Não poderia deixar de publicar a mensagem abaixo, de Celso Pinto Carias, assessor da CEBs Brasil, como um gesto de apoio à sugestão por ele apresentada em 28.05.2020, à CNBB. E gostaria de pedir aos leitores que, por favor, disseminem esta mensagem como lhe for possível, e façam seus comentários.
A CNBB é uma instituição representativa da comunidade eclesial brasileira e, portanto, neste momento, como outras instituições representativas da sociedade brasileira organizada, não poderia omitir a sua palavra e, certamente, também o seu gesto diante de tanta agonia por que passa o nosso povo.
Gostei da inspiração do autor em Ariano Suassuna, que tão bem entendia do povo sofrido do Nordeste. Assim, da minha parte, "faço o pouco que me cabe", reproduzindo a sua mensagem, como uma forma de buscar apoio para nossos irmãos que sofrem, cristãos e não cristãos, e especialmente os mais vulneráveis, perdidos na agonia do Covid-19, deixados a seus destinos, mas sempre à espera que "Deus proverá!"
Sabe-se de muitos gestos que têm surgido, aqui e ali, através de grupos de amigos, de organizações sociais, e de pessoas chocadas com tanto sofrimento e desamparo. Mas, a CNBB, sem dúvida, tem muitos meios de fazer-se presente, e de promover mobilizações de apoio. Não são apenas os doentes que esperam o conforto dos seus pastores, e de nós todos, seus irmãos, mas há incontáveis aflitos de muitas necessidades, e há também os mais de 11 milhões de desempregados e outros inumeráveis desalentados, que mereceriam o nosso olhar, enquanto seguidores de Jesus Cristo.
A IHU, que publicou originalmente a referida carta, faz a apresentação do autor.
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CARTA ABERTA
À IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA
DO BRASIL
"A fé
cristã, com todos os problemas históricos que não se pode negar, sempre teve o carisma da unidade, do diálogo, da paz e da solidariedade. Então, uma
humilde sugestão para a nossa realidade brasileira, que pode ser exemplo para o
mundo: a CNBB, através de sua presidência, poderia ser a mediadora
de um grande debate virtual para garantir a democracia", escreve Celso Pinto Carias, doutor em Teologia
pela PUC-Rio, assessor das CEBs do Brasil e do Setor CEBs da Comissão Pastoral
Episcopal para o Laicato da CNBB e, nas palavras do autor, "um mendigo de
Deus". Segue a mensagem.
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“Como sou pouco e sei pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando por inteiro”.
(Ariano Suassuna)
faço o pouco que me cabe
me dando por inteiro”.
(Ariano Suassuna)
No dia seguinte a
exibição da reunião ministerial liberada pelo
ministro do Supremo Celso de Melo, um padre muito meu amigo
fez um pedido inusitado: fazer uma nota pedindo que a CNBB se
pronunciasse a respeito. Respondi dizendo que não estava muito inspirado, pois
me sentia navegando em um barco à vela, sem vento, sem bússola e em uma noite
sem estrelas. E certamente, a CNBB não faria tal nota. Mas
este padre é um santo homem, e aí resolvi escrever esta carta aberta. Não sei
se vai ao encontro do amigo. Mas vou tentar.
Mais algumas
coisas, além da santidade do padre, motivaram-me. Lembrei-me de um filme que eu
e família assistimos na semana passada: “A menina que roubava livros”.
Em uma cena na qual um judeu está sendo levado pelos nazistas, conhecido dos
moradores da localidade de longa data, e um personagem vai ao encontro da
polícia dizer que o judeu era um bom homem. É empurrado e bate com a cabeça no
chão. Em casa a menina pergunta: “Por que eles fizeram isto com o senhor?”
Resposta: “Minha ação tentou mostrar a humanidade deles, e
neste momento eles odeiam isso”.
A outra foi o
término da homilia de domingo passado (24/05) do padre que acompanha a
Comunidade que participo (Batismo do Senhor) em Duque de Caxias,
RJ (Estamos fazendo orações simultâneas duas vezes por dia pelo Whatsapp
e domingo comungamos da Palavra, claro em nossas casas. O padre faz uma breve
homilia). No final ele disse: “Jesus é a nossa humanidade junto de Deus”.
E ainda encontrei a frase do Suassuna no
facebook de um amigo.
Ora, em que uma
cartinha “mixuruca” poderia alterar neste quadro um tanto quanto desolador? Não
sei. Mas sei que não quero sentir minha humanidade se esvaindo
e, como seguidor de Jesus Cristo, gostaria, pela mediação Dele,
sentir minha humanidade junto de Deus. E aí, resolvi dizer algumas palavras.
Na Conferência de Aparecida, em 2007, os bispos
da América Latina e do Caribe já observaram que estamos diante de uma grave
crise. Crise que vem se aprofundando, e em vários níveis: social,
político, econômico e cultural.
E agora, diante de
tal crise, aparece a pandemia pelo coronavírus. E se a covid-19,
doença provocada pelo vírus, parasse de matar agora, já teria causado uma das
mais violentas tragédias dos últimos tempos. Muitos podem perguntar: “E daí?
Vamos rezar pelo fim da crise e da pandemia e pronto”. Porém, não posso me
conformar com isso. A oração é antes mais nada um ato de comunhão com
Deus, e não um balcão de negócios.
Não posso me
conformar que uma primeira iniciativa, logo no início do isolamento,
de algumas dioceses, tenha sido organizar como o dízimo seria pago.
Evidentemente sei da necessidade da manutenção. Sei também, principalmente, que
graças a Deus muitas iniciativas de solidariedade surgiram e continuam a
acontecer. Mas a situação é muito grave. Grave porque há uma crise que
ultrapassa uma doença virótica altamente perigosa. E por favor, quem diz não é
um modesto teólogo da Baixada Fluminense, mas a grande maioria dos
infectologistas e centros de pesquisa do mundo, das mais diversas
concepções ideológicas.
Muita dificuldade
para entender como setores que se afirmam cristãos, com um legado cultural que
fez surgir de Agostinho a Teilhard de Chardin, homens e mulheres
inspirados pelo Caminho de Jesus, com enorme capacidade de diálogo
com a realidade da vida, possa reduzir a análise do que está acontecendo pelo
víeis moral e com concepções ideológicas de baixíssimo valor
intelectual.
Não é possível,
repito, não é possível, que depois de tantas figuras emblemáticas na realidade
cultural, ainda haja cristãos e cristãs que se colocam do lado da mais absurda
ignorância.
Bem antes da pandemia,
quando algumas revelações começaram a aparecer quanto ao governo atual, um
bispo me disse: “Tudo bem, o importante é que tiramos a esquerda”. Depois da
queda do Muro de Berlim, o que é esquerda e direita?
Diria o meu mestre na arte de refletir teologia: “O dualismo
antropológico platônico continua forte, gordo e corado”. O bem e o
mal, anjos e demônios, fé e vida, e por aí vai. Um maniqueísmo que parece não
cessar nunca. É difícil compreender que Deus criou a vida por inteiro? Que não
há competição entre corpo e alma? Que é uma unidade?
Não se trata de
defender governo “A” ou atacar governo “B”. Não se trata de “torcer” para dar
certo ou errado, como se estivéssemos em um torneio de política. A realidade
política, social e econômica é bem mais complexa que uma partida de futebol.
“Ah, tá bom, a reunião foi ridícula, mas é melhor defender a família, Deus, etc. do que aqueles
ladrões e aborteiros esquerdistas”. Custo a acreditar que pessoas com formação
filosófica e teológica façam análises tão rasteiras.
Pergunto-me, apenas
pergunto, se por trás de desculpas tão grosseiras não estaria uma perspectiva
de manutenção de privilégios? Rotula-se determinados conceitos como
demoníacos e aí nenhum debate prospera. Cultiva-se ódio, prega-se violência, apoiam-se em fundamentalismos
bíblicos que estão superados faz décadas, para iludir um povo
muito religioso e que sempre sofreu sob o impacto da injustiça. Recordam que
havia teologia para justificar a escravidão?
Alguém é capaz de negar?
Irmãos e irmãs. A situação é
dramática. Sabe-se que já havia uma crise econômica que espreitava o
planeta. A pandemia certamente será uma grande justificativa
para aprofundar ainda mais dores e sofrimentos ao povo. E todos nós que
trabalhamos com o simbólico não podemos ser instrumentalizados pelo poder da
acumulação, mas devemos estar a serviço do outro e da outra. Devemos lavar os
pés uns dos outros. Ou achamos que o serviço foi só um teatro de Jesus de
Nazaré? “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus” (Fl 2,5).
Assim sendo, somos
interpelados, em profunda comunhão com o Pai, por meio de Jesus Cristo, em
unidade com o Espírito Santo, a agir como homens e mulheres que acreditam no
Amor de Deus. Nestes dias o Evangelho de João tem nos alertado
que poderemos sofrer tribulações. Mas vamos
nos omitir?
Durante a pandemia devemos
escutar a voz de quem estuda com profundidade tal situação. Podem errar?
Naturalmente. Mas na dúvida não ultrapasse. Por que pressa em abrir as igrejas?
Parecemos aqueles setores que acreditam ser a economia mais importante que a vida. E o Papa
Francisco já alertou: “Esta economia mata”
(EG). A pandemia nos alerta para reconstruir o caminho
espiritual de nossa fé, que pode estar centrada em prédios e não na Comunidade
propriamente. Que pode estar centrada em vaidades pessoais na lógica do sucesso
midiático. Voltemos a sinodalidade da
origem de nossa fé. Mais do que nunca é preciso caminhar juntos.
A fé cristã,
com todos os problemas históricos que não se pode negar, sempre teve o carisma
da unidade, do diálogo, da paz e da solidariedade. Então, uma humilde sugestão
para a nossa realidade brasileira, que pode ser exemplo para o mundo: a CNBB,
através de sua presidência, poderia ser a mediadora de um grande debate virtual
para garantir a democracia. A Igreja sozinha não
consegue. Sozinho ninguém consegue. Mas podemos tentar unir todos os setores
sociais que acreditam que os direitos humanos são valores fundamentais desenvolvidos
pelo mundo moderno, e não uma ONG para defender bandidos.
Pelo amor de Deus.
Não existe intervenção militar democrática. Sabemos que a democracia não é
perfeita. Aliás, a democracia representativa já
deu sinais claros de esgotamento. Precisamos caminhar para uma democracia participativa. Mas como diria Winston Churchil: “A democracia é
a pior forma de governo, com exceção de todas as outras”.
Não deixemos que
a institucionalidade cristã, mais uma vez, precise no futuro
explicar por que se deixou envolver com o que tem de pior na sociedade. Que um
futuro papa não tenha que repetir o grandioso gesto de São João Paulo
II em pedir perdão por erros que foram cometidos no passado.
Sejamos capazes de
nutrir aquela esperança apocalíptica dos primeiros
tempos: “Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o
seu povo, e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos
seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor
haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!” (Ap 21, 3-4).
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Carta Aberta à Igreja Apostólica Romana do Brasil
Por: Celso Pinto Carias - http://www.ihu.unisinos.br/ em 28/05/2020.
Nota do autor:
Pela Graça de Deus
sou doutor em Teologia pela PUC-Rio. Consegui até publicar livros. Hoje, além
de professor na PUC, sou assessor das CEBs do Brasil e do Setor CEBs da
Comissão Pastoral Episcopal para o Laicato da CNBB. Mas gosto de me
apresentar como “mendigo de Deus”, expressão que encontrei em um livro
de teologia para designar o trabalho teológico: um pedinte diante de Deus. Que
Ele tenha misericórdia do nosso Brasil, sobretudo dos excluídos morrendo
de covid-19 e familiares recebendo o atestado de óbito
como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) sem ter o luto
respeitado.
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1. www.cebsdobrasil.com.br - 5/09/2019_115333.jpg
2. Celso Pinto Carias - www.cebsdobrasil.com.br
3. Dois livros do autor - divulgação.
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