Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

POESIA ITINERANTE




A Poesia faz parte da vida de cada um de nós - ainda que não nos reconheçamos poetas - pois a vida está enredada de poesia, especialmente quando alguém se envolve em suspiros de amor, muita saudade ou um momento de dor. 

A Poesia nasce e renasce dos sentimentos mais expressivos e introspectivos, e de tudo que fala de beleza, crueldade e dissabor.  

A Poesia escorre no claro-escuro de auroras e ocasos, nas noites irisadas de luar e na cinzenta paisagem de uma estrondosa tempestade.

A Poesia se expressa nas telas do pintor, surge das mãos calejadas de quem conhece a vida que brota do chão, banha-se nas águas silenciosas dos lagos, viaja pelos leitos de rios caudalosos, assovia nas serras e nas montanhas e emerge do ondejar de mares e oceanos. 

Sua beleza é encontrada nas cantigas, fotografias e imagens, e expressa a sensação do viver e do morrer, do amor e do desamor, do grito e do canto profundo da alma, do esplendor de uma alegre paisagem e do ocaso que resvala pela noite. Sua expressão maior é feito uma aurora madrugada que explode no azul rasgado de luz. 

Os artífices da poesia tateiam à procura do verbo que mais se aproxime da sua inspiração. Mas... Que verbo poderia refletir o inefável pensar, dizer a sensação do amor, falar da indizível dor? Quem jamais poderia exaurir o canto inaudito do sentimento humano?

Seria  a tarefa dos poetas - no dizer do escritor uruguaio Eduardo Galeano - a de "juntar os nossos pedacinhos?"

Acontece que vez por outra eu me pego a lembrar invernos e primaveras, paisagens e gestos, saudades e desejos. E rabisco versos inventadas na sensibilidade mulher, ora imersa na doce brisa que afaga - acalentada de chuviscos e raios de sol - ora cambaleante nas ventanias atordoadas do trovejar. 

A Página POESIA ITINERANTE do Espaço Poese é um livro digital ilustrado, dividido em quatro partes: 

1. AURORAS
2. SENSAÇÕES 
3. DECLINAÇÕES DE AMOR 
4. CANTIGAS

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  POESIA ITINERANTE
  Vanise Rezende


 1. AURORAS


  
    

Nascimento

   Um choro assim tão distante
   Talvez choro de lamento,
   De surpresa, de euforia,
   Revelação de um rebento
   Chorando assim ao nascer...
   De surpresa, de alegria,
   Ou só de contentamento?

   Um choro assim de repente 
   Da vida que revelava
   Uma grande contradição.
   A minha mãe perguntava:
   Ouvi um choro-canção
   Ou foi um pressentimento?


Momento
      
     Vivo em busca do tempo
         De nascer e de crescer
      De amar e ser amada  
        De pensar e aprender
        De ouvir e de calar
        De fazer e desfazer
     De refletir e falar
       De gozar e de sofrer.        
         
        Viver é engendrar o presente
      De momento a momento.



     
  Fome de Beleza

  

            A lua se revestiu de fogo
E transbordou de luz
No meu olhar distante
Para apagar 
  A minha fome de beleza.

 A lua chegou em silêncio
E transbordou sobre mim
Seus matizes dourados
  Para aconchegar 
           A minha triste solidão.                                                           


    
Doce Lembrança


Saborear a lembrança gostosa
Do novo que irrompe
Como uma aurora tropical
Luzente e calma.

O mistério inteiro de nós dois
Na intensidade de um momento
Num gesto, num beijo,
No pleno abraço.

        Vou querer guardar
        Na memória do coração
        A marca desse encontro
        Incendiado de beleza.

            


      Contemplações

    


      A cada dia amo contemplar
       Nuances do nascer e do pôr do sol
       Rito constante da inquieta terra
       Que caminha ao redor da sua luz.

      




      Da madrugada nasce um novo dia
       A irromper nos altos edifícios 
       Construídos à margem de um rio
      Que se espreguiça rumo à cidade.

      Sublime paisagem de nuvens e cores...
      Impressionista visão de nova aurora.
              
     As nuvens em seu risco indefinido
    De indefinidas sombras claro-escuras 
    Brincam de esconder com o sol nascente 
    A transformar a noite em madrugada.       
       
   Apenas é possível observar 
  Os lances de concreto embranquecidos
  E nuanças de verde espraiadas 
  Nas ruas, a enfeitar o alvorecer. 

 Daqui revejo as manhãs da vida...
 Auroras que caminham ao seu ocaso!

O dia sai feliz a passear
Nos raios estendidos no caminho
A derramar as cores das manhãs       
No chão finito do infinito céu.

Ah! O alvorecer do dia em que nasci...
A luz vibrante de uma madrugada!
E a mãe alegre a me desejar
Uma vida qual esta que hoje vivo! 





   
  Celebração do Tempo
   
   Um novo tempo na vida
    Novo jeito de pensar
    Um novo jeito de ser
    Novo jeito de estar
    Novo jeito de esquecer
    Novo jeito de lembrar
    Novo jeito de querer
    De sofrer e de chorar
    De renascer e viver   
    De amar e celebrar!
    
  
  
    Um novo dia que surge
    Da reconstrução da vida
    Celebrando um novo tempo
    E enfrentando nova lida...
    (tempo, tempo, tempo, tempo)
    Passou a longa agonia 
    Chegou o dia e a hora
    De engendrar alegria
    De descobrir nova aurora
    De recomeçar o dia!



   A grande proeza
   
"Transformar em beleza toda emoção..."   (Graça Aranha)
     
       
    E o que é a emoção?
     O que sinto, o que vejo
     O que escuto cá dentro
     O que penso e desejo?
     
     É talvez um sentimento
     A prorromper da saudade
     Que é formada no unguento
     Do afeto e da amizade?

     É transformar em beleza
     Alegria, dor e espanto
     E amenizar a tristeza 
     Como se fosse um bel canto.
     Esta é a grande proeza!



   
  Esperança


   Alguma coisa deve acontecer
   Para iluminar meus olhos
   E lavar-me o peito
   E banhar-me a alma
   E tocar-me o coração.


   Uma luz que seja
   Neste meu caminho
   Para que eu me veja
   
   
R e 
       i n
              v e n 
                       t  a  
                             d  a                                            


    
  Solidão

                                                                                              

                                                                           Que fazer da solidão                                                                                                                                      E desse grande afeto                                                                                                                                       Feito um sentimento

   Quase uma explosão?

   Que fazer da a l e g r i a
    E do desabrochar
    Do sonho e da p o e s i a
    No brilho desse olhar?

    Da vida pulsante
    Do doce pensar
    Da dor caminhante
    Do amor no amar?

    Alguma coisa deve acontecer
    E tocar-me o coração!

         
A sombra e a luz


Vão-se as ventanias e se movem as águas
Toda a força do mar vem da Terra Mãe
Dia e noite se embalam, giram, giram...
O Sol se encobre... E a Noite a revelar-se.

Vão-se as Águas gasosas para o Céu
Formando bolhas pra dormir estrelas...
A Lua chega sem Raios nem Trovões,
E a Terra é engravidada em doce Luz.

No correr do tempo que veloz se esvai...
A fauna, a flora, humanas criaturas
A descobrirem no amor o Dom da Vida.

A Sombra e a Luz ... E a terna Esperança
A fluir e a maturar nas desventuras...
Que dom, oh Deus, te faço dessa lida?



Liberdade


  Estar livre da ira
   E não guardar rancor
   Lavar a marca das mágoas
   No chão solene dos meus novos passos
   E aprender a coragem das águias
   Para lançar meu voo de Liberdade!
  
  

Plenitude

     
      Depois que passaste
       O vazio se encheu de silêncios
       E me plenificou de luz!
          


Tempo de renascer



Quero um tempo de sonhar
Quero um tempo de pensar
E um bom tempo de aprender!

Também quero um bem-querer
E a força de renascer
Da dor que a vida me traz...
Tempo alegre de viver!

Quero os amigos juntar
E cuidar de encontrar
Um tempo só pra servir!

Um tempo também pra mim
Para encontrar o meu ser
E inventar novo tempo
Um tempo de renascer!

                                                         

2. SENSAÇÕES           

                                               

A dor do mundo


De tanta dor no mundo espraiada
Dos abalos infames, traiçoeiros
De aleatórias mortes provocadas
Ventania do ódio em nevoeiros...

De tanta falta de serenidade
Da infame lei de revidar no engodo,
Na guerra, na cegueira e na maldade
Que a violência traz ao mundo todo...

Essa vontade de abraçar os tristes       
Frente à guerra, ao terror, ao gesto insano,               
Nessa dor que se espalha sem limites...

De tantos ais e tantos desenganos,
Este desejo meu, essa vontade,
De revidar com gestos mais humanos! 





        Retrato de Mulher

                    
                                               Mulher... Beleza
    Mistério denso. Intenso.
 Delicada força. Alteza.
Sabor de vida e graça
Incenso.
Cumplicidade e inteireza
 Cerrado e grave segredo 
 Imenso. Inexplicável
Desejo, amor, ternura
Inigualável. 
Mulher intensa, imensa, 
Mulher... Humana criatura!




Cena Aberta


Te trago a cada encontro em cena aberta
Vislumbres de uma história a refazer
O que dessa memória tão deserta
Pode ainda brotar ou renascer?

Se te conto do amor, já não existe
Pois o vi abrasar-se e arrefecer...
Se te falo da dor, a dor persiste
E a vida é como fiz por merecer.

No desejo te encontro bem presente
Feito um amor que não tive (e que não esqueço)
Feito a volta de um grande amor ausente.

Pois no ensejo da vida que inda tento
Tu sabes o roteiro, a luz e o tempo
Da cena que não teve o seu momento.




   










  

 Madrugada


     Sem sono a noite chegou
    Assentou-se e se estirou...
    Sem sono e sem cansaço
    Nem nada mais a cuidar...

    A noite queria apenas
    Cuidar do encontro marcado
    Do escuro com a madrugada
   Transformando a noite em dia.

   E num dia iluminado
  De húmidos pensamentos
  Explodiu a luz inteira
  Numa manhã de poesia!

                             

    
Sensações

                                                                             

                                                                                            Uma sensação doída de perda

                                                                                         Ou de espanto?

Sinto saudades do desconhecido
Anseio de ternura e de beleza
Ardor do ainda não experimentado
Lembrança do passado, incerteza
Do amor que já não era - o não vivido
Futuro que, então, já é passado.

Uma sensação doída de parto
Para me lançar à vida!

 




A Terra Móbile


A ventania e o mar se movem e se vão
A força do mar vem da terra móbile
Nela se embala e a banha toda e giram
Terra e mar a seguir o imóvel sol.

As águas vão e ao céu gasosas chegam
Sobem da terra em noites estreladas
Luar e raios em carícia abraçam  
A ensolarada terra engravidada.

Fauna e flora... e humanas criaturas
No correr desse tempo que se esvai...
Na emoção do amor, na dor da vida
A fluir... Maturar nas desventuras
A tênue Esperança se retrai...
Que dom, oh Deus, te faço dessa lida?





Paisagem Sertão


A esperança na espera
Conjectura e conjura
Resguardo, anseio, quimera
Viver a doce aventura
Do encontro com outro olhar!

Poder ouvir novo canto
Poder ficar e entender
Sem queixumes e sem pranto
Só no anseio de aprender
Pra onde vai essa rima...

Essa vida carregada
Esse desgosto, este medo
Essa resina grudada
Feito emenda de arrego
Numa roupa já rasgada.

O pano em pedra curtida
A pedra quente e o cambão
E essa vida doída 
Nessa paisagem sertão
Num chão sem verde e sem rio!





  Engravidar de Amor

                                                        
                                   Dar-se conta de mim
                                                                 E da mulher que sou
                                                                 E fui e quero ser

   Sonhadora e alegre
Segura e criativa
   E cheia de ternura.

   Dar-se conta de mim
    E construir caminhos
   E caminhar sozinha
E recriar a vida...
        Cantar um novo canto
         E engravidar de amor!



 

                    
Sonho Guardado


Sonhei um dia um sonho que insiste
Na beleza do olhar que entrevi...
Um desejo criança que persiste
De um amor que não tive nem perdi.

De ti não sei o amor de quem te ama
Nem teu jeito de ser e de amar
Teu sabor preferido, o livro, a trama,
Teus anseios de ir ou de ficar.

Fica o sonho guardado intenso e mudo
De encontrar-te quiçá, em algum lugar
Neste sonho impossível e desnudo.

Fica a imagem de ti, o teu olhar,
A certeza de um sonho já perdido
E a doce ilusão de te amar! 





Solitude


Esses dias de mar
de sol, brisa e silêncio...
Tranquilidade.
Distância do trabalho
Proximidade de mim
Intimidade.

Ouvir música e pensar
Na companhia
de Milan Kundera.
Silêncio... Solitude...
Um céu de pleno azul 
Repouso e quimera!

A condição de estar só
Assim como estou agora
Outras vezes já senti 
Estando em companhia.

Mas, esta solidão serena
Eu ainda não conhecia!

                                  
                                Amigos


Amigos de hoje
Amigos distantes
Amigos de sempre
Os amigos
Presentes e ausentes
São os únicos que têm acesso
Ao camarim da nossa intimidade
 Para o retoque final  
                               Dos grandes momentos de nossas vidas.                                
                              
  
Oferendas

Não me ofereças casa...
Ofereça-me o aconchego,  o bem-querer,
E um lugar iluminado de harmonia.

Não me ofereças flores...
Ofereça-me a comunhão com os simples de coração
E uma vida de sobriedade.

Não me ofereças roupas...
Ofereça-me uma aparência
Saudável e atraente.

Não me ofereças sapatos...
Ofereça-me comodidade aos meus pés
E o prazer de caminhar.

Não me ofereças livros...
Ofereça-me um recanto assombreado
Para ler poetas e escribas.

Não me ofereças ferramentas...
Ofereça-me o benefício e o prazer
De realizar coisas bonitas.

Não me ofereças dinheiro...
Ofereça-me o carinho de enxergar
O que eu preciso para sobreviver.

Não me ofereças status...
Ofereça-me a presença dos amigos
E a partilha da sua emoção.

Não me ofereças coisas...
Ofereça-me ideias de partilha
E o testemunho da solidariedade.

Não me ofereças discursos...
Ofereça-me a atenção da escuta
E o dom de aprender o que ainda não sei.





3. DECLINAÇÕES DO AMOR

                            
 Maturidade

Conhecer os limites
Da reciprocidade do afeto
- quando se faz a experiência
  da gratuidade de amar -  
É experimentar a dor
E a graça
                                                                                                                   De saber o que é o amor.                          


Rimas do Amor


                                                       
                                               O verbo não exprime o sentimento
Nem a razão sabe expressar o amor.
Preciso encontrar algum soneto
Em que o amor não rime com a dor
Nem a falta de amor com sofrimento.

                           




                             Verbo Amar


Eu amei
Tu amaste?
Ele me amou!
Nós fugimos do amor
E vós, o que fizestes?
Eles se foram...

Eu te amei
Tu me amaste?
Já não sabes dizer
Já não será poesia
Não haverá mais rima
Mas, amarás um dia?

Eu amei
Eu te amei
Ele me amou.
Mas tu, não.
Tu rimas desencanto
Com desarmonia.


 

Fantasia


É livre o coração de te querer
De te pensar no enlevo reticente
E de buscar-te agora a reviver
A fantasia mais adolescente.

É livre o meu sonhar e o meu desejo
A ânsia de banhar-me no teu cheiro
Provar do teu sabor e do teu beijo
E envolver-te num abraço inteiro.

É livre te sonhar mesmo sabendo 
Esse desejo meu tão impossível
De querer te querer e não podendo.

É livre o sentimento forte e vero
Desse denso amor teu que diz, não amo!
Desse tão querer meu que diz, não quero!





Presença




Desconfio que deixei meu coração 
Carregar-se de amor e de afeto 
E sem limites derramar-se em ti
Nutrindo assim a nossa afeição.

Desconfio que agora percebemos
A impossibilidade de nós dois
E assim recuamos aos limites
Das diferenças que bem conhecemos.

Restou-me indefinido o sentimento
Da tua ausência (ou indiferença?)
Tão latente a doer todo momento.

Um sentimento que faz diferença
Como se fosse a garantia extrema
De querer e saber tua presença.



A liberdade e a hora

Quero saber o teu sabor e o cheiro
E toda a tua luz e a penumbra
Que te habita,  e teu calor inteiro
Conhecer-te o olhar sem qualquer sombra.

Quero apagar-te a dor e, neste intento,
Deixar-te as marcas do amor em ti
E dar-te agora esse meu momento
Mistério que de ti ressoa em mim. 

Quero encontrar-te renascido agora
E eu renascida. E o tempo não contar
E o jogo ser a liberdade e a hora...

A hora tua e a minha de saber
A hora tua e a minha simplesmente
De dizer sim ou não, ser ou não ser.





O mar que nos separa


De tão distante eu te penso, amor
E tão distante sinto o teu sabor
O mar que nos separa em seu tremor
No seu cantar é grávido de dor!

Te trago dentro e em vão te busco em mim
Recordações me acendem o desejo
E se arde quente o sol que brilha enfim
O céu que vês não é este que vejo!

Que fazes, pensas, que lembranças hás?
O teu silêncio é tão grande e prenhe
Do doce afeto que de ti me traz...

Tu que do pranto meu sabes a dor
Faz-me saber que um dia haverá
Um novo dia e outra vez o amor!




A chuva


A chuva carrega os restos da noite
E vai lavando as memórias
Ao longo do seu caminho...

A chuva traz sua cantiga
Longínqua, igual e triste,
E me convida a pensar...

A chuva apaga as luzes do céu
E anuvia o meu olhar cansado
A vagar na escura paisagem...

A chuva é carinhosa com a preguiça
- companheira quieta e sedutora -
Doce ninar dos sonhos acordados...

A chuva só não lava o coração
Do homem que amo, e ainda espero 
Pra umedecer de amor nossa emoção.




Reencontrar-se

Te percebi ausente e bem distante
Plenificado desse teu viver
E da paixão que te levou errante.
Cavaste o fosso que nos separou
Com o silêncio e a indiferença
E no tempo... o tempo te afastou.

Experimentei a dor e a solidão
Reaprendi a vida a um, e a sós
Reinventei o amor e a razão.
A vida me remiu quase feliz
E quis amar e amei, e ainda a sós
Me reencontrei na vida como quis.

Caminhos caminhados que não voltam
Caminhos tão perdidos quanto nós...
A vida nos levou tão longe os passos
Que eu nem sei se estrada existe ainda
Para inventar encontros de perdão
Que abram o sol e a chuva sobre nós
E sobre nós façam luzir os astros
Que nos tragam do amor a compaixão.



Talvez


Era suave e doce o teu olhar
Tão cheio de mistério e talvez
De curioso anseio de amar.

Era desejo o meu, ternura e medo
A alegria intensa de querer-te
Doce e contida no infantil segredo.

Agora já me escapa o teu olhar
E já não sinto arder de amor o peito
E encher-se de prazer meu sentimento.

Perdemos o momento?
O meu, o teu, 
O nosso encantamento?






O sabor do fim


Começo a escutar
Mais fundo e mais forte 
O grito e o espanto
No espaço sofrido
Da dor...
As razões do amor

Que logo se esvaem. 
Começo a sentir
O ciclo da vida 
Que segue a fluir
Gerando um processo
De morte...
E marcando a sorte
Do  amor perdido.

Começo a provar
O sabor do fim
Que já é passado
Sem hoje e
Semdepois...
Nm amor perdido
Da cena do adeus.






Noite de adeus


Nos caminhos da minha terra
Sob um sol escaldante
A desvelar-me o dia 
Infinito e claro
Me distraio a observar
As faces cansadas, suadas,  
Dos que passam ao meu lado
E sonho repousar-me
Na sombra acolhedora
Do teu abraço pleno.

Nos caminhos da minha terra
Que desafiam o Atlântico
A navegar o horizonte
Azul e pleno,
Me distraio no triste claror
Da brilhante lua cheia
E te procuro em mim
No desejo nostálgico
De tua presença.

Nos caminhos da minha terra
 (Em que tempo, em que dia?)
Um infinito tempo 
Um dia qualquer...
Me distraio de todo o meu sofrer
Te busco e te encontro
Na densa lembrança 
De um suave momento de amor
Numa noite infinita de adeus.




  
Amor Menino


Foi-se o primeiro amor, da vida um hino
De doçura e de bem-querer imenso
Um desejo tão breve, inda menino,
Delicado, fiel, doce e intenso.

Depois se foi um amor de longa história
E suaves momentos construídos
Tantos elos deixados e a memória
Do afeto e dos gestos tão sentidos!

E pela vida afora outros amores
Todos breves, passados e sofridos
Dando à vida nuanças e sabores.

Ah emoções profundas, tempos idos!
Ah o amor menino de então! 
Ah que tempos tão bons e bem vividos!



4. CANTIGAS

   

As primeiras bênçãos


Coisa mais deslumbrante recordar
A menina que fui tão curiosa
Traços de índia e olhos repuxados 
Sonhadora, feliz, meticulosa,
Aprendiz desde a infância da poesia
No tento firme de viver, sonhar!


        Contemplei lá nos sítios do rincão 
          Algaroba, Aroeira Umbuzeiro,
          Baraúna, Romã e Mulungu,  
          Imbaúba, Pau-d´Arco e Juazeiro,
          Imburana, Confrei, Mandacaru,
          As fecundas belezas do Sertão!

          E nas primeiras bênçãos 
          me  chegaram
          Doce de leite e bolo de goma
          Cocada, pirulito, pão-de-ló...  



O pão doce quentinho lá da venda
Os pratos de Maria lá de casa
A água de Sabá me saciando!



    

    No meu tempo criança saltei corda,
    Brinquei de roda e de cozinhar
    Declamei, fiz teatro, pastoril,
    Banhei-me feliz na bica da igreja
    Corri pra casa nas torrentes chuvas
    A cruz de capim-santo atrás da porta!


Histórias inventadas de ninar 
E as do bicho-papão que a mãe contava
De madrastas ruins, contos de fada...
Aprendi a gostar dessas leituras
E o Tesouro deixei pra juventude
Quantas histórias de ler e contar!

Os brinquedos de barro e de latão 
As bonecas de pano lá da feira 
Coloridas, as roupas de filó
Também de chita com tranças e laços
Tinham olhos pintados e batom...
Quantas coisas bonitas do sertão!

Os bichinhos de barro e os biscuits
E as cordas trançadas de cordão
Utensílios pequenos e pintados 
De branco, de azul, de encarnado... 
Copos bonitos com letras douradas
Por acaso eram vindos de Paris?


              Para os meninos tinha o caminhão
            Bolas de gude e os carros de boi 
            Atiradeira chamada peteca
            Brinquedos de meninas não entrar
            Correrias e gritos e empurrões
            E pelas ruas a rodar pião.

           O cinema e o circo e a canção 
           E o primeiro amor a inquietar
           Menina e mulher a iniciar-se
           Na vida, no estudo e no amor...   
           Minha mãe no cuidado a costurar
           E o meu pai na tarefa de escrivão.





Os rios da minha vida

           
            Amo contemplar auroras manhãs
          E olhar o pôr do sol ao fim do dia
          Nascente e ocaso na agitada terra
          Eterna dança a procurar a luz.

         O sol acorda a noite madrugada
         E as estradas da vida se alumiam.
         Manhã e noite imantam de mistério
         Finito chão da abóbada infinita!





Lindas manhãs renascem a céu aberto
Entre as brechas dos arranha-céus
Auroras em retalhos de beleza
Para embalar os que da noite chegam.


Ah, lembranças dos rios da minha vida
Na memória paisagem que ficou!


O Moxotó que banha a minha terra 
E o Pajeú imerso em tantas águas...
Sertão que inda me traz o encantamento
Do São Francisco rio e das carrancas.

Nos jovens anos dos meus jovens sonhos
Vivi nas ruas do Capibaribe
E partilhei a vida entre amigos
Um tempo a nos doar e a nos querer.

Ora vejo o Capiba mal cuidado
Ao despertar suas águas nas auroras
Do Recife e das pontes que o guiam
Triste beleza de um triste rio!

Ah! O alvorecer dos rios meus
Que tão cedo ficaram na memória!

Um dia, em fuga, as águas dos meus rios
Levaram-me no Atlântico Oceano...
Aqui deixei o sol e os quentes mares
E me encontrei no chão mediterrâneo!

Aos vinte anos a ensaiar a vida
E as primeiras escolhas necessárias
Vivi feliz verões e primaveras,
Outono e inverno densos de saudade.




               Outros céus, outros mares, outros rios
             O Tibre, em Roma, 
             E m Florença o Arno;
             O Tejo e o Mar de Espanha, na Ibéria
              E os poéticos Reno e Danúbio.




Ali incorporei à minha história
Os ideais e as lutas de aprender.

Descoberta de povos e culturas
Descoberta do amor e do trabalho
Descoberta de mim e da coragem
De em diferentes águas me banhar.

A vida não chegara ao meio-dia
E seus mistérios já se revelavam...
De volta aos rios meus e aos quentes mares,
Ao amor me entreguei e aos sonhos meus.

Longe, depois, no tempo e no espaço
Vi as águas morenas do Mar Negro
E o Bósforo otomano de Pamuk
Melancólico e doce a contemplar!

Ah Istambul! Sua dorida história
Que o estreito do Bósforo revela.
Pra sentir o mistério de suas águas
E repensar da vida as grandes perdas
Carece o outono ao entardecer
E a companhia da maturidade...

E então, pra mitigar a minha dor
O mar que ali se aninha me contou
Do vento forte
E das manhãs dos povos
Que celebram, na dor, o amanhecer!




A linguagem do silêncio    
        

O silêncio tem jeitos diferentes
Pra dizer o querer e o não querer
Pra falar do que não se sabe como
Ou buscar da razão um parecer.

No silêncio a palavra é um gesto
Do encontro de amigos e amantes
É o sabor de dizer o bem-querer
Presença do que se sabia dantes.

Quando o silêncio está quiçá bem perto
Do pensamento, basta o seu eco.
O amor e a dor falam num abraço,
No encontro o silêncio é livro aberto
Para dizer o afeto e o desafeto
Ou chorar, de amor, no seu regaço.

Na distância o silêncio enlouquece
Ruidosa é a presença das lembranças
Que o silêncio tão cedo não esquece
E as transforma consigo e as enrijece
Refazendo o sentido das palavras
Que qual mágoa gravadas permanece.

Quero um silêncio inteiro, um fomento
A cuidar da memória que maltrata
E resgatar a história no seu tempo
E iluminar o dito e o não dito
E como a história faz, ata e desata,
Desfazer, no silêncio, o seu mito.

Quero um silêncio longe da anuência
E a palavra do silêncio inteira
Que anula a fonte da interferência...
Um olhar silencioso de ternura
Quiçá uma palavra derradeira
A acarinhar de luz a noite escura.    
    


Renascimento


No encontro contigo
Abri  as comportas
De todas as águas
Chorei minhas mágoas
Revi os meus sonhos
Retalhos de vida
Agora refeitos.


No encontro contigo
Enchi-me de espanto
Voltei do exílio
Entrei nos teus laços
Cantei o meu canto
Lembrei meus desejos
Saí do engano
Deixei meus brinquedos
Pequena vidinha
De dor sem enredo.

No encontro contigo
Perdi as amarras
Revi minhas crenças
Larguei minhas armas
E as tramas da vida
Seus lances, seus feitos
Se tornam beleza 
Na fé renascida.
       



O presente e o sonho

       

Era tudo o que eu tinha, o presente e o sonho
O dom da minha vida e a vida toda em dom
E o imenso futuro a escolher, a amar
Vinte anos eu tinha, e a vida a gozar!

Vinte anos eu tinha de planos, desejos
E uma luminosa decisão na vida
De seguir um ideal, ter uma bandeira
Por toda a minha vida, a minha vida inteira!
Como herança primeira entregar o meu sonho
Como herança a riqueza de de todo o meu viver!

Aprendendo a ouvir, a ouvir mais que falar
A não titubear nos momentos difíceis
E a trazer sobre mim o fardo e a dor do irmão
Partilhando na vida o que eu tinha então!
                                                            
Aprendendo a crescer e a crescer na alegria
E na sabedoria do amor comunhão
A consagrar a vida com toda a ousadia
Com os outros fazendo o que eu melhor podia.

A riqueza tamanha da escuta e do dom
A tamanha riqueza de poder amar!
De amar nesta vida o presente e a dor
E a dor, na alegria, transformar em amor!






Lode a Maria


Maria Menina
Maria de Nazaré
Maria da Soledade
Maria das Dores...
Maria cheia de Saudade
Maria plena de Graça
Aos olhos ternos de Deus!

Maria Anunciada
Maria Cansada
Maria Agradecida
Maria da Humanidade
Maria Entristecida
De ouvir tantos lamentos
Das mulheres que amam!

Maria da Esperança
E do Amor bem-vindo
Maria do Amor gerado
Maria da Confiança
Maria Amor espraiado
Maria do Amor que é dado
Maria do Amor perdido!

Maria junto do filho
Sofrida, ao pés da cruz 
Ouvindo aquele “por quê?”...
Maria Desolação
Na solidão do viver
Maria Abandonada
Maria nas mãos de Deus!

Maria que foi Mulher
Maria Anunciada
Maria que foi Casada
Maria Engravidada
Maria só - Desolada
Maria Mãe dos Aflitos!
Doce Mãe da Humanidade!





Lição do Meu Povo


A semente que o meu povo planta
Lá nas brenhas das terras do sertão
É semente tirada do seu prato
Da comida de milho e do feijão.

Desde cedo na vida eles aprendem
Que a pessoa não deve virar ilha
Nem deixar de o bocado dividir
Com irmãos que precisam da partilha.

Mas deixando a minha terra eu esqueci
Do meu povo essa tão grande lição...
Só depois, já crescida, reaprendi
A cultura do povo do sertão!

Junto deles, então, eu entendi
O que é ver o outro como irmão
Pra somar, ajuntar e repartir
Refazendo na vida a comunhão.




    
    Do cuidado e do perdão


              Se você conseguir ter algum tempo
            Para ouvir docemente a melodia
            De um doce e amigo violão
            Seja então todo seu esse momento
            Abraçando o prazer e a agonia
            E vivendo tranquilo esse refrão:

              Importante é cuidar no dia a dia

            Do lazer, do carinho e do perdão.






Se você se soltar como esse vento
E cuidar de aprender com alegria
O mistério do amor e do perdão
Pode ser que você consiga o tento
De fazer essa grande estripulia
E de ouvir o que fala o coração:
Importante é cuidar no dia a dia
Do lazer, do carinho e do perdão.

E se hoje você tiver o intento
De na vida ter rumo, mapa e guia 
Neste verso de amor e devoção
É preciso não ser lerdo nem lento
E aprender na esperteza a melodia
Pra cantar hoje e sempre essa canção:
Importante é cuidar no dia a dia
Do lazer, do carinho e do perdão.




A Certeza



O encontro
A descoberta
O dom
A alegria
A iluminação
A plenitude
A beleza!

A expectativa
A realidade
O apelo
A solidão
A ingenuidade
A insegurança
A incerteza!

As promessas
A esperança
A veleidade
O acordo
O adeus
O choro
A crueza!

O silêncio
O espanto
A angústia
O vazio
O grito
A dor
Indefesa!

O cansaço                                                                                                  
Na estrada                             
A escuridão
A espera
A perda
A separação
A aspereza!

O sim profundo
A esperança
O renascimento
A vida
A carícia  
A graça
A certeza!     




O que há de vir










        Quando vieres sentirás meu canto!
       E as águas do rio que eu amei
       Acolherão as cinzas liquefeitas...
       Mais viva e presente estarei 
       Quando chegares, e sem lamentos, 
       Mais do que ontem no furor dos ventos.




Quando vieres te darei a mão
Serena feito um rio a passar
Tal que a nova ilusão de um sonho...
E tu mais vera que os meus temores
Mais luz encontrarei ao te encontrar
Mais presente serás que os meus amores.

Quando vieres estarei feliz!
Como feliz me procurei na vida
O meu sofrer a reverter-se em força...
A memória do belo repartida
Os amores e sonhos revelados
Vislumbre indecifrável de uma vida.            

            


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Crédito das Imagens:


1. Mulher e Pássaros - quadro do escultor brasileiro José Corbiniano Lins - foto tirada na retrospectiva havida em Recife - maio, 2014. Arquivo do Espaço Poese.
2. Mulher de véu - escultura de Giovanni Strazza 
3. Folhas de Outono - www.canstockphoto.com.br
4. Aurora - imagem de: canstockphoto.com.br
5. Porto de Mônaco - quadro da pintora  brasileira Anita Mafalti - www.anitamafalt.com - galeria.
6. Rio Moxotó, Sertão de Pernambuco (Brasil) - imagem de José Carneiro Soares de F. Souza.
7. Revelação - imagem de: www.canstockphoto.com.br
8. Lua Cheia Imagem de: www.canstockphoto.com.br
9.. Raios de solImagem de: www.canstockphoto.com.br
10. Globo terrestre ao amanhecer - imagem de: www.canstockphoto.com.br
11. Aurora na cidade -  Imagem do Espaço Poese
12. Relógio - imagem de: www.canstockphoto.com.br
13. Flor brotando na neve - imagem de: www.canstockphoto.com.br
14. Águias em voo - imagem de: www.canstockphoto.com.br
15. Jovem mulher pensante - Imagem do pintor indiano Iman Maleki 
www.imanmaleki.com/galery
16. Mulher moçambicana - imagem do pintor português José Antonio do Vale Soares
pt.wikipedia.org/wiki/José-Soares
17. Canindé Soares.com - fotojornalismo
18. India Amazonas - divulgação in: www.avaaz.com.br
19. Mulher lendo na praia - imagem de: www.canstockphoto.com.br
20. Casal contemplando a lua - imagem de: www.canstockphoto.com.br
21. Carnaval - aquarela do pintor brasileiro Lula Cardoso Ayres, no pórtico do Cinema São Luis (Recife/Brasil) - imagem do Espaço Poese.
22. Tempestade - imagem da pintora portuguesa Michele Bevilacquia.
23. Fantasia - aquarela do pintor brasileiro Lula Cardoso Ayres, no pórtico do Cinema São Luis (Recife/Brasil) - imagem do Espaço Poese.
24. Paisagem Tropical - imagem de: www.canstockphoto.com.br
25. Chuva na ruaimagem de: www.canstockphoto.com.br
26. Passos na areia imagem de: www.canstockphoto.com.br
27  Noite estrelada imagem de: www.canstockphoto.com.br
28. Luar - imagem de: www.canstockphoto.com.br
29. Rosto de Mulher - imagem de: www.canstockphoto.com.br
30. Rosto esfumaçado - imagem de: www.canstockphoto.com.br
31. Umbuzeiro - arquivo do Espaço Poese
32. Crianças pulando corda - quadro do pintor/escultor Abelardo da Hora (Brasil). Fotografia do Espaço Poese.
33. Bonecas de Panoimagem de: www.canstockphoto.com.br
34. Meninos com bolas de gudeimagem de: www.canstockphoto.com.br
35.   Amanhecer na cidade - imagem do Espaço Poese.
36. Rio Capibaribe - imagem de divulgação do Catamarã
37. Rio Tibre em Roma  - pintura antiga - divulgação.
38. Estreito do Bósforo -  Istambul - arquivo do Espaço Poese
39. Casal longevo imagem de: www.canstockphoto.com.br   
40. Rosto de Jesus - pintura de Rembrant - reprodução in: "Veja", revista da Ed. Abril
41.Rosto de jovem por trás do vidro - imagem do pintor indiano Iman Maleki www.imamaleki.com/galery
42. Santa Ana com Maria e o menino - pintura de Leonardo Da Vinci exposta no Museu do Louvre - imagem do Espaço Poese.
43. Feira de Rua - www.nas feiras.facebook.com/photos
44 Cantadores de Viola - entalhe na madeira de J.Borges - in: 
derepentecordel.blogspot.com/2013
45. Abóbada da Catedral de Brasília - Imagem do Espaço Poese.
46. Caminhantes - imagem de: www.canstockphoto.com.br
47. Uma flor na praia - www.canstockphoto.com.br 


Nota: As imagens aqui publicadas estão creditadas acima. E pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com

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