Afagos da Ternura
Quando eu pensava no que
dizer hoje, neste evento, veio-me à mente o poema Instantes, que ora se
diz ser de autoria do poeta argentino Jorge Luís Borges, ora se afirma
ser de uma poetisa americana pouco conhecida, de nome Nadine Stair. A poetisa
teria a minha idade quando o escreveu. Eu diria que se trata de um poema de arrependimentos.
Quem o escreveu expressa o
desejo de viver outra vez para cometer mais erros e correr mais riscos. E arrepende-se
por não ter viajado mais, contemplado mais entardeceres, subido mais
montanhas... e assim por diante. Este
ano completei 85 anos, e confesso não
ter arrependimentos de como vivenciei os anos que passaram. Como todas as
pessoas, gostaria de poder continuar usufruindo de tudo o que a vida me oferece,
neste momento. E querem saber o meu segredo? Até agora tenho vivido como se
ainda tivesse um longo futuro pela frente.
Há poucos dias, durante a
celebração da partida de um amigo muito querido, percebi, com muita clareza, que
tudo o que consegui alcançar na vida – mesmo a produção deste livro, eu não teria
realizado sem o apoio das pessoas que me amam (ou me amaram) e dos amigos incríveis,
sempre presentes em todas as horas. E sei que este é um patrimônio inestimável.
Hoje, vendo vocês aqui – de
gerações tão variadas – confirma-se a minha certeza de que, quando se conta com
amigos, as dificuldades são partilhadas e as alegrias são multiplicadas. Como
agora, na celebração dessa conquista que me permite acreditar em mim, e sonhar
mais!
Outra fonte de vida, tão
importante quanto as amizades, é cultivar viva uma espiritualidade. Aos 15 anos, quando vim estudar no Recife, comecei
a participar ativamente do movimento da Ação Católica –
era um movimento cuja proposta é mais atrativa do que o seu nome poderia
indicar.
Juntei-me aos jovens mais ativos da Ação Católica Estudantil do Recife – uma espiritualidade inovadora para a nossa época (eram os anos 50). Contávamos com um sacerdote assistente brilhante, e uma conselheira muito presente e terna. Mesmo sendo jovens, nos importávamos com a vida de outros jovens, e juntos nos doávamos com atitudes sinceras de solidariedade. Gostávamos do que fazíamos, e nos empenhávamos para fazer bem o que devíamos fazer. Na época, usávamos o método do ver, julgar e agir, que nos ajudou a crescer com uma visão perspicaz e ousada. Foi na Ação Católica que aprendi a me interessar pela cultura em geral – comecei a ler mais, a ir aos cine-fóruns e a gostar de música.
Aos
22 anos, conheci Chiara Lubich na Itália –
uma pessoa extraordinária, fundadora do Movimento dos Focolares – um nome italiano que
significa calor e aconchego. A espiritualidade dos Focolares inspira-se no
mandamento cristão do amor: “para que todos sejam um”.
O que mais me tocava nas
intenções e nas ações de Chiara Lubich, é que ela promovia uma fraterna
convivência não só nas relações entre pessoas de classes sociais, etnias
e credos diversos, mas entre congregações religiosas distintas e credos de
diferentes culturas. Até hoje, a espiritualidade dos Focolares
me fortalece e me estimula a assumir uma atitude especial na
relação com as pessoas que encontro a cada momento. Tenho vivido mais livre de pré-julgamentos e me tornei sensível e interessada nas questões que afetam
os mais sofridos e vulneráveis da sociedade.
Citei esses dois movimentos
porque estou certa de que foi através deles e das pessoas com quem me
relacionei, que constitui os pilares da minha formação adulta e a solidez da
minha fé na vida e no amor solidário.
Quanto às motivações de me tornar
blogueira, poeta e escritora, alguns fatos me levaram ao ofício
de escrever – pois é uma tarefa que exige sensibilidade, intuição, poesia, capacidade
inventiva, pesquisa e memória.
O
meu marido, Luís Carlos Araújo – que alguns de vocês conheceram –
reconhecia que eu trazia comigo um pouco desses ingredientes da prática
literária. Quando saíamos e, eventualmente,
entrávamos num teatro, restaurante ou cinema, ele escolhia aleatoriamente um
casal ou grupo de amigos que estivesse à vista, e me perguntava o que eu diria sobre
a relação que eles tinham. Mesmo sem conhecê-los, eu olhava as características das
pessoas e passava a inventar uma trama de pessoas sensatas, leves e
perspicazes, ou briguentas, ciumentas e insossas.
Quando eu ainda era uma
garota, tinha um tio poeta que gostava muito de ouvir os cantadores de viol do sertão.
Sabendo que eu também gostava de ouvi-los, ele me escrevia em quadras populares,
dessas que têm a rima no segundo e quarto versos. Assim, eu me sentia convocada
a responder da mesma forma. Aquelas quadras foram as sementes dos poemas que
estão publicados numa página do Blog Espaço Poese.
Diz-se
que é a partir dos 70 anos que se inicia o período mais fecundo das habilidades
literárias e das artes em geral. Desde 2014 eu já escrevia no blog Espaço Poese. Em 2016, soube de um
concurso para concorrer ao Prêmio Literário da Mulher Idosa, promovido
pela Secretaria de Cultura do Estado, da UFPE, da APL e da Fundaj. Às
pressas, escrevi um conto com o título: A Surpreendente Clarice e
me inscrevi no concurso. Resultado: fui surpreendida com o primeiro lugar.
O prêmio me animou a escrever outros contos,
e um deles foi intitulado Afagos da Ternura. Certo dia o enviei para uma cara amiga, professora
do Discurso e Estudos do Letramento no Instituto Federal de Brasília (IFB).
Eu queria saber se valia o esforço de me dedicar ao ofício de escrever. A
resposta da Professora Gissele Alves foi imediata. Havia gostado do
conto, e disse que queria saber mais sobre Marília e Yves – o que eles
pensavam, que escolhas fariam na vida, como seria a relação dos dois no futuro
e coisas mais. Foi essa pressão carinhosa e animadora que me deu coragem
para trabalhar alguns anos neste romance que celebramos. Foi Gissele quem escreveu a orelha da capa.
Por fim, quero
expressar minha gratidão a vocês, por atenderem ao meu convite!
Não vou esquecer esse gesto tão carinhoso para comigo. Fiz questão que a
presença de vocês fosse registrada com fotos e vídeos, como registro desse dia. Muito obrigada!
Vanise Rezende
Recife, 15.06.2023