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SAÍDAS PARA O BRASIL - SUGESTÕES DO SOCIÓLOGO BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS

28 agosto, 2020

 Um oportuno e importante artigo de Boaventura de Souza Santos digirido aos Movimentos Sociais, a nós cidadãos brasileiros e aos Partidos Políticos que precisam cooperar em defesa de um país para todos, na convivência demorática e na luta conjunta pela igualdade de direitos e da justiça social:

 "Apesar de muito dano irreversível ter sido feito, a saída consistirá em os brasileiros e as brasileiras sentirem política e psiquicamente que acordaram de um pesadelo, que estão vivos - apesar de tantos entes queridos perdidos - e que um novo dia nasce e um novo começo volta a ser possível."


Boaventura: em busca de saídas para o Brasil


Névoa do fascismo paira sobre o país: medo, apatia e um presidente com chances de se reeleger. Para dissipá-la, será preciso recuperar a efervescência do campo popular e pressionar o Judiciário, para punir crimes do clã Bolsonaro e da Lava Jato

 

Em: OUTRASPALAVRAS/OUTRA POLÍTICA

Por: Boaventura de Sousa Santos

    

O Brasil está numa encruzilhada existencial de uma dimensão difícil de imaginar. É o país do mundo com um dos maiores desastres humanitários causados pela pandemia. O Brasil tem cerca de 2,8% da população mundial, mas tem 13,9% das mortes por covid-19.

É o país que viveu dois graves atentados à democracia e ao primado do direito num curto espaço de tempo: o golpe jurídico-político contra a Presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a grotesca manipulação judicial-política que levou à condenação sem provas do ex-presidente Lula da Silva, em 2018, até hoje o mais popular presidente da história do Brasil.

É o país governado por um presidente, Jair Bolsonaro, que ganhou as eleições depois de o seu rival ter sido ilegalmente neutralizado e, mesmo assim, com a ajuda de uma avassaladora avalanche de notícias falsas. É o país governado por um presidente não só manifestamente incompetente para exercer o cargo, como também pró-fascista (defensor da ditadura militar, que governou o país entre 1964 e 1985, e da tortura de opositores democráticos, e que chega a pôr sob vigilância defensores dos direitos humanos, por alegadas atividades…antifascistas); é ainda cúmplice ativo do genocídio em curso no Brasil contra a população indígena e contra a população em geral.

É o único governante do mundo que continua a negar a gravidade da situação pandêmica e recusa declarar luto nacional pela morte de tantos milhares de brasileiros. Um governante que faz propaganda de um produto sem comprovação científica da sua eficácia, a cloroquina, produzida por um empresário bolsonarista, a quem o governo adquiriu um estoque suficiente para abastecer o país durante 18 anos, a um preço seis vezes superior ao preço porque comprou o mesmo medicamento no ano passado.

É o país onde os grandes meios de comunicação mostraram ao longo dos anos um total desprezo pelas regras de convivência democrática.

É o país onde os EUA puderam infiltrar o sistema judicial com mais facilidade e eficácia, para fazer alinhar a política externa do país com os interesses norte-americanos no continente e para destruir o tecido econômico do país em algumas áreas concorrentes com as empresas norte-americanas (construção civil, aeronáutica e combustíveis fósseis).

É, finalmente, o país onde, apesar de tudo isto, e no aparente funcionamento normal das instituições democráticas, a popularidade do presidente, que desceu bastante nos primeiros meses da pandemia, volta a crescer e o posiciona para um segundo mandato a partir de 2022.

Perante isto, a única saída possível para o Brasil é, no mais tardar, em 2022 poder pôr fim democraticamente ao pesadelo infernal do bolsonarismo.

Entretanto, e apesar de muito dano irreversível ter sido feito, a saída consistirá em os brasileiros e as brasileiras sentirem política e psiquicamente que acordaram de um pesadelo, que estão vivos - apesar de tantos entes queridos perdidos - e que um novo dia nasce e um novo começo volta a ser possível.

Quais são as condições para isso?

Primeiro, o presidente e o seu clã devem ser investigados seriamente e, por tudo o que se conhece, se o forem, concluir-se-á que há indícios suficientes para serem acusados, julgados e presos. Aliás, no plano internacional, já foram apresentadas várias queixas-crime no Tribunal Penal Internacional de Haia, contra a pessoa do Presidente Bolsonaro - pelo modo como conduziu o país durante a crise pandêmica, queixas por crime contra a humanidade e, no caso dos povos indígenas, por genocídio, o mais grave deste tipo de crimes.

Segundo, os artífices da grave degradação da democracia nos últimos anos, os juízes e procuradores do Ministério Público que conduziram as “investigações” a partir de Curitiba, cometeram tantos e tais atropelos que devem ser não só erradicados da função judicial que desonraram, como devem ser julgados, com respeito por todas as garantias processuais, as mesmas que eles negaram às vítimas da sua macabra manipulação. Particularmente Sérgio Moro, o candidato dos EUA para as eleições presidenciais de 2022, deve ser definitivamente afastado da vida política. Como foi possível que um medíocre juiz federal de primeira instância assumisse jurisdição nacional e se arrogasse o poder de violar as mais elementares hierarquias do sistema judicial? Que ninguém tenha pena dele, pois os EUA encontrarão meio de o compensar pelos serviços prestados, nomeadamente com um cargo internacional.

Terceiro, o ex-presidente Lula da Silva deve quanto antes recuperar em pleno os seus direitos políticos em face da diabólica armadilha judicial-política de que foi vítima, cujos mais grotescos traços começam a ser conhecidos.

Quarto, as forças políticas de esquerda precisam se convencer de que estão perante uma situação política excepcional a exigir comportamentos excepcionais e que discutir neste momento se o PSB (Partido Socialista Brasileiro) ou o PDT (Partido Democrático Trabalhista) são ou não de esquerda ou furtar-se a articulações com um amplo leque de forças democráticas - com vista às próximas lutas eleitorais - são atos de suicídio político que o país se encarregará de lhes lembrar nos próximos anos.

Quinto, os movimentos sociais e organizações da sociedade civil têm de acordar da sonolência inquietante que lhes foi incutida pela vida relativamente fácil que tiveram durante os governos de Lula da Silva. O país do Fórum Social Mundial é hoje um embaraço para todos os democratas e ativistas do mundo que viram, no Brasil, no início da década de 2000, o país líder de uma nova época de mobilizações sociais incisivas e pacíficas guiadas pela ideia inaugural de que “um outro mundo é possível”.

Estas são as principais condições.

As três primeiras estão nas mãos do poder judicial do Brasil. Há indícios de que os tribunais superiores se deram conta de que o futuro da democracia depende em boa medida deles. Cometeram muitos erros no passado recente, foram lassos, se não mesmo cúmplices, ante flagrantes violações do garantismo processual que é a razão de ser do sistema judicial numa democracia. Mas há sinais de que serão a primeira instituição a acordar do pesadelo bolsonarista, e não há neste momento razões para duvidar de que estarão à altura do encargo histórico que lhes cabe. Certamente já se deram conta de que serão as próximas vítimas, se a ilegalidade continuar à solta e impune. Não devem deixar-se intimidar por grupelhos extremistas nem pelo gabinete do ódio. Têm alguns bons exemplos, no continente, de que os tribunais sabem por vezes assumir a responsabilidade que lhes cabe num dado momento histórico. Afinal, quem poderia imaginar que o mais poderoso político da Colômbia, Álvaro Uribe, senador, ex-presidente do país, responsável impune por muitos crimes e pela destruição dos acordos de paz com a guerrilha, fosse posto em detenção domiciliária para não obstruir a justiça que o vai julgar por uma decisão unânime do tribunal supremo?

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Fonte da postagem:  https://outraspalavras.net/outrapolitica/boaventura-em-busca-de-saidas-para-o-brasil/   

Publicado em: 13/08/2020


BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS é Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.


Crédito das Imagens

1. Imagem abertura artigo - reprodução foto do artigo.

2. Imagem de manifestação pró-Lula - divulgação 

3. Solenidade comemorativa Dia do Indio na Câmara dos Deputados - Foto de Mario Vilela - Funai - em 16.04.2015

4. https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf/2020

5. Foto de Boaventura de Souza Santos - reprodução


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A DOR DO AMOR... A DOR DO MUNDO

21 agosto, 2020

 

Por: Vanise Rezende


Há um grande descompasso na descoberta de um amor apaixonado, quando surge a hora da separação ou da morte. Feito as histórias clássicas dos insepráveis Romeu e Julieta, Tristan e Isolda, Wagner e Wilhelmine, e de outras histórias celebradas nas Óperas de Ballet como La Sylphide, Carmen e Giselle, que celebram a dimensão da dor e do amor na ausência.

 Na literatura e na música também se encontram similitudes.

“Es la hora de partir. Oh abandonado!” – Canta Neruda nos seus “Vinte Poemas de Amor”.

 Eu não tenho outro ofício / depois do silente amar-te / que este ofício de lágrimas, duro / que tu me deixaste.” – diz Gabriela Mistral no seu poema Coplas.

 Aqui está minha herança este mar solitário / que de um lado era o amor e, do outro, esquecimento” – escreveu Cecília Meireles em Apresentação.

 No livro Invenção e Memória, Lygia Fagundes Telles lembra um poema da época em que, para se falar com alguém no telefone, precisava-se da intervenção de uma telefonista.

    “Ele queria agora / falar com a Mulher Amada/

   Senhor... Está me ouvindo?/ A linha está ocupada!

   Mas o Senhor quer que eu ligue para onde?/

   Dona Felicidade? / Não responde!”

 

No cancioneiro da MPB encontramos inúmeras pérolas do amor não correspondido e das despedidas de amor. Não caberia neste espaço as letras de João Gilberto, Vinícios de Morais, Tom Jobim, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Marisa, Djavan, Jorge Ben Jor, Cássia Eller, Zé Ramalho, Toquinho e do grande poeta Chico Buarque – para falar daqueles que ainda mantenho na memória do coração.

Ai, vontade de ficar, mas tendo de ir embora... escreve Vinícius de Moraes.

Em Palavras ao Vento,  Cássia Eller busca a imagem do amor distante:

Ando por aí querendo te encontrar / Em cada esquina paro, em cada olhar / Deixo a tristeza e trago a esperança, em seu lugar”.

Em “Eu te Amo”, Chico Buarque canta a dor da separação:

 Ah, se já perdemos a noção da hora / Se juntos já jogamos tudo fora /Me conta agora como hei de partir”...

Mais recentemente, em “Tua Cantiga”, Chico expressa o carinho e o cuidado pela amante distante:

 Quando te der saudade de mim /quando tua garganta apertar / basta dar um suspiro que eu vou ligeiro te consolar!”.

 Os versos de Gilberto Gil 

nos tocam fundo:


 Drão!

 Não pense na separação

 Não despedace o coração

 O verdadeiro amor é vão

 Estende-se infinito

 Imenso monolito

 Nossa arquitetura

 Quem poderá fazer

 Aquele amor morrer”...


Letras e canções nos falam da mesma dolorosa sensação de incompletude, que muitos carregam noites sem fim, até que se percebe que amar não é só um sentimento, mas deve se expressar na arte de conviver.

 


É o que nos lembra
Mário Quintana:

 “A arte de viver é simplesmente

 a arte de conviver...

 Simplesmente, disse eu?

 Mas, como é difícil!”


Não há que se negar a dor da saudade e da perda, nem ignorar o sentimento doloroso e humano da ausência de alguém que se ama.

Mas cabe a todos nós lembrar com mais frequência que o amor não se restrinje a uma pessoal experiência amorosa. Não chegaremos a experimentar a plenitude da vida se ficarmos na nossa própria ilha de amor.

Faz parte fundamental da condição humana coexistir como uma grande família – mulatos, índios, pretos, brancos, pobres, medianos ou ricos, doutorados ou “ainda” não alfabetizados, servidores e artistas, crentes ou não, na condição de aprendizes e mestres, sábios e nativos da terra, gente das artes e das letras, na mais expressiva variedade – uma grande família de diferentes que – por serem iguais e humanos precisam viver socialmente no amor.

Um grande passo seria cada um começar a experienciar juntar-se com outros, para fazer isto acontecer. O que já está acontecendo, com os “não” que a sociedade tem expressado às violências pessoais  e às violentas decisões de um governo desqualificado e incompetente como o que temos hoje no país.

Com tantas diferentes diferenças, somos chamados à responsabilidade da construção da igualdade e da justiça social. Esta é a grande responsabilidade do cidadão, hoje, no nosso país.

A dor do amor (ou a alegria do amor harmonioso e fiel) em nossa vida, pode nos ensinar a participar da grande dor do mundo nos pequenos e grandes gestos de solidariedade e de cooperação.

Lembremos, mais uma vez, o grande testemunho de Pedro Casaldáliga:

                      “No final do caminho dirão:

- E tu, viveste? Amaste?

E eu, sem dizer nada,

                      Abrirei o coração cheio de nomes.”


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Crédito das Imagens:

1. Giselle - www.ttencnet.com.br

2.  Chico Buarque - foto do vídeo Tua Cantiga

3.  Gilberto Gil - www.glamurana.uol.com.br.jpg

4.  Mário Quinana - www.mensagens.culturmix.com.jpg


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DOM PEDRO CASALDÁLIGA - UM CORAÇÃO CHEIO DE NOMES

12 agosto, 2020

A primeira notícia que recebi da morte do bispo missionário espanhol PEDRO CASALDÁLIGA – que chegara ainda jovem nas terras do Araguaia – foi do portal IHU. Noticiava que após uma viagem de mais de 1.100 quilômetros, a primeira parada do caixão chegara ao Santuário de Batatais, território da Prelazia de São Félix do Araguaia. “Foi colocado em dois troncos adornados com uma rede do tipo em que o povo do Araguaia descansa seus corpos exaustos, após um dia de trabalho árduo, às vezes quase escravo.” Nessa sua última peregrinação, depois de mais de 50 anos de missão no Araguaia “ele tem sido recebido por seu povo em pequeno número, já que a situação da pandemia – como o Brasil está atravessando – não permite grandes multidões”. Em um clima de esperança, e num espaço com muitos elementos que faziam parte do seu cotidiano – os chinelos, o chapéu de couro, a rede, os troncos de madeira sobre o qual foi posto o caixão – o velório foi um momento de celebração e de ação de graças por sua vida e ministério.

    Batatais - Igreja dos Claretianos, primeira parada do corpo de Pedro                    Casaldáliga magem da Irmandade dos Mártires da Caminhada. 


Há um soneto de Pedro Casaldáliga que merece ser reproduzido, na celebração da sua mudança para a Vida definitiva. E que é inspirado no seu jeito de identificar-se à cultura dos povos indígenas do Araguaia – foi reproduzido do site de um seu amigo, o monge beneditino Marcelo Barros.

Enterrem-me no rio
Perto de uma garça branca
O resto já será meu
E aquela correnteza franca.

Que eu, passando, pedia,
Será pátria recuperada
O êxito do fracasso
A graça da chegada.

A sombra-em-cruz da vida
Sob este sol de verdade
Tem a exata medida

Da paz de um homem morto
O tempo é eternidade
E toda a rota é porto!

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                      Batatais - Velório do bispo Pedro Casaldáliga - Foto de Valdemir Moraes. 


O Centro de Estudos de História da Igreja América Latina - CEHILA Brasil, divulgou uma carta sobre o falecimento de Dom Pedro, que inicia com um verso do próprio Casaldáliga: 

“No final do caminho dirão:
- E tu, viveste? Amaste?
E eu, sem dizer nada,
Abrirei o coração cheio de nomes.”

Segue o texto da carta do CEHILA:

 “Somos companheiros de viagem para um encontro maior que nós mesmos, pois o cristianismo é uma proposta de vida sempre em ressurreição. Em Casaldáliga repousa amor e simplicidade para ressuscitar em luta, coragem e justiça a favor dos pobres. Dos mais pobres. Sua vida era simples como seu coração, no entanto “cheia de nomes”. Soube propor vida em comunidade, evitando os tropos padronizados e hierarquizados das instituições. Com ele, a palavra ganha forma em poemas e vida em liberdade. Lembrava, em palavras e gestos, que devemos ser cristãos de maneira concreta para renovar sempre o cristianismoPoeta, místico e profeta articulou travessias e fronteiras para consagrar a vida num horizonte em movimento de esperança.

Pedindo à saudade que dê as mãos à esperança, o Cehila-Brasil (Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina - Brasil) se une, neste momento, aos familiares, ao Povo de Deus da Prelazia de São Félix do Araguaia e à Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (Claretianos). Dom Pedro Casaldáliga foi colaborador e grande apoiador do Cehila. Seu nome é uma ação de graças à Vida. Nesse caminho, Cecília Meireles nos inspira e renova nossa esperança: ‘O vento do meu espírito soprou sobre a vida. E tudo que é efêmero se desfez. E ficaste só tu, que és eterno’.

Amigo e Pastor Pedro Casaldáliga, sua contribuição para o Reino de Deus foi especial. Agora, tocado pela ternura do amor de Deus, viva a festa de sua presença.       Segundo José Calderón Salazar jornalista guatemaltec “Nós cristãos não estamos ameaçados de morte. Estamos ameaçados de vida, de amor... ameaçados de ressurreição”. Com a ressurreição de Jesus Cristo, a esperança nos mantém. Que Dom Pedro continue nos inspirando o sonho da “terra sem males” contra ‘todas as cercas’! Cehila-Brasil


Mauro Passos – Presidente
Newton D. Andrade Cabral – Vice-Presidente
Wagner Lopes Sanchez – Secretário

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Para os que desejarem conhecer mais sobre a vida do grande pastor, irmão, amigo e missionário que foi Pedro Casaldáliga – seguidor do Cristo no serviço efetivo aos mais pobres, (os mais esquecidos, vulneráveis, perseguidos e marginalizados), com sua voz destemida e sua vida profética sempre que a indiferença, a violência e o desprezo se manifestava em nosso país  reproduzimos abaixo um artigo de Leonardo Sakamoto, colunista do Uol. 

                       

Dom Pedro Casaldáliga, bispo católico radicado no Brasil desde 1968

   Imagem: Jorge Araujo/Folhapress

   Por: LEONARDO SAKAMOTO


RESUMO DA NOTÍCIA

Ø  Pedro Calsadáliga, expoente da Teologia da Libertacão, é considerado um dos mais importantes defensores dos direitos humanos do país.

Ø  Foi um dos principais defensores dos povos indígenas e ribeirinhos e dos camponeses e trabalhadores rurais da Amazônia desde a ditadura militar.

Ø  Casaldáliga foi responsável por algumas das primeiras denúncias por trabalho escravo contemporâneo que ganharam o mundo no início da década de 1970.

Ø  Aos 84 anos, teve que deixar sua casa pelas ameaças de morte sofridas em decorrência do governo ter retirado invasores da terra indígena Marãiwatsédé

 Num ano em que o Brasil já ficou 100 mil vezes menor por conta de uma doença estúpida, a morte de Pedro consegue deixar um vazio profundo. Ele não era apenas um defensor da vida, mas a representação viva da resistência ao autoritarismo. Nascido na Catalunha como Pere Casaldàliga, chegou ao Brasil em 1968. Desde então, subvertendo o Evangelho de Mateus, capítulo 16, versículo 18, Pedro não foi apenas a pedra em torno do qual edificou-se uma igreja na Amazônia, mas a pedra no caminho dos planos da ditadura e de seus sócios na iniciativa privada de passar por cima dos direitos e da vida de camponeses, ribeirinhos, indígenas, quilombolas.

Foi dele a primeira denúncia por trabalho escravo contemporâneo que ganhou o mundo no início da década de 1970. Essa mão de obra foi largamente utilizada em empreendimentos agropecuários na ocupação da região, com a cumplicidade dos militares.

Por conta de sua atuação contra a ditadura e a violência de grileiros, madeireiros, garimpeiros e grandes produtores rurais passou boa parte da vida marcado para morrer. Foi alvo de processos de expulsão do país. Poeta e escritor, tornou-se uma das principais vítimas da censura baixada pelos verde-oliva durante os anos de chumbo.

"Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois, fazerem a terra escrava e escravos os humanos", escreveu.

Para entender o que é a longevidade da luta de Pedro: aos 84 anos e doente, teve que deixar sua casa em São Félix do Araguaia por conta das ameaças surgidas em decorrência do governo brasileiro, finalmente, ter começado a retirar os invasores da terra indígena Marãiwatsédé, Nordeste de Mato Grosso - ação pelo qual ele sempre lutou.

Governos nunca foram competentes para garantir os direitos dos povos indígenas. Agora, temos um que é abertamente contra a demarcação de novos territórios. E Pedro, mesmo enfrentando um Parkinson avançado, manteve-se na trincheira contra a necropolítica.

 "Ele conseguiu, pela   denúncia intrépida e pelo   testemunho arriscado, pela   profecia inconveniente, pela   poesia cortante, pela   mística e pela   espiritualidade que   encarnava, contagiar a   muitos e muitas. 

Contagiar a nós da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dos movimentos sociais, lutadores por um outro mundo justo, fraterno e possível", diz frei Xavier Plassat, da CPT. Pedro ajudou a criar ambas as instituições, vinculadas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Foi um dos expoentes da Teologia da Libertação - linha progressista da igreja católica que acredita que a alma só será livre se o corpo também for, que tem sido uma pedra no sapato de quem lucra com a exploração do seu semelhante na periferia do mundo. Na prática, esses religiosos realizam a fé que muitos não querem ver materializada a partir do livro sagrado do cristianismo.

Para traduzir o que ela significa, nada como uma citação atribuída a outro gigante, Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que também lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres: "Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista.”

Pedro não ensinou que solidariedade significa uma forma distorcida de caridade, como uma política de distribuição de sobras - o que consola mais a alma dos ricos do que o corpo dos pobres. Mas que solidariedade passa por reconhecer no outro e na outra seus semelhantes e caminhar junto a eles. Ou seja, não é doar migalhas, mas compartilhar o pão, produzido com diálogo e respeito. "Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar", assumiu Pedro como lema de vida. Tão simples, tão poderoso....

Pedro nunca voltou para a Espanha. Até porque ele era brasileiro. Nasceu por engano em outro continente. Pessoas assim não morrem, não podem morrer.  Não tenho a mesma fé que Pedro, mas não tenho dúvida que ele atingiu a imortalidade. Seu corpo será velado, a partir das 15 horas deste sábado, na capela dos Claretianos, em Batatais. E, antes de ser velado e sepultado em São Félix do Araguaia, também passará pelo município de Ribeirão Cascalheira (MT).

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Fontes das informações:

 http://www.ihu.unisinos.br/601746-santuario-dos-martires-da-caminhada-primeira-parada-para-pedro-que-e-acolhido-por-seu-povo

 http://www.ihu.unisinos.br/601726-carta-do-cehila-brasil-sobre-o-falecimento-de-dom-pedro-casaldaliga

https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/08/08/morre-pedro-casaldaliga-a-pedra-no-sapato-do-autoritarismo-brasileiro.htm

 Crédito das Imagens:

1. Pedro Calsadáliga - www.luteranos.com.br 

1.           2. Local do velório em Batatais - Irmandade dos Mártires da Caminhada.

3.  Velório - Imagem de Vlademir Moraes

4Bispo com um trabalhador local - www.esmaelmoraes.com.br.jpg

5. Imagem do artigo de Leonardo Sakamoto - Foto : Jorge Araújo/Folhapres

6. Bispo Pedro Casaldáliga - www.veja.abril.com.br.jpg

7. Bispo com indio local - www.adufmat.org.br

8. Bispo com um trabalhador rural  - www. periodistadigital.com.br.jpg


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O AMOR FILHO DA DOR

08 agosto, 2020

 Indígenas do Parque das Tribos choram a morte do cacique Messias Kokama.
 Manaus-14/05/2020. MICHAEL DANTAS/AFP


Por convenção, no Brasil o Dia dos Pais é celebrado no segundo domingo de agosto. Mas, como comemorar a alegria da presença do pai, se já alcançamos mais de 100.000 mortes neste país desgovernado, que assombra o mundo com as políticas desnorteadas que se vem tomando, para enfrentar a pandemia do Covid-19?  Foram-se, de um momento para outro, centenas e centenas de pais e avós, mães, filhos e irmãos queridos vítimas de uma situação que outros países têm sabido enfrentar, com disciplina, e com clareza de que vale mais a vida de uma pessoa do que as vendas de empresas, negócios e shoppings.  São as pessoas que levam adiante a economia, mas a diata economia não vale o preço de suas vidas, em nenhuma circunstância. Há outros valores mais significantes.  

Para os leitores deste Espaço, reproduzo um belo artigo de Carla Jimenez, publicado no jornal El País, que não fala da comemoração dos pais. Fala “do amor, filho da dor” que nos abraça, nos atinge e nos envolve em compaixão, convidando-nos a sermos solidários com todos aqueles que, ainda vivos, choram os seus, que partiram nesta guerra silenciosa e cruel, que nenhum de nós imaginava de um dia conhecer.

Segue o artigo.

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O amor filho da dor


O luto de mais de 100.000 brasileiros que partiram em 2020 pela covid-19 está em primeiro plano neste momento. Nenhuma notícia no mundo é mais importante hoje do que os que partiram pela pandemia. É nesse silêncio doloroso que o Brasil pode se reencontrar no amor.

CARLA JIMÉNEZ

El País - 08/08/2020

 

Há momentos em que é preciso parar tudo o que se está fazendo para falar de amor. Não o amor relegado ao romantismo, ou ao mecanismo ilusório de fugir da realidade. Mas o amor que dá sentido à vida, e que transmuta a dor. Nunca o mundo, e em especial, o Brasil, precisou falar tanto sobre este sentimento que compõe a base das sociedades virtuosas que ainda não somos. No dia em que os registros oficiais no país superam 100.000 vidas perdidas para a covid-19, sem contar as enormes subnotificações, é preciso falar de amor para elaborar uma emoção que só nasce quando ele existe. O luto.

Perdido em devaneios políticos, o Brasil tenta evitar essa dor, que machuca a alma e induz involuntariamente a uma reflexão mais profunda. Das nossas falhas enquanto país, do nosso papel como cidadãos, de perguntar se podíamos ter evitado tantas mortes. Mas a dor já está aqui. A dor de 100.000 histórias interrompidas em 2020 pelo coronavírus é concreta. De 100.000 afetos partidos, de 100.000 despedidas inesperadas.

O EL PAÍS Brasil convidou pessoas que perderam alguém durante a pandemia para escrever cartas de despedida. Um exercício que exige enfrentar a dor da solidão até encontrar o amor que dê sentido a esse abandono. Uma tarefa que requer coragem para expor às vezes a palavra que ficou sufocada antes de ser dita em vida, ao mesmo tempo em que expressa a gratidão de ter partilhado uma existência que deixou frutos. “Seu amor é o culpado por eu não me contentar com qualquer coisa, por eu sempre querer mais e por reaprender a olhar a vida a cada pôr do sol”, diz Cristiane, para sua mãe Mazé, técnica de enfermagem, que perdeu a batalha para o vírus.

Por alguns minutos, Cristiane, Luciana, Ciro, Glades, Pedro, Sol, Maíra, Sheila e Karina fizeram o que Paulinho da Viola segue para si próprio. Falar dos seus amores que partiram como se estivessem aqui para amenizar a saudade. No Brasil, onde o samba é filho da dor, é preciso encarar esse sofrimento para reencontrar o amor. A pandemia também matou a nossa esperança de avançar, num momento em que a morte ainda espreita quem continua aqui. Há outros tantos milhões de brasileiros mergulhados no medo de ser o próximo a adoecer. E sob o medo de sofrer ou nos contaminar, também adoecemos como país. Esse contador mórbido da pandemia fala muito sobre as sombras do Brasil e nossos subterfúgios para desviar os olhos de nossas mazelas.

Convidamos nossos leitores a este momento de silêncio, a navegar pelo coração amoroso de quem partilhou suas cartas para nos lembrar do que somos feitos. É através dessas cartas que homenageamos as mais de 100.000 famílias que choram suas perdas este ano, lembrando que os números oficiais não retratam todas as mortes, um capítulo que vamos carregar em nossa história. Hoje, nenhuma notícia no mundo é mais importante do que a morte destes que partiram pela pandemia. Deixamos flores com vocês por cada um que foi embora.

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Fonte do artigo:

https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-08-08/o-amor-filho-da-dor.html

Crédito Imagem:  fotografia inserida no artigo do El País, aqui reproduzido

Para ler as cartas publicadas noEl Paísacesse:

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-07/cartas-de-amor-na-despedida- um-adeus-a-quem-partiu-pela-covid-19.html?rel=lom


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