Assim, elas chegam sem
avisar, as memórias, e nos levam de volta à infância, a minha lá no sertão do
Moxotó, banho de bica no calçadão da igreja, correria às tanajuras em buliçosa cortina
esvoaçante, (fartura de macaxeira, jerimum, melancia e goiaba) – jumentos
amarrados nos pés de algaroba, pão-doce mordido no caminho de casa, brinquedos de
barro e bonecas de pano na feira de rua (um shopping
center esparramado na poeira do chão), e quanta alegria!
Às seis da tarde o badalo
triste do sino, a melodia a se espalhar num céu azul brilhante e sem nuvens, se não chover como fica a plantação, em março nem sinal, essa esperança
da festa de São José (inda vejo a correria ao primeiro sinal de luz, nove da
noite todo mundo pra casa, vão desligar o motor!) e a misturança de sabores do doce
de mamão com coco, goiabada e bananada, rapadura com farinha, a meninada
a rodear a praça ao som da rádio difusora - índia
teus cabelos nos ombros caídos, negros como a noite que não tem luar! - e
os ecos tristes de folhas mortas, você é
jornal de ontem... Nem uma carta deixou!
Os namorados de minha
irmã – como eram bonitos! – tão vivos nos sonhos da menina mulher; e as
serenatas, ah, as serenatas na calçada da igreja, ao lado de casa, os sonhos
embalados nas cordas do violão, e as canções que minha mãe cantava: Sertaneja se eu pudesse, se papai do céu me desse o espaço pra voar...
Eu corria a natureza, acabava com a tristeza só pra não te ver chorar! E o burburinho da máquina Singer a me ver crescer...
Quero banhar-me na água
trazida por Dona Quitéria, subindo a
escada, lata d´água na cabeça - contemplar Maria
Grande na cozinha espaçosa (o fogão a carvão, colher de pau a se enroscar na
panela de barro e os bolinhos de feijão amassados nas mãos, tão saborosos!), e tornar
aos cuidados de Maria Pequena – éramos
sete, as crianças, ela a nos fazer o lavapés, à tardinha, vivíamos descalços.
Vou seguir em direção à
fazenda de Teté, (um longo corredor
de avelós embrenhado no cipó retorcido
da cerca); sentir a gostosa acolhida da boa gente de Custódia, sair nos pastoris
– Viva o azul! Viva o encarnado! – (a
minha irmã do azul, eu a contramestra), e os teatros ensaiados em casa: Seu doutor eu mandei lhe chamar, pra o senhor
uma receita passar: dói-me aqui e dói-me cá!
Volver
a los siete ... Sentir
o ardor das chineladas da minha mãe,
nas palmas das mãos, o cheiro do café torrado no tacho, o gosto da paçoca de
carne seca e farinha, pisada no pilão, (minha avó e seu longo rosário azul, absorta,
a rezar por todos nós); voltar às férias em Tabira, no Pajeú, favos de
mel lambidos num doce prazer, as laranjeiras carregadas no quintal do meu avô, bastava tirar e a mãe descascava deixando a pele inteira, apenas um corte para sugá-la
(Mãe Velha, paciente e cuidadosa, a costurar camisas de homem) e, no quintal de Tia Emília, as rodas alegres de
assar castanhas e a doce amizade de Josete, até hoje tão presente!
Vontade de subir no caminhão pra ir à fonte de Sabá, de tomar banho de rio como todo mundo fazia, e, como todo mundo, montar a cavalo, correr pelas ruas e me chafurdar feito moleque... Mas, era proibido!
A casa tão grande e
comprida, a casa limpa e arrumada, e minha mãe que sabia de tudo: onde está o meu
livro, a tesoura, o cordão, o lápis, onde está? E minha mãe sabia! Quero de
volta meus vestidos de organdi, minha saia rodada com babados e sianinha, e o São João caipira da minha infância, a faca na bananeira, a
fogueira em frente de casa, o nosso olhar curioso na bacia d´água, pra ver o
rosto, que ninguém queria morrer naquele ano.
Vou correr dos papangus na festa de carnaval, sair gritando
com o palhaço do circo, (Hoje tem
espetáculo? Tem, sim senhor! ) cantar as modinhas das eleições (torcidas
acirradas em grande suspeição), acompanhar a procissão de ramos e a malhação do Judas na semana santa, e volver às danças animadas do bar Fênix, eu a rodopiar, levemente
índia, o coração em solavancos!
Ai, com essas lembranças tantas e tão boas, como pensar alguma coisa que era ruim?
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Crédito de Imagens:
1. Igreja de Custódia - www.diocesedefloresta.wordpress.com
2. Máquina de costura - www.canstockphoto.com.br/foto-imagens
3. Sertanejo com jumento - www.canindesoares.com/fotojornalismo
4. Banho de rio - www.cnstockphoto.com.br/foto-imagens
5. Malhação Judas - www.riodejaneiroaqui.com.br
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com vrblog@hotmail.com
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