequena filósofa, comentou: “Ela fez bem, dando tudo o que tinha aos pobres. Pra que ia servir a ela tanta riqueza? Quando a gente tem uma casa, pra que serve ter outras? Acho que com tanto dinheiro, ela não ia saber o que fazer na vida".
O texto conclui: Vocês gostariam de saber como terminou a
história de Melania? Posso contá-la em poucas palavras:
Após ter feito várias peregrinações com a finalidade de ajudar os eremitas que viviam nos desertos, ela decidiu ir viver numa cela, no Monte das Oliveiras, em Jerusalém.
Melania saia raramente da sua solidão meditativa de eremita: uma vez, para fundar um mosteiro feminino; uma segunda e ainda outra, para fundar dois mosteiros masculinos.
Ela era uma mulher enamorada de Deus e cheia de sabedoria. Dizia aos monges: Vocês podem jejuar quanto quiserem, podem velar à noite, se assim lhes parecer; mas saibam que o Espírito do Mal sabe fazer essas coisas melhor do que vocês. Querem saber em que ele não conseguirá vencer vocês? – No amor.
Após ter feito várias peregrinações com a finalidade de ajudar os eremitas que viviam nos desertos, ela decidiu ir viver numa cela, no Monte das Oliveiras, em Jerusalém.
Melania saia raramente da sua solidão meditativa de eremita: uma vez, para fundar um mosteiro feminino; uma segunda e ainda outra, para fundar dois mosteiros masculinos.
Ela era uma mulher enamorada de Deus e cheia de sabedoria. Dizia aos monges: Vocês podem jejuar quanto quiserem, podem velar à noite, se assim lhes parecer; mas saibam que o Espírito do Mal sabe fazer essas coisas melhor do que vocês. Querem saber em que ele não conseguirá vencer vocês? – No amor.
As histórias do pequeno livro foram traduzidas e comentadas, uma a uma, nos dias que sucederam. Depois, Verinha quis escrever ao tio Silvano para lhe agradecer – agora que via o
seu nome gravado em um livro (e ela gostava muito de ler), entendera que além de ser uma pessoa muito querida
e especial, ele era um escritor importante.
[1] Evangelho de Lucas, 24,32
[2] Silvano Cola. 22 Contestatori Fuori Serie. Città Nuova Editrici. Roma, 1978
Fonte das imagens:
1. Iconografia dos discípulos de Emaús - Ditos e Benditos - www.marizandicarvalho.blogspot.com
2. Foto crianças - arquivo pessoal.
3. Iconografia : Le donne dei Pollaiolo - uma das três iconografias da mostra a ser realizada em Milão-It (7/11/2014 a 16/02/2015) - www.italiadiscovey.it
4. Eremitério da atualidade (Italia) - www.voglioviverecosi.com
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