Almoçamos na cidade. A ideia foi conversar com calma sobre as nossas três, que continuam a crescer... Estamos convencidos de que é
necessário assumir caminhar em busca de alcançarmos uma vida mais sóbria. E cuidar melhor do afeto e do espaço de liberdade das crianças. Se formos pensar nos hábitos
que adquirimos até aqui, não será fácil engendrar pelo caminho da sobriedade, da temperança, da atenção com os excessos.
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Entendemos que Letícia, agora com oito anos, precisaria
participar mais das tarefas de casa. Assim, pensamos em transferi-la para o
turno da tarde, na escola. Além de fazê-la assumir as tarefas que lhe cabem, o
período da manhã em casa lhe dará mais chance de estudar, sem ser
interrompida com as brincadeiras das irmãs menores. Conversei com ela e lhe falei dessa
possibilidade, lembrando que talvez, de início, ela teria uma dificuldade: não
iria encontrar seus coleguinhas do ano passado. Ela comentou: – Não tem problema: eu posso fazer novos
amigos na outra classe.
Essa segurança tranquila de Letícia me fez pensar o quanto
minhas filhas têm demonstrado firmeza naquilo que querem. É o que me fazem
perceber no dia a dia. Outros fatos têm sido um alerta para que eu aprenda a conviver com elas, repensando, com cuidado, o meu modo de ser.
Dia desses, no horário de dormir, Verinha (seis anos), não
queria tomar banho nem por a camisola. E me disse: – Você sabe que eu não nasci pra ser obrigada! Não ficou por ai: explicou-me que não gosta
dessa história de ter que tomar banho todos os dias, dormir todos os dias,
comer todos os dias... Tudo obrigado!
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmeeX13BvhFO-wsOCFsqOXFZISdgtvmGuDtAjDGNHptSBdDw3wljYvMtysxRfmueoWpzWp6mS8rafnYi2a983bhatAKNAz1XX6uThHIi0u5reXmsR3_dwlhJAJTF43dyRG_7cCTPNInf0r/s1600/Carlinha.jpg)
Carlinha (cinco anos) se expressou quanto ao meu
jeito de falar com ela. Eu lhe havia dito pra fazer alguma coisa, e ela me
respondeu: – Não quero fazer isso não. Ao
que insisti que me obedecesse. E Ela: Você
não é minha dona, você é somente minha mãe!
Recordo que ainda aos quatro
anos, essa minha caçula me deu outra forte lição de vida: fui levá-la à escola
e, alterando a rotina, segui com ela até a sala de aula. No caminho, ela me
perguntou: Por que você está indo até a sala de aula? – Porque preciso explicar à sua professora o
motivo de você ter faltado ontem. Ela me olhou de frente e disse:– Eu
sei explicar à professora que fui ao dentista. Se ela não acreditar em mim, o que
é que a gente pode fazer?
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Era a hora do almoço e
estávamos todos assentados em torno da mesa. Mas, Letícia continuava no quarto a
preguiçar na cama. Ao nosso chamado, não atendeu; fui até lá e lhe
expliquei que estávamos a esperá-la para iniciar a refeição. Ela demorou um
pouco a reagir. Depois, ainda deitada, comentou: – Vocês
adultos podem chegar do trabalho e ir direto para o quarto, e até deixam pra almoçar mais tarde, quando querem. Por que as
crianças não têm esse direito?
Fiquei pasma. Recuperando-me, disse
que tudo bem, se ela estava cansada poderia almoçar mais tarde. Curioso é que
após alguns minutos a vimos chegar e participar conosco da refeição.
Cada vez que elas me dão essas lições de vida, deixam-me profundamente
pensativa. Escrevo essas memórias para buscar entender melhor os caminhos a
tomar. Acredito que é tempo de reconsiderar os trejeitos do meu caráter forte, esse meu
jeito de querer organizar tudo, prever tudo, e às vezes de pensar por todos. Há muito ainda
que aprender com as minhas filhas!
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(*) Texto de 1981
Fotos - arquivo pessoal.
Fotos - arquivo pessoal.
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