Mas há um cansaço premente - que se expande e nos
atinge misturado à nossa tristeza e ao espanto enraivecido, diante das graves consequências de uma eleição ardilosamente
falseada, à espera de que os processos judiciais escancarem a
farsa grotesca da mentira institucionalizada, infectada de violências pessoais
e sociais, e de conluios políticos de interesses nocivos ao povo brasileiro. Resta-nos
reagir, unidos, na luta pela restauração dos direitos republicanos dos cidadãos e das instituições
assaltadas por um poder inconsequente, que só nos envergonha aqui e
lá fora.
Do blog do escritor e teólogo Leonardo Boff,
reproduzimos um excelente artigo de Frei Betto, que lLboff
apresenta como “um texto claro, simples, essencial”, e nos convida a não deixar de ler,
no final, "o belo poema de um autor cubano (Alexis Valdés), que nos
mostra o valor e a presença de Deus em nossa vida”. Para os nossos leitores,
fizemos uma versão livre, em português, do poema canção, originalmente em espanhol.
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A pandemia causada pelo coronavírus veio nivelar a humanidade. E
suscitar sérias questões éticas. Não faz distinção de classe, como a anemia e o
raquitismo, que resultam da fome; ou de gênero, como as doenças da próstata.
Trata-se, agora, de enfrentar um inimigo invisível que exige urgente mobilização
global para deter o seu avanço. E é em momentos de crise como este que as
pessoas se revelam.
A questão ética fundamental que a pandemia levanta é quanto ao valor da
vida humana. Para o capitalismo, em si tem valor zero, a menos que revestida de
adereços com valor de mercado e robustecida por bens patrimoniais e
financeiros. Prova disso é o descaso humano em nossas cidades, cujas calçadas
se enchem de pessoas maltrapilhas que sobrevivem da caridade alheia. Não têm
valor nenhum e, ao cruzar com elas, muitos evitam se aproximar, receiam o mau
cheiro e o assédio.
Suponhamos que um deles ganhe uma fortuna na loteria e, pouco depois,
apareça a bordo de um reluzente Mercedes Benz. Imediatamente passará a ter
valor social e ser reverenciado pelo respeito e pela inveja de quem o observa.
Portanto, eis o patamar antiético ao qual o sistema capitalista nos conduz:
valemos pelo que portamos e não pelo simples fato de sermos humanos.
Agora, o espectro da morte nos nivela. A devastação letal provocada
ocupa praticamente todo o noticiário. Somos todos obrigados a redimensionar
nossos critérios, valores e hábitos. Até as nações mais ricas descobrem que o
dinheiro não é suficiente para evitar a pandemia. Só a ciência é capaz de
detê-la, mas andava muito ocupada em descobrir, nos laboratórios, como aumentar
os lucros das empresas farmacêuticas, enquanto faltavam recursos para combater
a fome e o aquecimento global.
A Itália nos mostrou como a pandemia coloca sérios dilemas éticos.
Médicos e enfermeiros tiveram que optar entre um e outro paciente, devido à
falta de recursos suficientes. E nossos parentes e amigos infectados devem
padecer sozinhos nos hospitais, sem que possamos consolá-los, exceto pelo
celular quando ainda não entraram no respiradouro.
Os falecidos, não temos direito de pranteá-los no velório e nem mesmo
cumprir seus últimos desejos, como ser enterrados ou cremados com tal roupa ou
símbolo religioso. Como se fossem anônimos, são descartados tal como ocorria na
Idade Média com os infectados pela peste. Estão proibidos de rituais fúnebres.
Assim, o Covid-19 rouba-lhes a dignidade. E nos apunhala ao nos obrigar a ficar
afastados de quem somos mais próximos. É uma tríplice morte: a individual, do
paciente; a familiar, dos ausentes; a social, causada pela interdição de
velório, enterro e culto religioso.
Outra dimensão ética suscitada pela pandemia é o conflito entre
solidariedade e competitividade. Todos conhecemos gestos meritórios de
solidariedade visando a aplacar o nosso isolamento e favorecer o socorro às
vítimas, como o da jovem do apartamento 404 que, todos os dias, prepara a
refeição da idosa do 302, obrigada a dispensar a cozinheira; o empresário que
distribui quentinhas aos moradores das ruas de sua vizinhança; o universitário
que se apresentou como voluntário em um hospital, disposto a carregar macas e
limpar enfermos. Ou como o do bombeiro carioca Elielson dos Santos que, do topo
da escada Magirus, oferece músicas com seu trompete a moradores do Rio.
Há que ressaltar também a solidariedade entre países que enviaram
recursos a outros povos, especialmente Cuba, que deslocou centenas de médicos
para reforçar o socorro na Itália, na Espanha, na França e em muitos outros
países.
No entanto, falou mais alto a competitividade, valor supremo do
capitalismo. O chinês Jack Ma, fundador da plataforma de vendas online
Alibaba e um dos homens mais ricos do mundo, ofereceu gratuitamente kits de
testes para diagnosticar Covid-19 e respiradores a 50 países, inclusive Cuba.
Porém, a transportadora aérea era de bandeira usamericana, e a Casa Branca,
desprovida do mínimo senso humanitário, valeu-se do genocida bloqueio imposto à
ilha do Caribe para impedir que a carga chegasse a seu destino.
Em nome de caprichos políticos, sacrifica-se a vida de nações. Algo
semelhante ocorreu com o governo da Bahia, que comprou equipamentos da China no
valor de R$ 42 milhões. Ao passar de navio pelos EUA, a encomenda foi
apropriada pelo governo da nação imperial.
As implicações éticas suscitadas pela pandemia se assemelham às de
situações de guerra. O governo Bolsonaro, monitorado pelo FMI, havia aplicado
ao Brasil rigoroso ajuste fiscal coroado pelo teto de gastos e os juros
elevados. Desde a posse alegava não ter dinheiro e precisar promover reformas,
como a da Previdência, para poupar recursos.
Dinheiro nunca falta quando se trata de pagar os juros da dívida pública
e saciar o voraz apetite dos bancos. Desde que assumiu o Ministério da
Economia, Guedes transferiu para os bancos R$ 433 bilhões, dinheiro do povo
sonegado da educação, da saúde, do saneamento etc. O que vale mais, o lucro dos
bancos ou a vida de milhões de brasileiros?
O combate à pandemia exigiu medidas urgentes e, como por milagre,
apareceu R$ 1,3 trilhão! Recursos há, mas não vontade política de quem
qualificou a pandemia de “gripezinha” e demonstrou não se importar com a morte
em proporções geométricas.
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Deixo à nossa reflexão o poema/canção “Esperanza”,
do cubano Alexis Valdés.
Cuando la tormenta pase Quando a tormenta passar
Y se amansen los caminos E aplanarem-se os caminhos
Seamos sobervivientes Sejamos sobreviventes
Y el destino bendecido E o destino abençoado.
Nos sentiremos dichosos Nos sentiremos ditosos
Tan sólo por estar vivos. Tão só por estarmos vivos.
Nos sentiremos dichosos Nos sentiremos ditosos
Tan sólo por estar vivos. Tão só por estarmos vivos.
Y le daremos un abrazo E daremos um abraço
Al primer desconocido. Mesmo a um desconhecido.
Y alabaremos la suerte Celebraremos a sorte
De consevar un amigo. De reencontrar um amigo.
Y entonces recordaremos E, então, nos lembraremos
Todo aquello que perdimos. Tudo aquilo que perdemos
Y alabaremos la suerte Celebraremos a sorte
De consevar un amigo. De reencontrar um amigo.
Y entonces recordaremos E, então, nos lembraremos
Todo aquello que perdimos. Tudo aquilo que perdemos
Y de una vez aprenderemos E logo aprenderemos
Todo lo que no aprendimos. Tudo o que não aprendemos.
Não mais teremos inveja,
Y todo será un milagro Tudo será um milagre,
Não mais teremos inveja,
Ya no tendremos envidia, Pois todos terão sofrido.
pues todos habrán sufrido. Não haverá incertezas
Ya no tendremos desidia Seremos mais compassivos.
Seremos más compasivos. O bem comum valerá
Valdrá más lo que es de todos Como jamais conseguimos.
Que lo jamás conseguido Seremos mais generosos
Seremos más generosos E bem mais comprometidos.
Y mucho más comprometidos.
Entendemos lo frágil Entenderemos o frágil
Que significa estar vivos. Tão só por estarmos vivos.
Sudaremos empatía Sentiremos empatia
Entendemos lo frágil Entenderemos o frágil
Que significa estar vivos. Tão só por estarmos vivos.
Sudaremos empatía Sentiremos empatia
Por quien está ya se ha ido. Por quem está ou se foi.
Que pedía en el mercado, Que pedia no mercado,
Que no supimos su nombre Que o nome não sabíamos
Y siempre estuvo a tu lado. Mesmo estando ao teu lado.
Y quizás el viejo pobre Quem sabe o pobre velho,
Era tu Dios disfrazado. Era o teu Deus disfarçado.
Y todo será un milagro Tudo será um milagre,
Y todo será un legado Tudo será um legado,
Y se respetará la vida. Se respeitará a vida
La vida que hemos ganado. Como um dom que nos foi dado.
Cuando la tormenta pase Quando a tormenta passar
Te pido Dios, apenado, Te peço, oh Deus, apenado,
que nos devuelvas mejores, Que nos devolvas melhores,
Como lo habías soñado. Como tu havias sonhado!
Frei Beto é escritor de inúmeros livros, entre os quais o"O diabo na Corte -
leitura critica do Brasil atual" , Ed. Cortez.
Fonte do artigo: https://leonardoboff.org/2020/05/29/frei-betto-etica-em-tempos-de-pandemia/
leitura critica do Brasil atual" , Ed. Cortez.
Fonte do artigo: https://leonardoboff.org/2020/05/29/frei-betto-etica-em-tempos-de-pandemia/
Ouça o poema recitado pelo autor Alexis Valdés
Poema recitado em uma live:
https://youtu.be/MPxyRvoL6sg
Crédito da Imagens:
1. Foto de abertura - www. canstockphoto.com.br
2. Frei Betto - reproduçãao/divulgação
3. Alexis Valdés - Foto imagem do vídeo da canção acima reproduzida,
1. Foto de abertura - www. canstockphoto.com.br
2. Frei Betto - reproduçãao/divulgação
3. Alexis Valdés - Foto imagem do vídeo da canção acima reproduzida,
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja retirada desta publicação, por favor entre em contato conosco fazendo um comentário nesta postagem.
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