Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

FREI BETTO - A ÉTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA

22 junho, 2020

Estamos cansados. Nós, os velhos, resguardados com cautela em nossas casas (aqueles que as têm), e os médicos, enfermeiros, motoristas de ambulâncias, coveiros, auxiliares de limpeza, porteiros, motoqueiros, guardas,  professores, crianças e jovens distanciados da vida escolar, e todo o povo da periferia, muitos deles sem poder trabalhar no “bico” onde se arranjam para sobreviver. Dá-nos inveja quando vemos outros países se refazendo, mesmo que na lenta volta,  ainda cheia de cuidados.

Mas há um cansaço premente - que se expande e nos atinge misturado à nossa tristeza e ao espanto enraivecido, diante das graves consequências de uma eleição ardilosamente falseada, à espera de que os processos judiciais escancarem a farsa grotesca da mentira institucionalizada, infectada de violências pessoais e sociais, e de conluios políticos de interesses nocivos ao povo brasileiro. Resta-nos reagir, unidos, na luta pela restauração dos direitos republicanos dos cidadãos e das instituições assaltadas por um poder inconsequente, que só nos envergonha aqui e lá fora. 

Do blog do escritor e teólogo Leonardo Boff, reproduzimos um excelente artigo de Frei Betto, que lLboff apresenta como “um texto claro, simples, essencial”, e nos convida a não deixar de ler, no final, "o belo poema de um autor cubano (Alexis Valdés), que nos mostra o valor e a presença de Deus em nossa vida”. Para os nossos leitores, fizemos uma versão livre, em português, do poema canção, originalmente em espanhol.


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ÉTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Por: frei betto

A pandemia causada pelo coronavírus veio nivelar a humanidade. E suscitar sérias questões éticas. Não faz distinção de classe, como a anemia e o raquitismo, que resultam da fome; ou de gênero, como as doenças da próstata.
Trata-se, agora, de enfrentar um inimigo invisível que exige urgente mobilização global para deter o seu avanço. E é em momentos de crise como este que as pessoas se revelam.
A questão ética fundamental que a pandemia levanta é quanto ao valor da vida humana. Para o capitalismo, em si tem valor zero, a menos que revestida de adereços com valor de mercado e robustecida por bens patrimoniais e financeiros. Prova disso é o descaso humano em nossas cidades, cujas calçadas se enchem de pessoas maltrapilhas que sobrevivem da caridade alheia. Não têm valor nenhum e, ao cruzar com elas, muitos evitam se aproximar, receiam o mau cheiro e o assédio.
Suponhamos que um deles ganhe uma fortuna na loteria e, pouco depois, apareça a bordo de um reluzente Mercedes Benz. Imediatamente passará a ter valor social e ser reverenciado pelo respeito e pela inveja de quem o observa. Portanto, eis o patamar antiético ao qual o sistema capitalista nos conduz: valemos pelo que portamos e não pelo simples fato de sermos humanos.
Agora, o espectro da morte nos nivela. A devastação letal provocada ocupa praticamente todo o noticiário. Somos todos obrigados a redimensionar nossos critérios, valores e hábitos. Até as nações mais ricas descobrem que o dinheiro não é suficiente para evitar a pandemia. Só a ciência é capaz de detê-la, mas andava muito ocupada em descobrir, nos laboratórios, como aumentar os lucros das empresas farmacêuticas, enquanto faltavam recursos para combater a fome e o aquecimento global.
A Itália nos mostrou como a pandemia coloca sérios dilemas éticos. Médicos e enfermeiros tiveram que optar entre um e outro paciente, devido à falta de recursos suficientes. E nossos parentes e amigos infectados devem padecer sozinhos nos hospitais, sem que possamos consolá-los, exceto pelo celular quando ainda não entraram no respiradouro.
Os falecidos, não temos direito de pranteá-los no velório e nem mesmo cumprir seus últimos desejos, como ser enterrados ou cremados com tal roupa ou símbolo religioso. Como se fossem anônimos, são descartados tal como ocorria na Idade Média com os infectados pela peste. Estão proibidos de rituais fúnebres. Assim, o Covid-19 rouba-lhes a dignidade. E nos apunhala ao nos obrigar a ficar afastados de quem somos mais próximos. É uma tríplice morte: a individual, do paciente; a familiar, dos ausentes; a social, causada pela interdição de velório, enterro e culto religioso.
Outra dimensão ética suscitada pela pandemia é o conflito entre solidariedade e competitividade. Todos conhecemos gestos meritórios de solidariedade visando a aplacar o nosso isolamento e favorecer o socorro às vítimas, como o da jovem do apartamento 404 que, todos os dias, prepara a refeição da idosa do 302, obrigada a dispensar a cozinheira; o empresário que distribui quentinhas aos moradores das ruas de sua vizinhança; o universitário que se apresentou como voluntário em um hospital, disposto a carregar macas e limpar enfermos. Ou como o do bombeiro carioca Elielson dos Santos que, do topo da escada Magirus, oferece músicas com seu trompete a moradores do Rio.
Há que ressaltar também a solidariedade entre países que enviaram recursos a outros povos, especialmente Cuba, que deslocou centenas de médicos para reforçar o socorro na Itália, na Espanha, na França e em muitos outros países.
No entanto, falou mais alto a competitividade, valor supremo do capitalismo. O chinês Jack Ma, fundador da plataforma de vendas online Alibaba e um dos homens mais ricos do mundo, ofereceu gratuitamente kits de testes para diagnosticar Covid-19 e respiradores a 50 países, inclusive Cuba. Porém, a transportadora aérea era de bandeira usamericana, e a Casa Branca, desprovida do mínimo senso humanitário, valeu-se do genocida bloqueio imposto à ilha do Caribe para impedir que a carga chegasse a seu destino.
Em nome de caprichos políticos, sacrifica-se a vida de nações. Algo semelhante ocorreu com o governo da Bahia, que comprou equipamentos da China no valor de R$ 42 milhões. Ao passar de navio pelos EUA, a encomenda foi apropriada pelo governo da nação imperial.
As implicações éticas suscitadas pela pandemia se assemelham às de situações de guerra. O governo Bolsonaro, monitorado pelo FMI, havia aplicado ao Brasil rigoroso ajuste fiscal coroado pelo teto de gastos e os juros elevados. Desde a posse alegava não ter dinheiro e precisar promover reformas, como a da Previdência, para poupar recursos.
Dinheiro nunca falta quando se trata de pagar os juros da dívida pública e saciar o voraz apetite dos bancos. Desde que assumiu o Ministério da Economia, Guedes transferiu para os bancos R$ 433 bilhões, dinheiro do povo sonegado da educação, da saúde, do saneamento etc. O que vale mais, o lucro dos bancos ou a vida de milhões de brasileiros?
O combate à pandemia exigiu medidas urgentes e, como por milagre, apareceu R$ 1,3 trilhão! Recursos há, mas não vontade política de quem qualificou a pandemia de “gripezinha” e demonstrou não se importar com a morte em proporções geométricas.

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Deixo à nossa reflexão o poema/canção “Esperanza”, 
do cubano Alexis Valdés.



Cuando la tormenta pase                                 Quando a tormenta passar
Y se amansen los caminos                                E aplanarem-se os caminhos                
Seamos sobervivientes                                     Sejamos sobreviventes
Con el corazón lloroso                                      Com o coração choroso     
Y el destino bendecido                                E o destino abençoado.
Nos sentiremos dichosos                             Nos sentiremos ditosos
Tan sólo por estar vivos.                             Tão só por estarmos vivos.
Y le daremos un abrazo                              E daremos um abraço
Al primer desconocido.                               Mesmo a um desconhecido.             
Y alabaremos la suerte                               Celebraremos a sorte
De consevar un amigo.                               De reencontrar um amigo.              

Y entonces recordaremos                            E, então, nos lembraremos    
Todo aquello que perdimos.                         Tudo aquilo que perdemos
Y de una vez aprenderemos                         E logo aprenderemos
Todo lo que no aprendimos.                         Tudo o que não aprendemos.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  
                                                               Não mais teremos inveja,
Ya no tendremos envidia,                           Pois todos terão sofrido.
pues todos habrán sufrido.                         Não haverá incertezas
Ya no tendremos desidia                            Seremos mais compassivos.
Seremos más compasivos.                         O bem comum valerá 
Valdrá más lo que es de todos                    Como jamais conseguimos.
Que lo jamás conseguido                           Seremos mais generosos
Seremos más generosos                            E bem mais comprometidos. 
Y mucho más comprometidos.                    

Entendemos lo frágil                                   Entenderemos o frágil
Que significa estar vivos.                            Tão só por estarmos vivos.             

Sudaremos empatía                                   Sentiremos empatia
Por quien está ya se ha ido.                        Por quem está ou se foi.
                                                            
Extrañaremos al viejo                                Lembraremos o velhinho
Que pedía en el mercado,                           Que pedia no mercado,
Que no supimos su nombre                        Que o nome não sabíamos
Y siempre estuvo a tu lado.                        Mesmo estando ao teu lado.
Y quizás el viejo pobre                               Quem sabe o pobre velho,
Era tu Dios disfrazado.                               Era o teu Deus disfarçado.
                                                                                                                  

Y todo será un milagro                               Tudo será um milagre,
Y todo será un legado                                Tudo será um legado,
Y se respetará la vida.                                Se respeitará a vida
La vida que hemos ganado.                        Como um dom que nos foi dado.
     
Cuando la tormenta pase                            Quando a tormenta passar
Te pido Dios, apenado,                               Te peço, oh Deus, apenado,
que nos devuelvas mejores,                        Que nos devolvas melhores,
Como lo habías soñado.                              Como tu havias sonhado!                                                                       

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Frei Beto é escritor de inúmeros livros, entre os quais o"O diabo na Corte - 
leitura critica do Brasil atual" , Ed. Cortez.

Fonte do artigo: https://leonardoboff.org/2020/05/29/frei-betto-etica-em-tempos-de-pandemia/

Ouça o poema recitado pelo autor Alexis Valdés 

Poema recitado em uma live:
https://youtu.be/MPxyRvoL6sg


Crédito da Imagens:

1. Foto de abertura - www. canstockphoto.com.br
2Frei Betto - reproduçãao/divulgação
3. Alexis Valdés - Foto imagem do vídeo da canção acima reproduzida, 


Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja retirada desta publicação, por favor entre em contato conosco fazendo um comentário nesta postagem.




































































  


      








FRANCISCO : "UMA TRÁGICA FOME DE ESPERANÇA"

08 junho, 2020

Dada a importância do conteúdo da homilia de Papa Francisco, por ocasião da celebração de Pentecostes, transmitida da Catedral de São Pedro - no domingo 31/05/2020 - reproduzimos aqui o texto na sua íntegra, divulgado pelo Vaticano. 

Introduzimos o seu discurso com trechos de uma fala de Papa Francisco por ocasião da celebração anual de oração pela evangelização, que reuniu expoentes de diferentes Igrejas Cristãs de todo o mundo. Este ano a celebração foi realizada online, devido a pandemia do Covid-19.(*)



Participaram da cerimônia  Papa FranciscoJustin 
Welby, arcebispo de 
Canterbury Cantuária, em Londres; o arcebispo de  York, Dr. John Sentamu; 
o arcebispo Angaelos, da Igreja Copta Ortodoxa de Londres; o pastor Agu Irukwu, presidente pentecostal da Churches Together, na Inglaterra;  Heidi  Crowter,  defensora das pessoas com síndrome de DownThelma Commey, presidente da Juventude Metodista.

Na ocasião, Papa Francisco convidou a todos os seguidores de Cristo, a serem “mais profundamente unidos como testemunhas da misericórdia para a família humana tão severamente provada nestes dias” e a “pedir ao Espírito o dom da unidade, pois somente se vivermos como irmãos e irmãs poderemos espalhar o espírito da fraternidade”. E exorta todos os cristãos a buscarem um novo derramamento do Espírito Santo, a fim de serem portadores do amor, da luz e da esperança de Cristo, em um mundo “que está experimentando uma trágica fome de esperança”, mas também a exigirem o afastamento da “busca egoísta de sucesso sem cuidar dos que são deixados para trás e a estarem unidos para enfrentar as “pandemias do vírus e da fome, da guerra, do desprezo pela vida e da indiferença aos outros”.

O nosso mundo está experimentando uma trágica fome de esperança. Quanta dor está à nossa volta, quanto vazio, quanto sofrimento inconsolável. Tornemo-nos, então, mensageiros do conforto concedido pelo Espírito. Irradiemos esperança, e o Senhor abrirá novos caminhos enquanto avançamos para o futuro.”

Acesse o vídeo do evento ecumênicohttps://youtu.be/ncN_RJM7pqA

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HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
NA SOLENIDADE DE PENTECOSTES

Basílica de São Pedro
Domingo, 31 de maio de 2020





«Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo»: assim escreve Paulo aos Coríntios. E continua: «Há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; e há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos» (1 Cor 12, 4-6). Diversidade e o mesmo, diversos e um só: o Apóstolo insiste em juntar duas palavras que parecem opostas. Quer-nos dizer que este um só que junta os diversos é o Espírito Santo. E a Igreja nasceu assim: diversos, unidos pelo Espírito Santo.

Recuemos até aos inícios da Igreja, no dia de Pentecostes, e fixemos os Apóstolos: entre eles, temos pessoas simples, habituadas a viver do trabalho das suas mãos, como os pescadores, e está Mateus, certamente dotado de instrução pois fora cobrador de impostos. Existem origens e contextos sociais diversos, nomes hebraicos e nomes gregos, temperamentos pacatos e outros ardorosos, ideias e sensibilidades diferentes. 

Eram todos diferentes. Jesus não os mudara, nem os uniformizara, tornando-os modelos em série. Não. Deixara as suas diversidades; e agora une-os, ungindo-os com o Espírito Santo. A união – a união deles que eram diversos – vem com a unção. No Pentecostes, os Apóstolos compreendem a força unificadora do Espírito. Veem-na com os próprios olhos, ao constatar que todos, apesar de falar línguas diversas, formam um só povo: o povo de Deus, plasmado pelo Espírito, que tece a unidade com as nossas diferenças, que dá harmonia porque, no Espírito, há harmonia. Ele é a harmonia.

Mas voltemos à Igreja de hoje. Podemos interrogar-nos: «O que é que nos une, em que se baseia a nossa unidade?» Também entre nós existem diversidades, por exemplo de opinião, preferência, sensibilidade. A tentação, porém, é defender sempre de espada desembainhada as nossas ideias, considerando-as boas para todos e pactuando apenas com quem pensa como nós. E esta é uma tentação ruim, que divide. 

Mas, esta é uma fé à nossa imagem, não é aquilo que deseja o Espírito. Nesse caso, poder-se-ia pensar que aquilo que nos une fossem as próprias coisas em que acreditamos e os próprios comportamentos que adotamos. Mas não! Há muito mais: o nosso princípio de unidade é o Espírito Santo. E a primeira coisa que Ele nos lembra é que somos filhos amados de Deus; nisto, todos iguais e, todavia, somos todos diferentes. O Espírito vem a nós, com todas as nossas diversidades e misérias, para nos dizer que temos um só e mesmo Senhor, Jesus, um só e mesmo Pai; por isso, somos irmãos e irmãs. 

Partamos daqui! Olhemos a Igreja como faz o Espírito, não como faz o mundo. O mundo vê-nos de direita e de esquerda, com esta ideologia, com aquela; o Espírito vê-nos do Pai e de Jesus. O mundo vê conservadores e progressistas; o Espírito vê filhos de Deus. O olhar do mundo vê estruturas, que se devem tornar mais eficientes; o olhar espiritual vê irmãos e irmãs implorando misericórdia. O Espírito ama-nos e conhece o lugar de cada um no todo: para Ele não somos papelinhos coloridos levados pelo vento, mas ladrilhos insubstituíveis do seu mosaico.

Tornamos ao dia de Pentecostes e descobrimos a primeira obra da Igreja: o anúncio. Vemos, porém, que os Apóstolos não preparam uma estratégia; quando estavam fechados lá, no Cenáculo, não montavam a estratégia, não; não preparavam um plano pastoral. Teriam podido dividir as pessoas por grupos segundo os vários povos, falar primeiro aos de perto e depois aos que eram de longe, tudo bem ordenado... 

Teriam podido temporizar um pouco no anúncio e, entretanto, aprofundar os ensinamentos de Jesus, para evitar riscos... Mas não! O Espírito não quer que a recordação do Mestre seja cultivada em grupos fechados, em cenáculos onde tendemos a «fazer o ninho». E esta é uma doença má que pode vir à Igreja: uma Igreja não comunidade, nem família, nem mãe, mas ninho. O Espírito abre, relança, impele para além do que já foi dito e feito, Ele impele para além dos recintos duma fé tímida e cautelosa. No mundo, sem uma estrutura compacta e uma estratégia calculada é um fracasso. Na Igreja, ao contrário, o Espírito assegura ao arauto a unidade. E os Apóstolos partem: sem preparação, lançam-se, saem. Anima-os um único desejo: dar o que receberam. Como é belo aquele princípio da Primeira Carta de João: aquilo que nós recebemos e vimos, damo-lo a vós! (cf. 1, 3)

Finalmente chegamos a compreender qual é o segredo da unidade, o segredo do Espírito. O segredo da unidade da Igreja, o segredo do Espírito é o dom. Porque Ele é dom, vive doando-Se e, assim, nos mantém unidos, fazendo-nos participantes do mesmo dom. É importante acreditar que Deus é dom, que não se comporta tomando, mas dando. E por que é importante? Porque o nosso modo de ser crentes depende de como entendermos Deus. Se tivermos em mente um Deus que toma, que Se impõe, desejaremos também nós tomar e impor-nos: ocupar espaços, reivindicar importância, procurar poder. Mas, se tivermos no coração que Deus é dom, muda tudo. 

Se nos dermos conta de que aquilo que somos é dom d’Ele, dom gratuito e imerecido, então também nós quereremos fazer da própria vida um dom. E amando humildemente, servindo gratuitamente e com alegria, ofereceremos ao mundo a verdadeira imagem de Deus. O Espírito, memória viva da Igreja, lembra-nos que nascemos de um dom e crescemos doando-nos; não poupando-nos, mas dando-nos.

Queridos irmãos e irmãs, olhemos no íntimo de nós mesmos e perguntemo-nos o que é que impede de nos darmos. Há – por assim dizer – três inimigos do dom; os principais são três, sempre deitados à porta do coração: o narcisismo, a vitimização e o pessimismo. 

narcisismo leva a idolatrar-me a mim mesmo, a comprazer-me apenas com o lucro próprio. O narcisista pensa: «A vida é boa, se eu ganho com ela». E assim chega a dizer: «Por que deveria eu doar-me aos outros?» Nesta pandemia, faz um mal imenso o narcisismo, o debruçar-se apenas sobre as próprias carências, insensível às dos outros, o não admitir as próprias fragilidades e erros. 

Mas o segundo inimigo, a vitimização, também é perigoso. A vítima lamenta-se todos os dias do seu próximo: «Ninguém me compreende, ninguém me ajuda, ninguém me quer bem, estão todos contra mim!» Quantas vezes ouvimos estas lamentações! E o seu coração fecha-se, enquanto se interroga: «Por que não se doam a mim os outros?» No drama que vivemos, como é má a vitimização! Como é mau pensar que ninguém nos compreende e sente aquilo que sentimos nós! Isto é o fazer a vítima. 

Por fim, temos o pessimismo. Neste caso, a ladainha diária é: «Nada vai bem, a sociedade, a política, a Igreja...» O pessimista insurge-se contra o mundo, mas fica inerte e pensa: «Assim para que serve doar-se? É inútil». Agora, no grande esforço de recomeçar, como é prejudicial o pessimismo, ver tudo negro, repetir que nada voltará a ser como antes! Pensando assim, aquilo que seguramente não volta é a esperança. Nestes três – o ídolo narcisista do espelho, o deus-espelho; o deus-lamentação: «sinto-me alguém nas lamentações»; e o deus-negatividade: «é tudo negro, é tudo escuro» – encontramo-nos na carestia da esperança e precisamos de apreciar o dom da vida, o dom que é cada um de nós. Por isso, necessitamos do Espírito Santo, dom de Deus que nos cura do narcisismo, da vitimização e do pessimismo; cura do espelho, das lamentações e da escuridão.

Irmãos e irmãs, peçamos: Espírito Santo, memória de Deus, reavivai em nós a lembrança do dom recebido. Libertai-nos das paralisias do egoísmo e acendei em nós o desejo de servir, de fazer bem. Porque pior do que esta crise, só o drama de a desperdiçar fechando-nos em nós mesmos. Vinde, Espírito Santo! Vós que sois harmonia, tornai-nos construtores de unidade; Vós que sempre Vos doais, dai-nos a coragem de sair de nós mesmos, de nos amar e ajudar, para nos tornarmos uma única família. Amém!

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* Fonte das informações sobre o evento midiático de 29/05/2020:

Moisés Sbardelotto é jornalista, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, com estágio doutoral (bolsa PDSE/Capes) na Università di Roma "La Sapienza", Itália.

Homilia do Papa – Domingo de Pentecostes – 31/05/2020


Crédito das imagens:

1. Detalhe do altar central da Basílica de São Pedro - divulgação
2. Heidi Crowter - liveaction.org.jpg
3. Papa Francisco - Foto de Daniel Ibanez - aciprensa - 04.06.2019.


Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja retirada desta publicação, por favor entre em contato conosco fazendo um comentário nesta postagem.



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