O escritor
moçambicano Dany Wambire autor do livro: “Adubada Fecundidade e Outros Contos”, recebeu menção honrosa no Prêmio Internacional José Luís Peixoto, concedido a cidadãos
de países de língua oficial portuguesa. Dany Wambire é o nome artístico de Danito Gimo da Graça Avelino, licenciado em Ensino de História pela Universidade Pedagógica de Moçambique, e professor primário na cidade da Beira, no centro dob país, além de diretor da revista
literária “Soletras – A sopradora de Letras”.
No prólogo da sua estreia literária, o conhecido escritor moçambicano Mia Couto destaca as qualidades do
jovem escritor, afirmando que “Dany Wambire não está apenas à busca de um modo
de dizer: ele já tem uma raiz que é sua, um traço estilístico que define a sua
identidade". Os seus contos "são um mergulho nesse outro mundo que não aceitamos ver, mas que é nosso e que traduz a nossa diversidade de povo. Há nestes textos uma
lógica marginal, mas que quer ser parte da correnteza do rio, e as personagens aparentemente estranhas das suas histórias, apenas espelham a realidade plural
do nosso quotidiano”.
Com alegria, trago a este espaço uma crônica de Dany Wambire. Seu texto foi mantido no original português moçambicano, o que não trará dificuldades ao leitor brasileiro, que de certo irá perceber a leveza de seu estilo e a beleza de sua linguagem. O conto é intitulado:
Nunca mais corrupção!
Todos já eram corruptos ou corruptores, em Fim-de-Mundo.
Sim, todos já eram mais dedicados ao dinheiro ilícito, pedindo recompensas por todo o
serviço a todo o cidadão. Até o serviço, que era do seu respectivo dever,
devidamente remunerado, aos fins de meses.
Dentre os corruptos, havia Inconstante Constâncio, homem, que
exercia, com zelo e dedicação a sua corrupta prática, conforme as hodiernas e
malvadas ordens. Ele jamais defraudou as expectativas dos seus apoiantes. Falo
dos que com ele trabalhavam, de forma abnegada, para o desenvolvimento da
corrupção, e para o combate aos homens de excelente educação, os morigerados.
Inconstante Constâncio trabalhava para a Polícia de Tráfego de
Fim-de-Mundo. Os seus deveres eram: controlar os veículos que caminhassem em
excesso de velocidade, e policiar os condutores que
movessem os veículos em estado de embriaguez; entre outras ilicitudes
rodoviárias. Mas, não escassas vezes, exigia outras coisas imprevistas por lei,
quando, a todo o custo, queria arrancar trocado dos automobilistas: capacete;
guia de marcha; luvas de condução; e outras desnecessidades.
Certa vez, Inconstante, quando estava no seu respectivo posto
de trabalho, nas bermas de qualquer estrada, interpelou uma viatura conduzida
por um automobilista em estado de embriaguez. Ademais, a viatura era demasiado
pesada, imprópria para andar pelas ruas frágeis de Fim-de-Mundo. Sim, só devia
andar a viatura numa via dura, as rodas a confrontarem-se com a rigidez do
pavimento da mesma.
E, quando o automobilista, ora interpelado, se concentrou, a cumprir as
exigências do fiscal rodoviário, ouviu dele:
― Vinhas em velocidade excessiva e estás bêbedo. Você bebeu!
― Não bebi, chefe. Apenas tomei uns copos de cerveja clara. ― Retrucou o
automobilista. ― Então, vamos soprar balão. ― Ordenou o homem da lei e ordem.
Soprar balão coisa nenhuma, pois o automobilista, de nome Distância
Esquivado, começou a criar condições para a corrupção. Foi dizendo que, apesar
de ter ingerido alguns mililitros de álcool, estava lúcido, capaz de exercer
qualquer actividade. Até podia fazer “um quatro”, esse teste que se exige,
comumente, para se confirmar a lucidez de um suposto embriagado.
No seguido, Distância Esquivado desceu do carro, e conduziu o agente da
polícia de Tráfego para o lado traseiro. Disse-lhe que daria qualquer coisa, em
troca da detenção e parqueamento da viatura pelas infracções cometidas, para a
satisfação do polícia. Afinal, o polícia estava à espera de pessoas abertas:
aquelas que cometiam erros rodoviários, e logo vinham deixar algum trocado,
para facilitar o perdão.
Distância Esquivado pagou dois mil meticais, e seguiu com a marcha. O
polícia ficou a ganhar delícias do produto da sua malvada prática: a corrupção.
É caso para dizer que o dinheiro resolvia tudo em Fim-de-Mundo.
Na verdade, o automobilista prevaricador, agora seguindo com a marcha, autorizado estava a praticar mais ilegalidades e atrocidades. Foi andando, em velocidade
excessiva, sem piscas para regulares sinalizações, ultrapassando outras
viaturas de modo irregular, desrespeitando as regras que regiam a
ultrapassagem. Havia, decerto, condições propícias para a ocorrência de
acidente. E aconteceu!
Sim, três quilómetros depois, houve um acidente claramente provocado por
Distância Esquivado. Soube-se que o prevaricador andava em contramão, e acabou
por embater contra um carro, conduzido por uma senhora, que estava na sua
respectiva faixa de rodagem. E os resultados foram os mais graves de sempre:
morreram instantaneamente todos os ocupantes das duas viaturas. Mas um dos
envolvidos morreu por causa própria. Dir-se-ia por justa causa. Infelicidade injusta, seria para os familiares da condutora e outros ocupantes da outra
viatura sinistrada.
Afinal, quem era a senhora que conduzia a outra viatura? Incrível que
pareça, a condutora ora morta, era a esposa de Inconstante Constâncio, o agente
da polícia de tráfego, que deixara passar o automobilista, que lhe acabou com a vida
da consorte, a sua genuína esposa. E nasceu o entristecimento de Inconstante. O
homem estava inconsolável como ninguém. Por que é que ele podia ter convocado
morte para sua casa? Por causa da corrupção, é claro.
E aos que o vinham
consolar, ele jurava, peremptoriamente: ― Nunca mais, corrupção!
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Fontes do texto:
Mia Couto - Portal: http://www.miacouto.org
Osservatório MMT // APN - Lusa/Fim
Crédito Imagens:
1.Foto Dany Wambire: https//:aquihagato.net/pt/temasdeactualidade/congressos-coloquios -e-eventos/
Outras imagens: www. canstockphoto.com.br
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma destas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com
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