“Dize, oh poeta, que fazes tu?
- Eu celebro!... Eu celebro!
... E por que é que o silêncio
e a impetuosidade, como a estrela
e a tormenta, te conhecem?
- Porque eu celebro!” [i]Porque o viver me deixa prenha de alegria e me banha em um denso sentimento de gratidão à Vida de poder poder pensar e escrever.
Celebro a alegria do que vivi menina e
jovem exuberante, mãe de tantas horas fora de casa, mulher e trabalhadora de
muitos ofícios, aprendiz do 'viver-com'
e do 'viver-só', surpreendida com as grandes
transformações das horas apressadas, que anuviam minhas lembranças da minha tranquila infância, em Custódia, ou nos longos corredores
do internato, na adolescência, e dos alegres anos de estudo no Recife dos anos 50.
Celebro o rio Capibaribe do Recife, tão comprido, ligando culturas e saberes - e fazendo de conta que todos são iguais - embelezando, em rodopio contraditório, ruas de terra e de asfalto, arranha-céus e favelas, avenidas
e pontes desta cidade que me acolhe e me abriga há muitos anos. Aqui, o Capibaribe se banha de versos ora românticos, políticos ou bucólicos, muitos deles chorosos por suas malcuidadas águas. E lembro os poemas brilhantes de Manuel Bandeira, cheios de solidão e sensibilidade, e das cantigas de aguda sensibilidade, de João Cabral de Melo Neto.
Contemplo a paisagem do Capibaribe quando desemboca no mar, e se embeleza das obras de Brennand.Recordo os passeios que fiz no rio Tejo, em Lisboa e a poesia de Fernando Pessoa, que o cantou em seus versos.
Saudade tanta do rio Tigre, em Roma, onde vivi os meus anos de juventude, quando estudava e trabalheva, exercitando o ofício de jornalista e aprendendo a observar e a refletir, a refletir e a escrever...
Roma que me é tão íntima, pois aos vinte e um anos me pendurava nos seus ônibus apinhados, como os nossos daqui – não esqueço a linha 61 que saia da Stazione Termini e me levava à Praça de São Pedro, para o trabalho. E sempre que volto a Roma constato que a linha faz o mesmo trajeto.
Roma que me é tão íntima, pois aos vinte e um anos me pendurava nos seus ônibus apinhados, como os nossos daqui – não esqueço a linha 61 que saia da Stazione Termini e me levava à Praça de São Pedro, para o trabalho. E sempre que volto a Roma constato que a linha faz o mesmo trajeto.
Eu estudava na Universidade, em Roma, e trabalhava como babá, contratada a passear, pela manhã, com um bebê no seu carrinho, girazolando numa praça, enquanto a sua mãe fazia compras. À tarde, me transformava em locutora, tradutora e produtora de programas da Rádio Vaticana, para os países de língua portuguesa. Ali trabalhei por quatro anos.
Não esqueço o rio Danúbio, em Viena - tão presente nos nossos sonhos adolescentes de então - pude admirá-lo num passeio noturno solitário, experimentando a liberdade do desconhecido.
O rio Praga, ah, tão límpido e belo! O conheci em 2007, rodeando a beleza original da cidade, onde tudo nos fala de história e cultura. Até hoje sua lembrança me diz e repete que devo voltar!
O Ródano, em Genebra, onde vive uma grande amiga irmã e me fala de amizade para sempre. De lá, além da lembrança dos belos passeios, guardo preciosas recordações de um encontro inesperado, no lago Leman e seu Jardim Inglês, de muitas memórias.
Em Paris, o rio Sena, com seus barcos luxuosos ou de turistas. O Sena visto com amigos inesquecíveis, e as nossas muitas caminhadas.
Em Istambul eu queria me ajoelhar aos ver o Boros - um braço entrante do mar cuja imagem ainda carrego no coração, enamorada que
fiquei de sua paisagem povoada de pombos esvoaçantes e de um belíssimo casario em suas laterais, relembrando a
exuberante Constantinopla do povo otomano. A Istambul de hoje nos mostra o olhar melancólico do seu povo e dos seus grandes escritores. Uma esplendente cidade, grávida de sua história, revestida da beleza de então. Lá, tive a sensação profunda do contraditório, do
ser e não ser... do sim e do não... do quisera e do pudera... do buscar saber tanto, sabendo-se que nada se sabe.
Hoje celebro, em humilde oração, o caminho que escolhi, os erros que cometi, os acertos que sempre busquei, e os celebro!
Celebro a mal-estar da minha ignorância e a profundidade dos meus porquês; celebro os fiapos de memórias que o tempo teima em querer costurar, mas que estão dessecados do óleo do amor que um dia houve; celebro a leveza do afeto que carrego dentro, em busca de distribuí-lo com aqueles de quem vou ao encontro ou com quem se quizer achegar; e celebro este momento inteiro, impregnado de gratidão, feito a espuma flutuante do mar.
Celebro a mal-estar da minha ignorância e a profundidade dos meus porquês; celebro os fiapos de memórias que o tempo teima em querer costurar, mas que estão dessecados do óleo do amor que um dia houve; celebro a leveza do afeto que carrego dentro, em busca de distribuí-lo com aqueles de quem vou ao encontro ou com quem se quizer achegar; e celebro este momento inteiro, impregnado de gratidão, feito a espuma flutuante do mar.
Celebro ainda o dom do Amor derramado na profundidade
de cada um de nós –nos momentos de alegria e de dor. O Amor que me impulsiona a renascer e me renovar a cada dia, "num gesto muito
antigo de paciência", como diz um verso da poetisa portuguesa Sophia de Mello Brayner.
E , por fim, quero celebrar a dor jacente que me acompanha, no vácuo aberto entre o meu pensar e o meu ser, o meu dizer e o meu fazer, o meu querer e o meu agir.
[i] Reiner Maria
Rilke – poeta citado por Antônio
Ferreira Gomes, no prefácio de:
Contos Exemplares. Ed. Figueirinhas, 15ª edição. 1985, p.29, Lisboa-PT.
[ii] Sophia Mello
Breyner Andresen, escritora portuguesa
contemporânea, em “Contos Exemplares”, Ed. Figueirinhas, 15ª edição. 1985, p. 94. Lisboa-PT
Crédito Imagens:
Mangueira prenha - Foto de Pedro Alessio - Recife
Recife - Rio Capibaribe - www.tripadivisor.com.br/atraction
Roma - Rio Tigre - Wikipedia.org
Praga - Rio Praga - arquivo pessoal.
Nota: As imagens aqui publicadas pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor faça um comentário neste blog.
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