Por convenção, no Brasil o Dia dos Pais é celebrado no segundo domingo
de agosto. Mas, como comemorar a alegria da presença do pai, se já alcançamos
mais de 100.000 mortes neste país desgovernado, que assombra o mundo com as
políticas desnorteadas que se vem tomando, para enfrentar a pandemia do Covid-19? Foram-se, de um momento para outro, centenas e
centenas de pais e avós, mães, filhos e irmãos queridos vítimas de uma
situação que outros países têm sabido enfrentar, com disciplina, e com clareza
de que vale mais a vida de uma pessoa do que as vendas de empresas, negócios e shoppings.
São as pessoas que levam adiante a
economia, mas a diata economia não vale o preço de suas vidas, em nenhuma circunstância. Há
outros valores mais significantes.
Para os leitores deste Espaço, reproduzo um belo artigo
de Carla Jimenez, publicado no jornal El País, que não fala da comemoração dos pais. Fala “do amor, filho da dor”
que nos abraça, nos atinge e nos envolve em compaixão, convidando-nos a sermos solidários
com todos aqueles que, ainda vivos, choram os seus, que partiram nesta guerra
silenciosa e cruel, que nenhum de nós imaginava de um dia conhecer.
Segue o artigo.
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O amor filho da dor
O luto de mais de 100.000 brasileiros que partiram em 2020 pela covid-19 está em primeiro plano neste momento. Nenhuma notícia no mundo é mais importante hoje do que os que partiram pela pandemia. É nesse silêncio doloroso que o Brasil pode se reencontrar no amor.
El País - 08/08/2020
Há momentos em que é preciso parar tudo o que se está fazendo para falar de amor. Não o amor
relegado ao romantismo, ou ao mecanismo ilusório de fugir da realidade. Mas
o amor que dá
sentido à vida, e que transmuta a dor. Nunca o mundo, e em especial, o Brasil,
precisou falar tanto sobre este sentimento que compõe a base das sociedades
virtuosas que ainda não somos. No dia em que os registros oficiais no país
superam 100.000 vidas perdidas para a covid-19, sem contar as enormes subnotificações, é preciso
falar de amor para elaborar uma emoção que só nasce quando ele existe. O luto.
Perdido em devaneios políticos, o
Brasil tenta evitar essa dor, que machuca a alma e induz involuntariamente a
uma reflexão mais profunda. Das nossas falhas enquanto país, do nosso papel
como cidadãos, de perguntar se podíamos ter evitado tantas mortes. Mas a dor já
está aqui. A dor de 100.000 histórias interrompidas em 2020 pelo coronavírus é
concreta. De 100.000 afetos partidos, de 100.000 despedidas inesperadas.
O EL PAÍS Brasil convidou pessoas que perderam alguém durante a
pandemia para escrever cartas de despedida. Um exercício que
exige enfrentar a dor da solidão até encontrar o amor que dê sentido a esse abandono. Uma tarefa que
requer coragem para expor às vezes a palavra que ficou sufocada antes de ser
dita em vida, ao mesmo tempo em que expressa a gratidão de ter partilhado uma
existência que deixou frutos. “Seu amor é o culpado por eu não me contentar com
qualquer coisa, por eu sempre querer mais e por reaprender a olhar a vida a
cada pôr do sol”, diz Cristiane, para sua mãe Mazé, técnica de enfermagem, que perdeu a
batalha para o vírus.
Por alguns minutos, Cristiane,
Luciana, Ciro, Glades, Pedro, Sol, Maíra, Sheila e Karina fizeram o que Paulinho da Viola segue para si próprio. Falar
dos seus amores que partiram como se estivessem aqui para amenizar a saudade.
No Brasil, onde o samba é filho da dor, é preciso encarar esse sofrimento para
reencontrar o amor. A pandemia também matou a nossa esperança de avançar, num
momento em que a morte ainda espreita quem continua aqui. Há outros tantos
milhões de brasileiros mergulhados no medo de ser o próximo a adoecer. E sob o
medo de sofrer ou nos contaminar, também adoecemos como país. Esse contador
mórbido da pandemia fala muito sobre as sombras do Brasil e nossos subterfúgios
para desviar os olhos de nossas mazelas.
Convidamos nossos leitores a este
momento de silêncio, a navegar pelo coração amoroso de quem partilhou suas
cartas para nos lembrar do que somos feitos. É através dessas
cartas que homenageamos as mais de 100.000 famílias que choram suas perdas este
ano, lembrando que os números oficiais não retratam todas as mortes, um
capítulo que vamos carregar em nossa história. Hoje, nenhuma notícia no mundo é
mais importante do que a morte destes que partiram pela pandemia. Deixamos flores
com vocês por cada um que foi embora.
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Fonte do artigo:
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-08-08/o-amor-filho-da-dor.html
Crédito Imagem: fotografia inserida no artigo do El País, aqui reproduzido
Para ler as cartas publicadas no “El País” acesse:
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