Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

NEGROS E FAVELADOS PRESENTES NO DIÁLOGO POLÍTICO

13 setembro, 2017

Há boas notícias de ampliação da presença de favelados e negros nas questões políticas do país. 

Integrantes de uma nova legenda, a Frente Favela Brasil protocolou, no TSE, o registro civil de um novo partido, o 38º no quadro político do país.  

Ao divulgar essa notícia, o site g1.globo.com, registra que o músico Rappin Wood brincou: "Agora, a gente vai saber o que acontece lá dentro". E MV Bill  (o rapper) pontuou:  "É um passo importante, mas ainda é pequeno se a gente for olhar a distância da caminhada que a gente tem ainda pela frente. Não dá pra iludir que vai ser uma luta fácil, porque não vai ser. A gente vai levar porrada o tempo inteiro, mas vai ter mão pra bater. Vamos ser questionados a todo momento, toda hora e a gente vai ter que ser muito forte".  De acordo com Derson Maia, um dos participantes da legenda, o objetivo é dar voz à parte da população que é "esquecida" pela política atual.

Demonstrando a visão de quem deseja cultivar valores que unem, na política, e que estimulam a abertura ao diálogo e à cidadania, Patrícia Alencar — a presidente do novo partido, que divide a responsabilidade com Wanderson Maia, — afirmou: "É uma forma da gente igualar mais as decisões. As mulheres são uma força pouco ouvida no país, e são as que mais entendem e têm o poder do diálogo"

A fala de Patricia Alencar me fez pensar em mulheres negras que têm promovido êxitos com sua visão dialogal, como a nossa intrépida Benedita da Silva que conseguiu o grande feito, no Congresso Nacional, da inserção das domésticas na CLT (que viviam à mercê da boa vontade dos patrões, para serem respeitadas), que hoje têm os seus direitos igualados aos dos outros trabalhadores brasileiros. Benedita da Silva foi a primeira mulher negra a ocupar cargos de senadora e governadora no Brasil. 
Segue a entrevista.

"Queremos o preto e o favelado no centro do processo decisório".

Wanderson Maia 
é entrevistado 
por Débora Melo 
Carta Capital, 12/09/17



Frente Favela Brasil quer se tornar partido. Movimento é progressista, mas não se identifica com a atual esquerda brasileira, diz seu presidente
Com a crítica de que os partidos que estão no poder não têm discutido temas como o genocídio da população negra e as incursões policiais nas periferias do País, a Frente Favela Brasil luta para se transformar em legenda.

Lançado em 2016, o movimento acaba de protocolar um pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e agora corre para coletar quase 500 mil assinaturas para se transformar no 36º partido político brasileiro. Se fizer isso até outubro próximo, poderá disputar as eleições de 2018.

O principal objetivo da sigla é combater as desigualdades que assolam o povo negro e 
periférico por meio da construção de um "projeto de oportunidades". A diferença, diz o presidente Wanderson Maia, de 28 anos, é que, em vez de buscar terceiros que a represente, a Frente Favela vai atuar para colocar o preto e o favelado nos espaços de poder. “Todos nós sempre estivemos longe do debate político central”, afirma Maia, que vive em Brasília.

Servidor público e cientista político, Maia divide a presidência do partido com Patrícia Alencar. Na Frente Favela, a ideia é que 50% dos quadros partidários sejam compostos por mulheres.

Nesta entrevista a CartaCapital, Wanderson Maia fala sobre os planos do partido. A legenda quer representar os 54% da população brasileira que se autodeclaram pretos ou pardos e, embora defenda pautas progressistas, o movimento não se identifica com a esquerda brasileira. "Levamos bandeiras históricas da esquerda, mas não nos sentimos contemplados pelos partidos que aqui estão."

CartaCapital: Por que a Frente Favela Brasil quer se tornar partido? Qual o objetivo?

Wanderson Maia: O objetivo central da Frente Favela é promover a igualdade de oportunidades para os pretos e para os favelados e periféricos de todo o País. 

Precisamos ter a consciência étnico-racial de que os negros foram alijados de toda a estrutura social, a eles foram renegados vários direitos fundamentais. No governo, a esquerda promoveu algumas políticas de inclusão, mas algo ainda residual para a realidade negra do Brasil e para a realidade daqueles que vivem em comunidades periféricas.

Todos nós, tanto negros quanto favelados, sempre estivemos longe do debate político central, longe dos temas centrais dos programas dos partidos tradicionais. Então, além de promover a igualdade de oportunidades, o partido pretende promover a auto-organização do povo negro e favelado para que possam participar politicamente a partir da nossa estrutura partidária. Queremos o preto e o favelado no centro do processo decisório.

Hoje, os negros participam da política em seus guetos partidários, sendo representados por aqueles que sempre estiveram no processo decisório político: os brancos das classes mais abastadas do País. Então a ideia é fazer com que a envergadura do partido sejam os negros, as mulheres e os favelados.

CC: A Frente Favela foi lançada em 2016, e vocês já disseram que o impeachment de Dilma Rousseff influenciou o movimento. Como se deu essa influência?

WM - Naquele momento houve no País uma falsa polarização, como se estivessem em disputa dois modelos de fazer política totalmente diferentes um do outro, azul e vermelho. Isso nos influenciou porque, naquele contexto do impeachment, havia um debate interno de onde nós deveríamos nos enquadrar.

Essa foi uma cobrança que a polarização exerceu sobre todos os brasileiros, cada cidadão deveria ser ou coxinha ou petralha, ou azul ou vermelho. Isso colocou para nós, pretos e favelados, uma reflexão. Em que momento o genocídio da população negra está sendo discutido no PT ou no PSDB? Em que momento questões como as incursões policiais nas favelas, que são caras para a população preta e para a população periférica, estão sendo discutidas?

O Estado de exceção já existia para a população periférica, que sempre viveu a ausência da Constituição, a ausência da garantia de seus direitos fundamentais. Isso não foi plataforma política em momento algum, nem na campanha eleitoral de 2014, nem no debate do impeachment, nem na discussão sobre a superação da crise econômica. Nós evocamos a frase de uma das teóricas que temos como referência, que é a Sueli Carneiro, feminista negra: Entre esquerda e direita, nós permanecemos pretos.

CC - Se o partido for criado de fato, de que forma vocês vão se apresentar ideologicamente? Esquerda ou direita?


WM - É claro que as nossas bandeiras históricas têm muito mais familiaridade com as bandeiras da esquerda, do bem-estar social, da intervenção do Estado em alguns aspectos da economia. Mas esse debate do genocídio da população negra, da violência que afeta as nossas comunidades, seja pela ausência do Estado, seja pela presença do Estado de maneira violenta, esse debate gera questões políticas que, para nós, são diferentes do debate da esquerda atual.

Então é assim que a gente se posiciona: levamos bandeiras históricas da esquerda, mas não nos sentimos contemplados pelos partidos de esquerda que aqui estão.

CC - Quais são as outras bandeiras?


WM - Valorização da nossa história e da cultura negra; oportunidades de
 trabalho e pleno emprego; e educação pública, gratuita e de qualidade. São bandeiras que o campo de esquerda vem trazendo, mas com a diferença central da estrutura partidária e de representação. Essa é a inovação que o Frente Favela traz. O partido não traz as bandeiras históricas apenas em teoria, como ideologia programática no estatuto da legenda, mas procura trazer o protagonismo de cada favelado e cada preto do País. São eles que vão compor as diretorias municipais, estaduais e nacional do partido. É nessa questão da representação que a gente quer atuar como diferencial dentro da esquerda.

CC - Vocês já estão escolhendo os candidatos que eventualmente disputariam as eleições pelo Frente Favela? O rapper MV Bill está sendo cotado?

WM - Definitivamente ainda não estamos nessa discussão eleitoral de quem serão os nossos pré-candidatos ou os nossos futuros candidatos. Estamos na fase de construção da estrutura interna do partido e da coleta de assinaturas.

Com a legenda na mão, com o registro do partido proclamado pelo Tribunal Superior Eleitoral, aí sim faremos as prévias, as discussões e as convenções do partido para debater de que forma vamos nos colocar no quesito eleitoral.

Por enquanto nós temos o apoio de vários artistas, de pessoas que se identificaram com o nosso programa e que estão somando na organização interna do partido. O MV Bill e outros artistas, intelectuais negros e pessoas que estão na mídia e que vêm desse contexto de subúrbio ou favela, a participação deles gira em torno não de candidaturas, mas de apoio ao partido, de fazer a Frente Favela acontecer.


CC - Vocês precisam de quase 500 mil assinaturas para obter o registro junto ao TSE. E, para que possam disputar as eleições de 2018, vocês têm menos dois meses para fazer isso. Qual a expectativa? Vai dar tempo?

WM - Nós estamos com uma expectativa bastante otimista porque muita gente tem nos procurado se colocando à disposição como voluntário, para fazer acontecer as assinaturas. Estamos crescendo muito em termos de organização e acho que vai ser possível.

As pessoas têm olhado para o sistema político atual e não têm visto nada parecido com a iniciativa do Frente Favela. E as pessoas têm entendido que o nosso partido pode ser uma alternativa a todos esses gargalos que existem no sistema político atual, no sentido de que pode ser interessante mudar os atores para [colocar no poder] alguém que tenha os pés na comunidade, que realmente use o Sistema Único de Saúde.

CC - Como vocês veem a questão da política real, a formação de alianças? De que forma vocês vão se colocar?

WM - Ainda estamos maturando essa questão das alianças porque, se você ainda não é um partido, essa política real naturalmente fica um pouco distante. Mas vamos compor com quem tenha real compromisso com as nossas bandeiras, com aquilo que de fato vai beneficiar o povo pobre, de favela, de periferia e os negros.

CC - Você falou sobre genocídio da população negra e incursões policiais violentas nas favelas. Dentro das bandeiras que o Frente Favela vai defender está prevista também a discussão de uma nova política de drogas?

WM - Nós ainda não avançamos muito nesse debate, não conseguimos definir uma plataforma. Precisamos aprofundar a pauta da segurança. Estamos esperando passar esse processo de coleta de assinaturas e de convenções partidárias para poder tirar uma posição fechada.

Mas nós acreditamos que a forma como a segurança é exercida pelo Estado precisa mudar sem dúvida alguma. Porque, no modelo que está colocado atualmente, o combate às drogas e as incursões policiais são muito em função dessa guerra às drogas, que acaba prejudicando a população mais pobre do País. Muitos inocentes morrem nessas incursões policiais. Na prática, a guerra às drogas acaba virando uma guerra aos pobres.

Então isso já demonstra que a política de drogas atual está calcada em preconceito. Há muito para desmistificar na sociedade, mas para isso é preciso um debate mais profundo com todos que estão compondo o partido para que a gente apresente alternativas. Porque fica difícil eu dizer algumas questões que a gente possa defender em política de drogas sem propor alternativas a esse modelo que aí está. E a sugestão envolve políticas de saúde, de segurança pública, várias questões transversais.

CC - O partido defende a igualdade de gênero. Porque essa questão é importante para vocês?

WM - É importante porque a maioria da população com a qual a gente dialoga são as mães de família. A gente não pode negar isso, não pode negar o papel que as donas de casa têm no processo de mobilização política, de participação comunitária. A voz dessa mulher é fundamental para discutirmos políticas para as mulheres e outras questões transversais como saúde e educação.

Ter igualdade de gênero é fundamental para que a gente consiga dialogar de fato com as nossas origens populares, e é por isso que 50% de todas as instâncias partidárias devem ser preenchidas por mulheres, desde o diretório municipal até o nacional.

CC - Para encerrar, gostaria que você explicasse como vai funcionar essa regra de que parlamentares eventualmente eleitos pelo Frente Favela terão que doar 50% de seus salários.

WM - Todos os parlamentares eleitos terão que doar 50% de seus salários para uma fundação que está em processo de criação junto à fundação do partido. A ideia é que essa fundação possa beneficiar as comunidades nas área social, em saúde e educação.

Nós também queremos reduzir a ideia de que a vida política é uma trajetória de enriquecimento pessoal. Um salário de 33 mil reais [deputado federal], mesmo que reduzido a 50%, é um bom salário. Para quem veio da realidade de comunidade, de periferia, ou para quem é negro e tem os piores salários, quando comparados aos de outras etnias, é um bom salário. E a outra metade do dinheiro poderá retornar à comunidade que o elegeu, em benefícios para a sociedade.

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Texto da Entrevista: https://www.cartacapital.com.br/politica/queremos-o-preto-e-o-favelado-no-centro-do-processo-decisorio

Créditos das Imagens:

1. Patrícia Alencar no lançamento da Frente Favela Brasil, no Morro da Providência, no Rio - www.carta.capital.com.br  
2. Benedita da Silva - Senadora - Foto ranking de 1ª mulher negra a                   conquistar cargos eletivos no Brasil.
3. Militantes da Frente Favela Brasil foram à sede do TSE, em Brasília, acompanhar pedido de registro da nova legenda (Foto: Vinícius Cassela, G1)
https://g1.globo.com/politica/noticia/frente-favela-brasil-protocola-no-tse-registro-civil-para-se-tornar-partido.ghtml
4. Grupo de formação feminina negra na Uneafro - Reprodução.
5. Faixa da Frente Favela Popular www.carta.capital.com.br  
6. Jovens negros emparedados pela polícia em favela do Rio de Janeiro - Em:https://oglobo.globo.com/rio/policia-faz-operacao-nas-favelas-nova-holanda-parque-uniao - Foto de Celso Meira
7. Operação policial numa favela do Rio de Janeiro - 
www.abril.com.br/cprteodj-condena-brasil-por-violacao-em-incursoes-em-favela
8. É justo? Garoto na favela - www.gamalivre.com
9. O ator Lázaro Ramos e os ativistas Celso Athayde, Preto Zezé e Eliana Custódio no lançamento da Frente Favela em 2016, no Morro da Providência, no Rio (Foto: Agência Brasil)

Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com  







OS JOVENS ÀS ESCURAS

04 setembro, 2017

A Sociedade brasileira está amedrontada. Medo do desconhecido, medo de ser roubado violentado ou assaltado; medo de perder o emprego, medo de ser suplantado por outro no trabalho, medo de não chegar aos 70 anos para se aposentar; medo que o Brasil continue nesta marcha à ré sem remédio e que esta situação toda promova "uma crescente inquietação popular ligada às condições de trabalho, a esse descompasso entre qualificação e emprego"... E muito muito medo de perder a Esperança diante da temeridade da maioria dos que hoje têm a responsabilidade de governar o país, em todas as suas expressões de poder. 

Para iniciar uma reflexão básica sobre esses tantos medos e suas causas, publicamos hoje alguns dados trazidos de um artigo assinado pela jornalista Dimalice Nunes, da Carta Capital, sobre os "elevados índices de desemprego que comprometem o desenvolvimento e ajudam a construir uma sociedade  mais suscetível a radicalismos políticos dos jovens e das suas possibilidades para o futuro do país".  

Segue o artigo, ao qual foram acrescentados subtítulos no intuito de facilitar a leitura:
  
                                                    
O dilema não é novo. Para entrar no mercado de trabalho o jovem precisa de experiência. Mas como ter experiência sem uma primeira chance? Em momentos de crise como o atual, a questão se acirra. 

E para além da frustração que atinge em cheio todo o contingente de jovens sem emprego, desperdiçar essa força de trabalho traz efeitos negativos para o desenvolvimento e gera um desalento social que tem efeitos também sobre a vida política do país. 

A taxa de desemprego atinge 13% da população ativa, mas para os jovens de 18 a 24 anos ela chega a 27,3% segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Os dados comprovam que está se fechando um cerco na empregabilidade do jovem”, afirma Ricardo Henriques, economista do Instituto Unibanco.        
                         
Nos cortes das empresas os jovens são os primeiros 


Quando as empresas recuam na contratação, ou decidem demitir, optam pelos jovens. "Quando eles entram no mercado de trabalho, têm pouca ou nenhuma experiência profissional, e necessariamente precisam ser treinados pelas empresas, o que gera custo”, resume o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho Ruy Braga.


É no custo também que mora a predileção pela mão de obra jovem na hora dos cortes. Em países com regime de proteção do trabalho, que contabiliza o valor das verbas rescisórias pelo tempo de serviço prestado à empresa, demitir um jovem é mais barato do que dispensar um veterano. "Isso não só no Brasil, em qualquer país mais ou menos desenvolvido se percebe. Cortar jovens diminui o ônus patronal, reduz os custos rescisórios", explica Braga. 

O Brasil não está sozinho, trata-se de uma característica do desemprego e do subemprego mundial. Na comparação entre os países, tanto nos europeus como Espanha e Itália, ou nos países em desenvolvimento como Argentina e México, percebe-se que a taxa de desemprego entre os jovens é mais elevada. Na África do Sul, por exemplo, é o dobro. O mesmo acontece na Espanha, onde a taxa de desemprego entre os jovens gravita em 50% enquanto a taxa média é 22%. "Ou seja, encontramos aí uma série de elementos comparativamente falando que reforçam a ideia de que o desemprego é muito mais frequente entre os jovens", afirma Braga.

A  melhora  da  qualificação  tampouco  foi  capaz  de  melhorar  os índices de inserção  dos  jovens no mercado de trabalho.  O Brasil tem hoje uma geração bem mais educada pelo ensino formal do que as anteriores, mas a dificuldade de iniciar sua carreira na área pretendida é maior.

Ruy Braga explica que houve nos últimos 30 anos, mesmo nos países periféricos do capitalismo como o Brasil, um aumento geral do investimento da sociedade em educação. No caso brasileiro ocorreu um salto em termos de aumento de vagas no Ensino Médio, mirando a universalização, ao ponto de transformar este no patamar mínimo de entrada no mercado de trabalho.

Houve também um aumento do investimento na formação universitária, que pulou no começo da década de 2000 de 7% da população jovem matriculada na universidade para 18% em 2010. "Isso significa que de fato essa juventude é mais qualificada, do ponto de vista da escolaridade formal, do que a geração anterior."


Geração desperdiçada: carência de investimento público e empresarial 


No entanto, a qualificação não define, por si só, a elasticidade da oferta do emprego. O que define é o investimento das empresas e do estado, ressalta o sociólogo. Uma falta de investimento acentuada pela crise econômica aqui e no mundo. "Todos esses fatores fazem com que essa massa de jovens mais qualificados seja desperdiçada, uma geração ameaçada. Ao mesmo tempo que ela é mais qualificada, encontra condições muito mais duras de acesso ao mercado de trabalho", afirma Braga.

Embora haja uma melhora na chegada do jovem à graduação, a dificuldade de acesso à educação persiste. Como explica o economista Ricardo Henriques, o direito à educação é a principal porta que abre o caminho para outros direitos. "A cada momento que a escola abre mão de se dedicar à aprendizagem dos seus estudantes, ela está aumentando o custo da sociedade e aumentando a desigualdade".

De acordo com o relatório Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, que acaba de ser divulgado pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância e Adolescência (Unicef), existem hoje no país 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora da escola. Desse total, 57% são jovens entre 15 e 17 anos. "Os dados revelam que a maioria dos estudantes abandona a escola antes mesmo de completar o Ensino Fundamental, formando um subgrupo mais vulnerável, com alta probabilidade de inserção precária no mercado de trabalho e entrando em um círculo vicioso de subemprego e desemprego", completa o economista. Não por acaso, segundo o IBGE, o desemprego entre adolescentes de 14 a 17 anos é de 43%.


Além do desemprego, a precarização


Há ainda uma mudança na estrutura sócio-ocupacional de países como o Brasil. Enquanto entre as décadas de 60 e 80 o emprego estava concentrado nas ocupações que pagavam entre 3 e 5 salários mínimos, normalmente na indústria, houve uma migração desses postos de trabalho. As vagas que pedem treinamento técnico foram minguando em benefício de ocupações no setor de serviços. Isso significa que na década de 2000 a 2010 o motor do emprego se concentrou em postos que pagam de 1 e 1,5 salário mínimo.

"Isso denota a universalização de um tipo de emprego que paga muito mal e que eu considero subemprego, porque não exige qualificação especial e tem taxa de rotatividade alta", explica Ruy Braga. Uma das pesquisas do sociólogo foi no setor de call-centers, tradicional porta de entrada do jovem urbano no mundo do trabalho. 

Num cenário em que a maioria dos universitários depende de sua própria renda para se manter na universidade, mas não consegue postos que fujam do subemprego mesmo depois da formatura, há uma frustração óbvia. "Eles usavam o call-center como uma possibilidade de pagar a faculdade, mas quando terminavam, voltavam para o call-center o que, evidentemente, gera uma grande frustração", define Braga. 

Condições de trabalho e descompasso entre qualificação e emprego

O efeito social é uma crescente inquietação popular ligada às condições de trabalho, a esse descompasso entre qualificação e emprego, ao nível de remuneração e principalmente uma inquietação alimentada pelo aumento do endividamento, completa Braga. De um lado, há uma oferta de emprego restrita e que paga muito pouco. Do outro, a baixa remuneração, articulada a uma mercantilização generalizada dos serviços sociais – da educação, da saúde, das terras urbanas – gera endividamento. "E o endividamento produz uma sensação generalizada de desalento, que se torna mais dramática quando o indivíduo perde o emprego. Há uma espiral descendente que acaba aumentando o que podemos chamar genericamente de ressentimento social". 

É essa raiva, mais ou menos latente, que pode eventualmente explodir ou assumir formas radicais, especialmente em processos eleitorais. "No caso brasileiro, o voto de protesto ou um aumento das intenções de voto para um Bolsanaro ou algo do estilo. Esse ressentimento social é um sentimento verdadeiramente muito perigoso", pontua Braga.

Limbo irreversível : às margens da demanda da sociedade

Quando se tira do jovem a chance de se desenvolver como indivíduo autônomo, toda a sociedade sofre as consequências. O Brasil está perdendo o bônus demográfico – 51,3 milhões de jovens de 15 a 29 anos em 2008 – sem conseguir investir fortemente na educação desse contingente para que, em 20 anos, pudesse haver uma população economicamente ativa altamente qualificada que sustentasse o projeto de desenvolvimento do Brasil.

"A projeção para a juventude em 2030/2040 pode ser de uma posição de limbo irreversível, à margem das demandas da sociedade do conhecimento e com pouca ou nenhuma capacidade de adaptação às condições objetivas do mundo do trabalho desta época", explica Ricardo Henriques. Para este economista, o Brasil não irá se desenvolver plenamente sem combater as históricas desigualdades sociais, econômicas e culturais, opinião compartilhada por Ruy Braga. 

"Quando uma geração é desperdiçada se perde a dinâmica do mercado de trabalho, que se torna concentrado no subemprego. É um desperdício de experiência social muito dramático para o país. E evidentemente isso tem um efeito que é o comprometimento do futuro desenvolvimento nacional."

E se o Brasil, apesar de algum avanço, ainda está muito aquém nos índices de qualificação, a generalização do desemprego ou do subemprego entre os jovens tende a impedir que eles estudem, em especial na graduação, majoritariamente paga. A experiência histórica brasileira mostra que as classes populares, as classes trabalhadoras, buscam qualificação. "E essa busca, que é a única maneira de ascensão de fato do ponto de vista da renda, se apoia no próprio esforço do trabalhador. É um comportamento social generalizado na base da pirâmide salarial", explica Braga.

Se as condições do mercado de trabalho pioram, essa busca de qualificação tende a se tornar ainda mais problemática, gerando não apenas frustração como também uma perda generalizada de qualificaçãoO que se tem, segundo o sociólogo, é uma outra fonte de tensão social: as pessoas querem se qualificar, mas não conseguem acesso aos meios capazes de fazer com que eles deem esse salto. "Isso tende não apenas a bloquear o desenvolvimento nacional, mas também a aumentar a frustração com o mercado de trabalho", conclui Braga.

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Fonte do texto: Carta CapitalSociedade/Mercado de Trabalho
Título: Alto desemprego entre jovens produziu "geração desperdiçada"
Por: Dimalice Nunes — publicado 29/08/2017 

Crédito das Imagens:

1. O Brasil às escuras - www.canstockphoto.com.br
2. Jovem apendiz - idem
3. Curriculum Vitae - idem
4. Os mais atingidos: jovens e negros - idem
5. Sebrae - reprodução
6. Crianças fora da escola - www.diariodonordeste.verdesmares.com.br
7. Carteira de Trabalho - www.canstockphoto
8. Call-center - idem
9. Campus Universitário - idem

Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com vrblog@hotmail.com  

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