Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

COVID-19 - HISTÓRIAS EXEMPLARES - CEASA RIO DE JANEIRO

01 junho, 2020

Mais uma história exemplar, publicada em The Intercept Brasil, neste sábado, 29/05. A reportagem é de Pedro Nakamura e mostra-nos como se expandem os caminhos da rápida propagação do coronavírus no Brasil. Além das responsabilidades locais, o indizível presidente da república continua esnobando ignorância, incompetência e irresponsabilidade. "Esquece" de nomear o novo ministro da Saúde, e deixa os países vizinhos preocupados com os números de infectados no nosso país. Continua saindo para tomar café na padaria, dando a mão às pessoas do seu pequeno núcleo de apoio. Gente do mesmo povo que, ignorado e ignorante da gravidade da pandemia, cai doente e não encontra meios de ser atendido. Os mesmos que se expõem em filas intermináveis, em busca de um auxílio alentador, embora muitos, com os mesmos direitos, depois de horas de espera ficam sabendo que estão impedidos de receber. Hoje, 1º de junho, o Rio de Janeiro está com o sistema de saúde em colapso. Na reportagem, aqui abaixo, deixamos de reproduzir algumas frases do depoimento que, a nosso ver, eram repetitivas.  
 "As pessoas dizem com orgulho que não se cuidam", diz funcionária da Ceasa, no Rio de Janeiro.
Pedro Nakamura
29/05/2010

NA SEGUNDA MAIOR central de abastecimento da América Latina, a unidade Grande Rio da Ceasa, localizada no bairro Irajá, zona norte do Rio de Janeiro, circulam diariamente cerca de 50 mil comerciantes, produtores, transportadores e clientes que trabalham na distribuição e comércio de frutas, legumes e verduras. 
Apesar desse potencial para se tornar um epicentro de contaminação, medidas sanitárias que serviriam para evitar transmissões da Covid-19 entre os mais de 600 comerciantes, seus funcionários e outros 2,5 mil produtores cadastrados, não têm sido respeitadas na unidade, gerida pelo governo do estado.

Funcionárias como Laura*, 25 anos, relatam situações frequentes de aglomerações e fiscalização precária por parte do governo estadual. Laura contou enfrentar reações hostis, diariamente, de clientes que se recusam a cumprir medidas sanitárias. Em alguns casos, arrancam as máscaras e cospem para provocar e reclamar do excesso de cuidados.
Mas o risco do coronavírus está presente no bairro. Atualizando o texto original desta reportagem, segundo o painel Rio Covid-19, Irajá tem hoje (31/05) 348 casos confirmados de covid-19; 55 mortes e 38 casos em investigação. A previsão do acumulado de casos confirmados até 10/06 é de 40.099, em 160 bairros.  
A CEASA NUNCA foi bem fiscalizada. Sempre aconteceu muita coisa errada. Lembro do caso de um cliente que teve até seu carro roubado dentro da central de abastecimento, além de sequestros-relâmpago de lojistas e funcionários. Com o início da pandemia, a Ceasa tomou algumas medidas para conscientizar os comerciantes. Houve higienização das ruas e pavilhões. Também tornaram obrigatório disponibilizar álcool gel e sabonete líquido nas lojas, mas só alguns estabelecimentos cumpriram. Não houve fiscalização.

Na minha loja, começamos cedo a usar equipamentos de proteção individual. Só que passamos a ser hostilizados, tachados de idiotas, palhaços. Na época, outros lojistas, clientes e trabalhadores diziam que a Covid-19 era só uma “gripezinha” e ouvi várias vezes que “homem não pega coronavírus”. Além de usar máscaras o dia inteiro, que é algo sufocante, temos que lidar com a ignorância. Alguns cospem, tossem e espirram por provocação em cima de nós. Tentaram até remover as máscaras de meus colegas a força, porque não levam a pandemia a sério.
Colocamos na loja uma faixa de distanciamento, e começamos a pedir aos clientes “por favor, teria como ficar atrás da faixa?” Pedimos por favor, por gentileza, mas as pessoas não gostam. Um dia um cliente se negou a cumprir o pedido e ficou olhando para minha cara, com raiva. Chamou a medida de ‘palhaçada’ (...) e começou a gritar: “Você quer pegar coronavírus? Está com medo? Está com medo?” Eu me afastei e o chamei de irresponsável. Colegas tiveram de intervir para ele ir embora. (...)
‘Já fui xingada de tudo por pedir a clientes que cumpram as medidas  sanitárias de prevenção’.
Quando pedimos respeito às regras de distanciamento, eles nos olham com cara feia, até riem e deixam de levar a mercadoria (...). Falam na sua cara que já tiveram sintomas de coronavírus e estão na sua frente, sem máscaras (...) São pessoas que nem sequer seguem a quarentena (...) Isso nos dá uma sensação horrível. Teve dias que fui ao banheiro chorar, porque além de medo, existe a pressão psicológica de conviver com esse assédio diário.

Um cliente nos relatou que um colega da Ceasa havia lhe dito que achava estar com coronavírus, mas que iria continuar trabalhando porque os sintomas eram leves. Esse cliente sabia que esse seu amigo estava infectado, mas continuou indo na loja dele e depois vinha na nossa (...). Recentemente, a mulher dele foi diagnosticada como caso confirmado de coronavírus e foi internada.
Já houve mortes de pessoas que trabalham na Central, confirmadas por covid-19, e o governo estadual não deve saber de nada porque não há fiscalização. Só em uma das lojas, houve 17 afastamentos por suspeita de coronavírus e há casos confirmados de outros colegas. Sabemos que até donos de lojas daqui na Ceasa morreram (...). É tudo tão medonho, mas tenho que trabalhar igual. Tenho aluguel, contas a pagar e ajudo muito a minha família. Meu pai, que trabalha em obras, está desemprego, e minha mãe é auxiliar de serviços gerais em um hospital privado. Ela sente muito medo de pegar coronavírus, mas não tem para onde fugir. Precisa trabalhar para levar o sustento para casa. Sem falar nas declarações do presidente, não tem sanidade mental que aguente. (...)
A cerca de 2 quilômetros da Ceasa está o centro médico de referência no Rio para o tratamento da Covid-19, o hospital municipal Ronaldo Gazolla, unidade que recebe hoje contêineres frigoríficos para reforçar os serviços de necrotério. Tem muita gente morrendo. Tudo isso praticamente do nosso lado. Mesmo assim, a desinformação é imensa. Em abril, tornaram obrigatório, na Ceasa,  o uso de máscaras, mas, como não há fiscalização, muitos não respeitam. Dizem que basta comer muito inhame, frutas e legumes. Teve um colega que disse consumir quase um saco de laranja por dia contra a covid-19.
Temos plena consciência de que somos um serviço essencial, mas essa pandemia afetou a todos e, se pensarmos só na economia, logo teremos mais mortes. Na Ceasa, não há cadastramento de carregadores e ambulantes, e muitos deles alegam que não podem parar de trabalhar porque não têm outro sustento e vão morrer de fome. Um amigo que trabalha lá dentro foi diagnosticado com coronavírus. “É agonizante você procurar ar, uma coisa que é de graça e não conseguir respirar, ir a hospitais e não ter atendimento. Vi a morte.” (...)
Entramos em contato com a direção da Ceasa sobre as denúncias de falta de fiscalização. Nos disseram que “a fiscalização quanto ao cumprimento das determinações é feita pelas gerências de mercado de cada unidade” e que, com auxílio dos vigilantes, as gerências estão autorizadas a advertir e multar permissionários ou expulsar cidadãos que se recusem a cumprir as medidas. A Central, no entanto, não esclareceu como a unidade assegura essa fiscalização.
Quanto à afirmação de que há pessoas infectadas e morrendo por covid-19 dentro da unidade no Irajá, a Ceasa respondeu que está “em contato com os permissionários, lojistas do mercado, nossos colaboradores e, até o momento, apenas uma empresa informou por escrito que um funcionário estava com a covid-19.” A Central também afirmou não ter conhecimento de mortes até a data da resposta enviada à reportagem, em 15 de maio.
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Fonte da reportagem:

(*) O nome da entrevistada foi trocado para preservar a identidade da fonte.
Pedro Nakamura é estagiário da Fronteira, estúdio especializado em reportagens e conteúdo editorial. Cursa jornalismo na UFRGS.

Crédito das imagens: 

1.Movimentação de pessoas na Ceasa do Rio após a reabertura de feiras livres, em Irajá, zona norte, em 30 de abril. Foto: Marcelo Fonseca/Folhapress

2. Pavilhão do Ceasa do Irajá no dia 9 de abril, quando o estado do Rio tinha mais de 2,2 mil casos confirmados e 122 mortes por coronavírus.Reprodução/Laura


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