ZYGMUNT BAUMAN
VIDAS DESPERDIÇADAS
Ao apresentar seu trabalho
acadêmico de análise sobre a “A Sociedade do Descartável” – a Professora Orgides
Maria da Silva nos fala do que pensa o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, ao questionar as
práticas do viver cotidiano na época em que vivemos – no seu
livro: Vidas Desperdiçadas. Ela afirma: “Bauman
nos oferece a oportunidade de compreender a nossa sociedade de uma forma mais íntima,
mais próxima e mais profunda, o que de certa maneira pode causar
estranhamento, inconformismo, não-aceitação, e ao mesmo tempo nos alertar para a sociedade que construímos e que
continuamos a delinear para o futuro”.
Do seu artigo, algumas questões nos atingem diretamente: Bauman nos faz entender que a pós-modernidade é marcada pela
exclusão que cresce a cada dia, impondo constantemente novas
exigências, especialidades e qualificações para o mundo do trabalho – com
as quais a nossa estrutura educacional não está preparada para lidar –, o que
acarreta um alto índice de desemprego. E nos convida a lançar “outro olhar sobre o mundo que habitamos e
partilhamos.”
A modernização – na visão de Bauman -
provoca um grande índice de marginalização, e pode nos levar a pensar
que este mundo está com gente demais, seria necessário desvencilhar-nos dos
desvalidos, dos ignorantes, dos marginalizados… Chegamos ao ponto de entender a marginalização como uma realidade alheia a
nós mesmos, sem que se perceba a responsabilidade que nos cabe diante
desse caos.
Mesmo se por algum instante a gente reflita sobre essas
questões, em geral não analisamos até o fim as causas que produzem a marginalização. Fica-nos a ideia
de que os pobres, os ignorantes, os sem cara nem vez são – eles próprios – os
responsáveis por essa vidinha que vão levando. Pensa-se – isto sim – na própria defesa desse ambiente que determina a
criminalidade, a insegurança social, os gastos sociais dos nossos impostos.
Eles – digamos, os excluídos do nosso país – essa multidão de famílias empobrecidas!, são os que
geram filhos a mais para receber o “bolsa família”... São eles e os outros – ainda mais pobres do que eles – que formam a massa dos nossos "descartáveis", "esse lixo humano
sem serventia"! (- Nem trabalhar direito eles aprendem!), muitos dizem.
Voltando ao que diz a articulista – ao comentar o livro
do sociólogo – Bauman “discute o panorama social,
a ambivalência dos vínculos humanos
e a incerteza em relação à construção de vínculos mais
sólidos na sociedade. Afirma que os relacionamentos são de curto prazo ou em muitos casos até virtuais.
O amor torna-se vítima da liquidez da sociedade contemporânea, fugaz e
descartável, destruindo as formas mais ingênuas e puras de sentimento e da intimidade compartilhada”...
E conclui: Bauman afirma que não é pessimista, muito
menos niilista e que sua obra é um convite à reflexão em busca da
ação, na tentativa de romper com o crítico
modo de vida que levamos… Ele nos convida “à tentativa de possibilitar que a situação das pessoas em condição de fracasso
e humilhação seja revertida, e a beleza seja algo comum”, algo possível
de ser vivido.
A leitura desse artigo me deixou a refletir sobre a afirmação
de que – ao organizar a relação entre as fronteiras sociais existentes entre inclusão/exclusão, dentro/fora, limpeza/sujeira, bem/mal, produto
final e refugo – a pós-modernidade fez com que os indivíduos ficassem duvidosos de seus valores, diante
de uma sociedade movida mais pelo desejo do ter, em detrimento do
ser. E, assim, fez surgir a “sociedade do descartável”. Bauman nos acode, propondo-nos mais uma questão: Como pensar a divisão
que surge entre nós e aqueles indivíduos?
Resta a nós a tarefa de aprofundar o entendimento do sentido mais profundo da expressão:
sociedade
do descartável. Como será que estou envolvida nesse jogo causal? Um
jogo que se caracteriza pela visão de um mundo sem profundidade nem
importância, que nos leva a conduzir sentimentos e relações pessoais ao largo
de nós mesmos, (tudo aquilo que eu renego, porque é diferente de mim).
Não pretendo misturar a minha história, a minha
vida, embaraçando-me com essa gente, essas "políticas", essas "questões sociais" –
eu “lutei” ("só eu sei quanto!"), para ter mais valor, para “alcançar” um alto
nível de educação, mais dinheiro e conhecimento… ( – Por que será que "essa gente" não faz o mesmo?).
Sou atencioso, boa praça, cordial e educado – embora no fundo consiga perceber que estou – também eu! -, pipocando por todos os poros, sem entender quem é mesmo que eu sou,
para onde quero ir, o que estou fazendo da minha vida e, – pior ainda –, para quê?, em busca
de quê estou endereçando o meu trabalho, os meus esforços do
dia a dia, o meu adquirido saber?
Fica a sugestão de a gente pensar mais, ler mais, e refletir mais sobre essa “vida líquida” (mais uma expressão título de outro livro de Bauman),
que nos escorre pelos poros, pelo nosso descuido do dia a dia, do tempo que se
esvai em pressa, e que eu nem chego a
perceber!
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A autora do artigo citado, Orgides Maria da Silva Neta, é discente em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). orgides@ig.com.br
Resenha: Orgides Maria da Silva. Vidas
Desperdiçadas. Revista ACOALF Aplp:
Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa, São Paulo, ano 2, n.3 - 2007.
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Sobre Zygmunt Bauman:
Nasceu em 19 de novembro de
1925. É um sociólogo polonês que iniciou sua carreira na Universidade de
Varsóvia, de onde foi afastado em 1968, após ter vários livros e artigos
censurados. Sem muitas
perspectivas, o sociólogo abandonou sua pátria e partiu para a Inglaterra,
depois de passar pelo Canadá, EUA e Austrália. No início da década de 70 ele
assumiu o cargo de professor titular da Universidade de Leeds, permanecendo
neste posto por pelo menos vinte anos. Aí ele teve contato com o intelectual que
inspiraria profundamente seu pensamento, o filósofo islandês Ji Caze. (www.infoescola.com/biografias)
Grande parte de sua
obra já foi traduzida no Brasil. Seus livros são povoados por ideias sobre as
conexões sociais potenciais na sociedade contemporânea, nesta era comumente
conhecida como pós-modernidade. Os estudos sociológicos lhe permitem refletir
sobre a angústia que reina nos sentimentos humanos, emoção despertada pela
pressa de encontrar o parceiro perfeito, sempre mantido como meta ideal, nunca
como realidade concreta. Assim, os casais procuram manter relacionamentos
abertos, que lhes possibilitem uma porta de saída para novos encontros. A
insatisfação está, portanto, constantemente presente na esfera da afetividade
humana. As pessoas desejam interagir, buscam a vivência do afeto, mas não
querem se comprometer. É o que Bauman chama de amor líquido, vivenciado em um
universo marcado pelos laços fluidos, que não permanecem, não se estreitam,
desobedecem à lei da gravidade, ou seja, à ausência de peso. O que provoca a
famosa ‘insustentável leveza do ser’, preconizada pelo escritor tcheco Milan
Kundera.
Bauman crê que os
relacionamentos a dois não podem se desenrolar à parte da cena social, das
regras do jogo estabelecidas pela sociedade global. Nada pode, segundo ele,
fugir deste complexo panorama, do moderno fenômeno conhecido como globalização.
Aliás, este autor é também famoso por suas agudas pesquisas sobre os vínculos
entre os tempos modernos, o Holocausto e o frenético consumo da era
pós-moderna. Para o sociólogo, a fluidez dos vínculos, que marca a sociedade
contemporânea, encontra-se inevitavelmente inserida nas próprias
características da modernidade, discussão esta que está perfeitamente retratada
nas primeiras obras do autor. É impossível fugir das consequências da
globalização, com suas vertiginosas ondas de informação e de novas idéias. Tudo
ocorre com intensa velocidade, o que também se reflete nas relações entre as
pessoas. No Brasil é possível encontrar pelo menos dezesseis de seus livros
traduzidos para o português, todos pela Jorge Zahar Editor. Entre eles os
principais são Amor Líquido, Globalização: as Conseqüências Humanas e Vidas
Desperdiçadas. Em 1989 ele conquistou o prêmio Amalfi, por sua publicação
Modernidade e Holocausto; em 1998, obteve a premiação Adorno, pela totalidade
de sua obra. Hoje Bauman leciona nas Universidades de Leeds e de Varsóvia.
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Créditos Imagens:
1. Capa do Livro: Vidas Despedaçadas -
2.3.4. - Fotos divulgação do autor
5. www.canstockphoto.com.br