E fui e quero ser
Sonhadora e alegre
Segura e criativa
E cheia de ternura.
Dar-se conta de mim
E construir caminhos
E caminhar sozinha
E recriar a vida...
Cantar um novo canto
E engravidar de amor!
Sonho Guardado
Sonhei um dia um sonho que insiste
Na beleza do olhar que entrevi...
Um desejo criança que persiste
De um amor que não tive nem perdi.
De ti não sei o amor de quem te ama
Nem teu jeito de ser e de amar
Teu sabor preferido, o livro, a trama,
Teus anseios de ir ou de ficar.
Fica o sonho guardado intenso e mudo
De encontrar-te quiçá, em algum lugar
Neste sonho impossível e desnudo.
Fica a imagem de ti, o teu olhar,
A certeza de um sonho já perdido
E a doce ilusão de te amar!
Solitude
Esses dias de mar
de sol, brisa e silêncio...
Tranquilidade.
Distância do trabalho
Proximidade de mim
Intimidade.
Ouvir música e pensar
Na companhia
de Milan Kundera.
Silêncio... Solitude...
Um céu de pleno azul
Repouso e quimera!
A condição de estar só
Assim como estou agora
Outras vezes já senti
Estando em companhia.
Mas, esta solidão serena
Eu ainda não conhecia!
Amigos
Amigos de hoje
Amigos distantes
Amigos de sempre
Os amigos
Presentes e ausentes
São os únicos que têm acesso
Ao camarim da nossa intimidade
Para o retoque final
Dos grandes momentos de nossas vidas.
Oferendas
Não me
ofereças casa...
Ofereça-me o aconchego, o bem-querer,
E um lugar
iluminado de harmonia.
Não me ofereças flores...
Ofereça-me a comunhão com os simples de coração
E uma vida de sobriedade.
Não me
ofereças roupas...
Ofereça-me
uma aparência
Saudável e
atraente.
Não me
ofereças sapatos...
Ofereça-me
comodidade aos meus pés
E o prazer
de caminhar.
Não me
ofereças livros...
Ofereça-me
um recanto assombreado
Para ler
poetas e escribas.
Não me
ofereças ferramentas...
Ofereça-me
o benefício e o prazer
De
realizar coisas bonitas.
Não me
ofereças dinheiro...
Ofereça-me
o carinho de enxergar
O que eu
preciso para sobreviver.
Não me
ofereças status...
Ofereça-me
a presença dos amigos
E a
partilha da sua emoção.
Não me
ofereças coisas...
Ofereça-me
ideias de partilha
E o testemunho da solidariedade.
Não me
ofereças discursos...
Ofereça-me
a atenção da escuta
E o dom de
aprender o que ainda não sei.
3. DECLINAÇÕES DO AMOR
Maturidade
Conhecer os limites
Da reciprocidade do afeto
- quando se faz a experiência
da gratuidade de amar -
É experimentar a dor
E a graça
De saber o que é o amor.
Rimas do Amor
O verbo não exprime o sentimento
Nem a razão sabe expressar o amor.
Preciso encontrar algum soneto
Em que o amor não rime com a dor
Nem a falta de amor com sofrimento.
Verbo Amar
Eu amei
Tu amaste?
Ele me amou!
Nós fugimos do amor
E vós, o que fizestes?
Eles se foram...
Eu te amei
Tu me amaste?
Já não sabes dizer
Já não será poesia
Não haverá mais rima
Mas, amarás um dia?
Eu amei
Eu te amei
Ele me amou.
Mas tu, não.
Tu rimas desencanto
Com desarmonia.
Fantasia
É livre o coração de te querer
De te pensar no enlevo reticente
E de buscar-te agora a reviver
A fantasia mais adolescente.
É livre o meu sonhar e o meu desejo
A ânsia de banhar-me no teu cheiro
Provar do teu sabor e do teu beijo
E envolver-te num abraço inteiro.
É livre te sonhar mesmo sabendo
Esse desejo meu tão impossível
De querer te querer e não podendo.
É livre o sentimento forte e vero
Desse denso amor teu que diz, não amo!
Desse tão querer meu que diz, não quero!
Presença
Desconfio que deixei meu coração
Carregar-se de amor e de afeto
E sem limites derramar-se em ti
Nutrindo assim a nossa afeição.
Desconfio que agora percebemos
A impossibilidade de nós dois
E assim recuamos aos limites
Das diferenças que bem conhecemos.
Restou-me indefinido o sentimento
Da tua ausência (ou indiferença?)
Tão latente a doer todo momento.
Um sentimento que faz diferença
Como se fosse a garantia extrema
De querer e saber tua presença.
A liberdade e a hora
Quero saber o teu sabor e o cheiro
E toda a tua luz e a penumbra
Que te habita, e teu calor inteiro
Conhecer-te o olhar sem qualquer sombra.
Quero apagar-te a dor e, neste intento,
Deixar-te as marcas do amor em ti
E dar-te agora esse meu momento
Mistério que de ti ressoa em mim.
Quero encontrar-te renascido agora
E eu renascida. E o tempo não contar
E o jogo ser a liberdade e a hora...
A hora tua e a minha de saber
A hora tua e a minha simplesmente
De dizer sim ou não, ser ou não ser.
O mar que nos separa
De tão distante eu te penso, amor
E tão distante sinto o teu sabor
O mar que nos separa em seu tremor
No seu cantar é grávido de dor!
Te trago dentro e em vão te busco em mim
Recordações me acendem o desejo
E se arde quente o sol que brilha enfim
O céu que vês não é este que vejo!
Que fazes, pensas, que lembranças hás?
O teu silêncio é tão grande e prenhe
Do doce afeto que de ti me traz...
Tu que do pranto meu sabes a dor
Faz-me saber que um dia haverá
Um novo dia e outra vez o amor!
A chuva
A chuva carrega os restos da noite
E vai lavando as memórias
Ao longo do seu caminho...
A chuva traz sua cantiga
Longínqua, igual e triste,
E me convida a pensar...
A chuva apaga as luzes do céu
E anuvia o meu olhar cansado
A vagar na escura paisagem...
A chuva é carinhosa com a preguiça
- companheira quieta e sedutora -
Doce ninar dos sonhos acordados...
A chuva só não lava o coração
Do homem que amo, e ainda espero
Pra umedecer de amor nossa emoção.
Reencontrar-se
Te percebi ausente e bem distante
Plenificado desse teu viver
E da paixão que te levou errante.
Cavaste o fosso que nos separou
Com o silêncio e a indiferença
E no tempo... o tempo te afastou.
Experimentei a dor e a solidão
Reaprendi a vida a um, e a sós
Reinventei o amor e a razão.
A vida me remiu quase feliz
E quis amar e amei, e ainda a sós
Me reencontrei na vida como quis.
Caminhos caminhados que não voltam
Caminhos tão perdidos quanto nós...
A vida nos levou tão longe os passos
Que eu nem sei se estrada existe ainda
Para inventar encontros de perdão
Que abram o sol e a chuva sobre nós
E sobre nós façam luzir os astros
Que nos tragam do amor a compaixão.
Era suave e doce o teu olhar
Tão cheio de mistério e talvez
De curioso anseio de amar.
Era desejo o meu, ternura e medo
A alegria intensa de querer-te
Doce e contida no infantil segredo.
Agora já me escapa o teu olhar
E já não sinto arder de amor o peito
E encher-se de prazer meu sentimento.
Perdemos o momento?
O meu, o teu,
O nosso encantamento?
O sabor do fim
Começo a escutar
Mais fundo e mais forte
O grito e o espanto
No espaço sofrido
Da dor...
As razões do amor
Começo a sentir
O ciclo da vida
Que segue a fluir
Gerando um processo
De morte...
E marcando a sorte
Do amor perdido.
Começo a provar
O sabor do fim
Que já é passado
Sem hoje e
Semdepois...
Nm amor perdido
Da cena do adeus.
Noite de adeus
Nos caminhos da minha terra
Sob um sol escaldante
A desvelar-me o dia
Infinito e claro
Me distraio a observar
As faces cansadas, suadas,
Dos que passam ao meu lado
E sonho repousar-me
Na sombra acolhedora
Do teu abraço pleno.
Nos caminhos da minha terra
Que desafiam o Atlântico
A navegar o horizonte
Azul e pleno,
Me distraio no triste claror
Da brilhante lua cheia
E te procuro em mim
No desejo nostálgico
De tua presença.
Nos caminhos da minha terra
(Em que tempo, em que dia?)
Um infinito tempo
Um dia qualquer...
Me distraio de todo o meu sofrer
Te busco e te encontro
Na densa lembrança
De um suave momento de amor
Numa noite infinita de adeus.
Amor Menino
Foi-se o primeiro amor, da vida um hino
De doçura e de bem-querer imenso
Um desejo tão breve, inda menino,
Delicado, fiel, doce e intenso.
Depois se foi um amor de longa história
E suaves momentos construídos
Tantos elos deixados e a memória
Do afeto e dos gestos tão sentidos!
E pela vida afora outros amores
Todos breves, passados e sofridos
Dando à vida nuanças e sabores.
Ah emoções profundas, tempos idos!
Ah o amor menino de então!
Ah que tempos tão bons e bem vividos!
4. CANTIGAS
As primeiras bênçãos
Coisa mais deslumbrante recordar
A menina que fui tão curiosa
Traços de índia e olhos repuxados
Sonhadora, feliz, meticulosa,
Aprendiz desde a infância da poesia
No tento firme de viver, sonhar!
Contemplei lá nos sítios do rincão
Algaroba, Aroeira e Umbuzeiro,
Baraúna, Romã e Mulungu,
Imbaúba, Pau-d´Arco e Juazeiro,
Imburana, Confrei, Mandacaru,
As fecundas belezas do Sertão!
E nas primeiras bênçãos
me chegaram
Doce de leite e bolo de goma
Cocada, pirulito, pão-de-ló...
O pão doce quentinho lá da venda
Os pratos de Maria lá de casa
A água de Sabá me saciando!
No meu tempo criança saltei corda,
Brinquei de roda e de cozinhar
Declamei, fiz teatro, pastoril,
Banhei-me feliz na bica da igreja
Corri pra casa nas torrentes chuvas
A cruz de capim-santo atrás da porta!
Histórias inventadas de ninar
E as do bicho-papão que a mãe contava
De madrastas ruins, contos de fada...
Aprendi a gostar dessas leituras
E o Tesouro deixei pra juventude
Quantas histórias de ler e contar!
Os brinquedos de barro e de latão
As bonecas de pano lá da feira
Coloridas, as roupas de filó
Também de chita com tranças e laços
Tinham olhos pintados e batom...
Quantas coisas bonitas do sertão!
Os bichinhos de barro e os biscuits
E as cordas trançadas de cordão
Utensílios pequenos e pintados
De branco, de azul, de encarnado...
Copos bonitos com letras douradas
Por acaso eram vindos de Paris?
Para os meninos tinha o caminhão
Bolas de gude e os carros de boi
Atiradeira chamada peteca
Brinquedos de meninas não entrar
Correrias e gritos e empurrões
E pelas ruas a rodar pião.
O cinema e o circo e a canção
E o primeiro amor a inquietar
Menina e mulher a iniciar-se
Na vida, no estudo e no amor...
Minha mãe no cuidado a costurar
E o meu pai na tarefa de escrivão.
Os rios da minha vida
Amo contemplar auroras manhãs
E olhar o pôr do sol ao fim do dia
Nascente e ocaso na agitada terra
Eterna dança a procurar a luz.
O sol acorda a noite madrugada
E as estradas da vida se alumiam.
Manhã e noite imantam de mistério
Finito chão da abóbada infinita!
Lindas manhãs renascem a céu aberto
Entre as brechas dos arranha-céus
Auroras em retalhos de beleza
Para embalar os que da noite chegam.
Ah, lembranças dos rios da minha vida
Na memória paisagem que ficou!
O Moxotó que banha a minha terra
E o Pajeú imerso em tantas águas...
Sertão que inda me traz o encantamento
Do São Francisco rio e das carrancas.
Nos jovens anos dos meus jovens sonhos
Vivi nas ruas do Capibaribe
E partilhei a vida entre amigos
Um tempo a nos doar e a nos querer.
Ora vejo o Capiba mal cuidado
Ao despertar suas águas nas auroras
Do Recife e das pontes que o guiam
Triste beleza de um triste rio!
Ah! O alvorecer dos rios meus
Que tão cedo ficaram na memória!
Um dia, em fuga, as águas dos meus rios
Levaram-me no Atlântico Oceano...
Aqui deixei o sol e os quentes mares
E me encontrei no chão mediterrâneo!
Aos vinte anos a ensaiar a vida
E as primeiras escolhas necessárias
Vivi feliz verões e primaveras,
Outono e inverno densos de saudade.
Outros céus, outros mares, outros rios
O Tibre, em Roma,
E m Florença o Arno;
O Tejo e o Mar de Espanha, na Ibéria
E os poéticos Reno e Danúbio.
Ali incorporei à minha história
Os ideais e as lutas de aprender.
Descoberta de povos e culturas
Descoberta do amor e do trabalho
Descoberta de mim e da coragem
De em diferentes águas me banhar.
A vida não chegara ao meio-dia
E seus mistérios já se revelavam...
De volta aos rios meus e aos quentes mares,
Ao amor me entreguei e aos sonhos meus.
Longe, depois, no tempo e no espaço
Vi as águas morenas do Mar Negro
E o Bósforo otomano de Pamuk
Melancólico e doce a contemplar!
Ah Istambul! Sua dorida história
Que o estreito do Bósforo revela.
Pra sentir o mistério de suas águas
E repensar da vida as grandes perdas
Carece o outono ao entardecer
E a companhia da maturidade...
E então, pra mitigar a minha dor
O mar que ali se aninha me contou
Do vento forte
E das manhãs dos povos
Que celebram, na dor, o
amanhecer!
A linguagem do silêncio
O silêncio tem jeitos diferentes
Pra dizer o querer e o não querer
Pra falar do que não se sabe como
Ou buscar da razão um parecer.
No silêncio a palavra é um gesto
Do encontro de amigos e amantes
É o sabor de dizer o bem-querer
Presença do que se sabia dantes.
Quando o silêncio está quiçá bem perto
Do pensamento, basta o seu eco.
O amor e a dor falam num abraço,
No encontro o silêncio é livro aberto
Para dizer o afeto e o desafeto
Ou chorar, de amor, no seu regaço.
Na distância o silêncio enlouquece
Ruidosa é a presença das lembranças
Que o silêncio tão cedo não esquece
E as transforma consigo e as enrijece
Refazendo o sentido das palavras
Que qual mágoa gravadas permanece.
Quero um silêncio inteiro, um fomento
A cuidar da memória que maltrata
E resgatar a história no seu tempo
E iluminar o dito e o não dito
E como a história faz, ata e desata,
Desfazer, no silêncio, o seu mito.
Quero um silêncio longe da anuência
E a palavra do silêncio inteira
Que anula a fonte da interferência...
Um olhar silencioso de ternura
Quiçá uma palavra derradeira
A acarinhar de luz a noite escura.
Renascimento
No encontro contigo
Abri as comportas
De todas as águas
Chorei minhas mágoas
Revi os meus sonhos
Retalhos de vida
Agora refeitos.
No encontro contigo
Enchi-me de espanto
Voltei do exílio
Entrei nos teus laços
Cantei o meu canto
Lembrei meus desejos
Saí do engano
Deixei meus brinquedos
Pequena vidinha
De dor sem enredo.
No encontro contigo
Perdi as amarras
Revi minhas crenças
Larguei minhas armas
E as tramas da vida
Seus lances, seus feitos
Se tornam beleza
Na fé renascida.
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