O escritor e teólogo, Leonardo Boff, não me surpreende mais com a sua sensibilidade e a profundez universal do seu pensar. Mas, ainda me comove, me toca, me instiga a continuar a sonhar, a acreditar na capacidade do povo de retomar a história nas mãos, de manter sempre a Esperança. Aqui vai o que ele nos escreve sobre as tantas interrogações que carregamos, quanto ao destino do Brasil e do seu povo. O seu texto expressa o sonho de todo brasileiro de bom senso, que reclama a realização dos seus anseios atuais.
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Está confuso mas
eu sonho
Por: Leonardo
Boff
“Faz escuro, mas eu canto porque a manhã vai
chegar”, proclamou o poeta Thiago de Mello na época sombria da ditadura
civil e militar de 1964.
”Está confuso, mas eu sonho” digo eu, nesses tempos
não menos sombrios. O sonho ninguém pode prender. Ele antecipa o futuro e
anuncia o amanhã.
Ninguém pode dizer o que vai ser deste país após o
golpe parlamentar jurídico midiático de 2016. Faz escuro e tudo está confuso,
mas eu sonho. Este sonho está rodando em minha cabeça há muitos dias e resolvi
expressá-lo para alimentar a nossa inarredável esperança.
Sonho ver um
Brasil construído de baixo para cima e de dentro para fora, forjando uma
democracia popular, participativa e socioecológica, reconhecendo como novos
cidadãos, com direitos, a natureza e a Mãe Terra.
Sonho ver o povo
organizado em redes de movimentos, povo cidadão, com competência social para
gerar as suas próprias oportunidades e moldar o seu próprio destino, livre da
dependência dos poderosos e resgatando a própria autoestima.
Sonho ver a
utopia mínima, plenamente realizada, de comer pelo menos três vezes ao dia, de
morar com decência, de ter frequentado a escola por oito anos, de cursar a
universidade e a pós-graduação, de receber por seu trabalho um salário que
satisfaça as necessidades essenciais de toda a família, de ter acesso à saúde
básica e - depois de ter labutado por toda uma vida - ganhar uma aposentadora
digna para enfrentar, serenamente os achaques da velhice.
Sonho ver celebrado
o casamento entre o saber popular, de experiências feito, com o saber acadêmico
de estudos feito, ambos construindo um país para todos, sem excessos e, também,
sem carências.
Sonho ver o povo
celebrando suas festas com muita comida e alegria, dançando o seu São João, o
seu Bumba-meu-Boi, seu samba, seu frevo, seu funk e seu esplêndido carnaval,
expressão de uma sociedade sofrida, mas que se encontrou na ‘fraternura’ e na
alegre celebração da vida.
Sonho ver
aqueles que foram condenados a sempre perder, sentirem-se vitoriosos porque o
sofrimento não foi em vão e os amadureceu para, com outros, construir um Brasil
diferente, uno e diverso, hospitaleiro e alegre.
Sonho contar
com políticos que se abaixam para estar à altura dos olhos do outro, despojados
de arrogância, conscientes de representar as demandas populares, fazendo da
política cuidado diligente da coisa pública.
Sonho andar
por aí à noite sem medo de ser assaltado ou vítima de balas perdidas, podendo
desfrutar da liberdade de poder falar e criticar nas redes sociais, sem
logo ser ofendido e difamado.
Sonho contemplar
nossas florestas verdes, nossos imensos rios regenerados, nossas soberbas
paisagens e a biodiversidade preservada, renovando o pacto natural com a Mãe
Terra que tudo nos dá, reconhecendo seus direitos e por isso tratá-la com
veneração e cuidado.
Sonho ver o
povo místico e religioso, venerando a Deus como gosta, sentindo-se acompanhado
por espíritos bons, por forças portadoras da energia cósmica do axé, dando um
caráter mágico à realidade, com a convicção de que, no fim, por causa de
Deus-Pai-e-Mãe de infinita bondade e misericórdia, tudo vai dar certo.
Sonho que
este sonho não seja apenas um sonho, mas uma realidade ridente e factível,
fruto maduro de tantos séculos de resistência, de luta, de lágrimas, de suor e
de sangue.
Só então, só então, poderemos rir e cantar, cantar
e dançar, dançar e celebrar um Brasil novo, o maior país latino do mundo, uma
das províncias mais ricas e belas da Terra, que a evolução ou Deus nos
entregara.
Termino com o grande cantor das Comunidades
eclesiais de base, Zé Vicente de Crateús:
“Sonho que se sonha só pode ser pura ilusão, mas
sonho que se sonha junto é sinal de solução. Então vamos sonhar companheiros e
companheiras, sonhar ligeiro, sonhar em mutirão”.
Assim o quer o povo brasileiro e nos ajude Deus.
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Fonte do texto:
https://leonardoboff.wordpress.com/2018/07/26/esta-confuso-mas-eu-sonho/
Leonardo Boff é escritor e publicou: Brasil
- concluir a refundação ou prolongar a dependência (Ed.Vozes,2018,).
Crédito das imagens:
1. Mapa - Gente do Brasil.gif
2. Crianças solidárias - divulgação ubumtu
3. Balance-mirim.jpg
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