As atividades do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA devem fornecer suporte técnico e institucional às ações do Governo Federal do Brasil, para a formulação e reformulação de políticas públicas e de programas orientados para o seu desenvolvimento. É uma fundação vinculada ao Ministério da Economia.
O texto abaixo - publicado recentemente no site Carta Maior - é assinado pelo Professor Renato Balbim - PhD, geógrafo e professor convidado na Universidade da Califórnia em Irvin.
O autor trata de questões relacionadas ao acervo de pesquisas e estatísticas do
Governo Federal, e nos adverte sobre a duvidosa continuidade da sua metodologia de trabalho nos padrões adquiridos anteriormente.
A denúncia vai mais além, mostra o descaso e a perseguição do atual governo às instituições mais produtivas do país, aos movimentos sociais e à histórica conquista de nossas práticas democráticas, envergonhando-nos diante do mundo.
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Por: Renato
Balbim
Traduzido e publicado por: "Carta Maior"
Um extremista de direita foi eleito no Brasil. Após apenas dois meses do início
de seu mandato, grupos, causas e movimentos sociais que historicamente sofreram
ameaças e riscos, agora veem o seu espaço institucional - ou seja, os canais de
participação, os seus direitos, a proteção legislativa e a existência dos seus
membros em perigo, as suas pautas apagadas da administração pública e os dados
oficiais sobre eles desaparecendo.
As comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas - descendentes negros e de
ex-escravizados - tiveram seu status de proteção desqualificado pelo governo
federal. A FUNAI - Fundação Nacional do Índio, fundada em 1967, foi engolfada
pelo Ministério da Agricultura e agora a representação dos interesses dos
grandes fazendeiros é responsável pela “identificação, delimitação,
demarcação e registro de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas”, tudo isso em um momento no qual o
presidente comparou os indígenas e os quilombolas que vivem em terras
protegidas a
animais em zoológicos.
Durante
sua presidência, Bolsonaro, que declarou preferir ter um filho morto a um
filho gay, fundiu a antiga
Secretaria Nacional das Mulheres com a Secretaria de Direitos Humanos e extinguiu a Secretaria da Igualdade Racial para criar o Ministério das Mulheres, Família e Direitos
Humanos, liderado por uma pastora evangélica que se recusou a proteger as
comunidades LGBT, em um país que é o primeiro do mundo em assassinatos
homofóbicos, “registrando 44% de todos os
assassinatos do mundo de defensores LGBT”. A
pastora ministra chegou a declarar que “as meninas usam rosa, os meninos usam azul”.
Novamente,
mostrando simplesmente um exemplo atrás do outro, o colombiano ministro da
educação de Bolsonaro prometeu
erradicar o “marxismo cultural” e os estudos de “teoria de gênero”. Acabou com a Secretaria Nacional de
Alfabetização, Diversidade e Inclusão, com o objetivo de eliminar da educação brasileira e dos livros
escolares a palavra “diversidade”, e
os temas de direitos humanos e educação étnico-racial.
Em
outro front, recentemente o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), uma agência federal com responsabilidade sobre a
reforma agrária, - através de seu ombudsman, um coronel do exército - enviou um
comunicado a toda a
administração pública, proibindo
que as autoridades recebam ou deem qualquer orientação a outras entidades que
não sejam formalmente empresas ou instituições. É assim que a ação do
governo quebra os canais de diálogo com movimentos sociais, em especial com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil. Sua meta é deslegitimar, apagar e criminalizar
esses movimentos. Além disso, continua a
ganhar forma uma legislação que permita que movimentos sociais e os seus protestos
sejam enquadrados como atos
terroristas.
A sociedade como um todo tem sido diretamente ameaçada pelas ações do governo, especialmente em termos de segurança alimentar. Em janeiro passado, Bolsonaro acabou com o Consea - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - que servia como um fórum de representantes de diversos setores da sociedade brasileira e do governo, para melhorar as políticas públicas relacionadas aos Direitos Humanos para Alimentação Adequada. Em 2014, essas políticas foram responsáveis pela remoção do Brasil do Mapa da Fome, elaborado pela FAO. A extinção do Consea impacta especialmente a agricultura familiar e sua importante participação na produção de alimentos no Brasil. Os percentuais atingem a produção de 87% de mandioca, 70% de feijão, 46% de milho, 38% de café, 34% de arroz, 58% de leite, 59% de porcos e 50% da produção de aves são de fazendas familiares, de acordo com os dados do Censo Agrícola de 2006/IBGE). Além disso, nos primeiros 50 dias de governo, foi autorizado o uso de 86 novos pesticidas altamente tóxicos, nas plantações.
A sociedade como um todo tem sido diretamente ameaçada pelas ações do governo, especialmente em termos de segurança alimentar. Em janeiro passado, Bolsonaro acabou com o Consea - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - que servia como um fórum de representantes de diversos setores da sociedade brasileira e do governo, para melhorar as políticas públicas relacionadas aos Direitos Humanos para Alimentação Adequada. Em 2014, essas políticas foram responsáveis pela remoção do Brasil do Mapa da Fome, elaborado pela FAO. A extinção do Consea impacta especialmente a agricultura familiar e sua importante participação na produção de alimentos no Brasil. Os percentuais atingem a produção de 87% de mandioca, 70% de feijão, 46% de milho, 38% de café, 34% de arroz, 58% de leite, 59% de porcos e 50% da produção de aves são de fazendas familiares, de acordo com os dados do Censo Agrícola de 2006/IBGE). Além disso, nos primeiros 50 dias de governo, foi autorizado o uso de 86 novos pesticidas altamente tóxicos, nas plantações.
Ademais,
as vidas humanas, em especial dos negros
e dos jovens, não parecem ter
valor em um país com as maiores taxas de assassinato do mundo - um recorde de 63.880 mortes
violentas intencionais por ano.
O governo Bolsonaro - usando decretos presidenciais temporários -
legalizou a compra e a posse de armas de fogo por qualquer pessoa, e propõe o
estabelecimento de uma “lei anticrime” que poderá permitir que policiais matem em serviço.
Essa lei está sendo entendida como a ampliação
das situações nas quais uma pessoa que comete um crime e não é punida pela
justiça. Trata-se, efetivamente, de uma
política pública deliberada, cujo objetivo é apagar
os que a extrema-direita classificam como “vagabundos”, uma ampla
categoria que pode incluir grupos sociais historicamente marginalizados, dando
foco a uma permitida discriminação racial por parte da polícia, intensificando o que já é considerado um grande
problema no Brasil.
Em
um país marcado por uma história
violenta, ações como essas, se não constituem
em si um crime, estão encorajando a atividade
criminosa de grupos de extermínio, milícias e grileiros, e estimulando novas ações violentas
do Estado.
Outras
graves questões estão por vir, e se não houver uma imediata ação contrária,
será quase impossível revelar e analisar os impactos do regime liderado por
Bolsonaro e seus aliados no futuro do país.
Desde
o governo de Michel Temer, instituições
de pesquisa têm sofrido profundos cortes de orçamento e restrições de liberdade
de pensamento e de expressão.
Assim como Trump fez nos EUA, Bolsonaro ameaça sair
do Acordo de Paris. Tanto o seu ministro
de Relações Internacionais quanto o de Meio Ambiente negam a existência das mudanças climáticas.
O
Brasil não só tem sido um líder global em negociações ambientais sob a
Convenção de Mudança Climática da ONU, mas é também um líder em ciência
climática no hemisfério Sul. Perder o apoio brasileiro em relação à contínua
mitigação da mudança climática significa
um fracasso global em alcançar a meta de 1,5 graus Celsius, proposta
pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática.
A
produção de dados e informações sobre o país é um dos principais alvos de
governos autoritários, extremistas e de forma geral não democráticos — governos que não coexistem com o
contraditório.
No
Brasil, o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, é o principal fornecedor de dados e informações, cumprindo com
as demandas de diversos tipos de segmentos da sociedade civil, órgãos federais,
estaduais e municipais, assim como organizações internacionais. As pesquisas do
IBGE têm sido gradualmente revisadas, simplificadas e até descontinuadas. Pesquisas e conhecimento científico
não coincidem com o fundamentalismo religioso e as políticas autoritárias de
Bolsonaro e dos seus
apoiadores. No dia 22 de fevereiro, na cerimônia de posse da presidenta do
IBGE, o atual superministro de economia do
Governo Federal sugeriu simplificar o censo. Em suas palavras, “vamos
simplificar!”. O censo de países ricos tem 10 perguntas, o censo brasileiro tem
150 e o de Burundi tem 360. Se perguntar demais depois acaba-se
descobrindo coisas que nem se queria saber.
A
falta de fundos é a justificativa para simplificação
ou descontinuação das pesquisas de censo,
e a alternativa é o aumento na quantidade e frequência de estudos por
amostragem. O que se esconde por trás desta estratégia é que diversas variáveis
não são mais medidas, de forma nada surpreendente sendo aquelas relacionadas
aos setores mais frágeis e fracos. O
Estado renuncia ao conhecimento da realidade atual e da sua série histórica, apaga parte dos fatos, que são
substituídos por inferências
sobre a verdade.
Assim como geralmente se diz como piada na análise estatística, torture os
dados para que digam o que quer que seja questionado. Bolsonaro sabe o
que está fazendo!
O
censo agrário do IBGE teve uma drástica redução de financiamento. Como
resultado, variáveis que permitem a identificação do uso de pesticidas
foram descontinuadas. Uma coincidência! O mesmo aconteceu com a produção da agricultura familiar,
que quase deixou de existir nos dados oficiais, apesar de ser responsável por uma porção
significativa da comida que vai para as mesas brasileiras. Entretanto, as
pesquisas por amostragem que substituíram as pesquisas de censo não identificam
a agricultura familiar.
Por outro lado, o Censo Demográfico de 2020 corre o risco iminente de ser cancelado ou ser realizado de forma simplificada, com menos perguntas e uma coleção de dados mais estreita, quebrando a série histórica. Isso impactará negativamente o monitoramento de políticas públicas e compromissos internacionais nas áreas de direitos humanos e também a participação brasileira no Acordo de Paris e na política de monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Tudo isso serve aos desejos do ministro de economia, para quem o que não se conhece não existe.
As análises políticas, econômicas, sociais e demográficas já sofreram pela simplificação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, PNAD, que deixou de existir em 2018, e foi substituída por uma PNAD “contínua”, que ampliou seu alcance e frequência mas reduziu suas variáveis, o que impede a atualização de temas relevantes como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e torna impossível a produção de boas inferência sobre, por exemplo, o déficit de moradia.
Por outro lado, o Censo Demográfico de 2020 corre o risco iminente de ser cancelado ou ser realizado de forma simplificada, com menos perguntas e uma coleção de dados mais estreita, quebrando a série histórica. Isso impactará negativamente o monitoramento de políticas públicas e compromissos internacionais nas áreas de direitos humanos e também a participação brasileira no Acordo de Paris e na política de monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Tudo isso serve aos desejos do ministro de economia, para quem o que não se conhece não existe.
As análises políticas, econômicas, sociais e demográficas já sofreram pela simplificação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, PNAD, que deixou de existir em 2018, e foi substituída por uma PNAD “contínua”, que ampliou seu alcance e frequência mas reduziu suas variáveis, o que impede a atualização de temas relevantes como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e torna impossível a produção de boas inferência sobre, por exemplo, o déficit de moradia.
A
produção de dados sociais, econômicos, políticos e demográficos no Brasil é internacionalmente
reconhecida por sua qualidade e sua série histórica, e coloca o Brasil em um local
proeminente entre os outros países. Por um lado, o Brasil produz dados usando
as ferramentas e metodologias mais avançadas de acordo com instituições
nacionais e agências internacionais similares, igualando-se à maioria dos
países desenvolvidos. Por outro lado, o país gera metodologias e dados que permitem a análise da
pobreza, das
desigualdades e da precariedade,
dando uma relevante contribuição a outros países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento e agências internacionais. Agências
nacionais públicas brasileiras como o IBGE, a EMBRAPA e o IPEA são todas
agências de pesquisa reconhecidas e respeitadas em diversas comunidades
internacionais e especialmente em
organismos multilaterais com os quais elas colaboram na produção de normas
globais para o compartilhamento de dados.
A
estratégia intencional de apagar
parte do que este governo vê como problemas,
social e economicamente, pode deletar
o conhecimento do Brasil sobre si mesmo, impedindo sua inserção em diversos
fóruns mundiais e apagando seu próprio futuro.
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Renato Balbim: PhD, geógrafo e professor convidado - Universidade da Califórnia em Irvine | Tradução: equipe Carta Maior
Renato Balbim: PhD, geógrafo e professor convidado - Universidade da Califórnia em Irvine | Tradução: equipe Carta Maior
Nota: O atual presidente do Ipea - economista Carlos von Doellinger, tomou posse em 13/03/2019, substituindo o presidente anterior Ernesto Lozardo.
Crédito
das Imagens:
1. Imagem de abertura - - Arte "Carta
Maior", para o artigo acima publicado.
2. Foto do autor: http://ipea.academia.edu/RenatoBalbim/CurriculumVitae
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