Com este segunda parte, damos seguimento à reprodução da Entrevista ao Papa Francisco realizada pelo jesuíta – agora cardeal – Padre Antonio Spadaro. Aqui o para responde a quatro questões com os seguintes temas: A escolha da ordem dos Jesuítas – O exercício do discernimento – Pedro Fabro: um testemunho para Francisco – A experiência de Padre Jorge Mario Bergoglio na Argentina.
Como foi dito na primeira parte, os subtítulos e as expressões eventualmente sublinhadas são ferramentas de edição utilizadas neste blog, que não correspondem ao texto original. No texto que segue a escrita cursiva corresponde às questões feitas ao papa e aos comentários do entrevistador, jesuíta Padre Antonio Spadaro.
1. A escolha
da ordem dos Jesuítas
– Santo Padre, o que o fez
escolher entrar na Companhia de Jesus? O que o impressionou na ordem dos
Jesuítas?
“Eu queria algo mais. Mas não sabia o quê. Tinha entrado no seminário.
Gostava dos dominicanos e tinha amigos dominicanos. Mas depois escolhi a
Companhia, que conhecia bem, porque o seminário estava entregue aos jesuítas.
Da Companhia impressionaram-me três
coisas: o espírito missionário, a comunidade e a disciplina. Isto é curioso,
porque eu sou um indisciplinado nato, nato, nato. Mas a sua disciplina, o modo
de organizar o tempo, impressionaram-me muito”.
“Uma coisa para mim verdadeiramente fundamental é a comunidade. Procurava sempre uma comunidade. Eu não me via padre
sozinho: preciso de uma comunidade. É mesmo isso que explica o fato de eu estar
aqui na Residência Santa Marta. Quando fui eleito ocupava,
por sorteio, o quarto 207. Este, onde estamos agora, era um quarto de hóspedes.
Escolhi ficar aqui, no quarto 201, porque quando tomei posse do apartamento pontifício (no Vaticano), dentro de mim senti claramente um “não”. O apartamento pontifício no Palácio Apostólico não é luxuoso. É antigo, arranjado com bom gosto e grande, não luxuoso. Mas acaba por ser como um funil ao contrário. É grande e espaçoso, mas a entrada é verdadeiramente estreita. Entra-se a conta-gotas e eu não, sem gente não posso viver. Preciso de viver a minha vida junto dos outros”.
Escolhi ficar aqui, no quarto 201, porque quando tomei posse do apartamento pontifício (no Vaticano), dentro de mim senti claramente um “não”. O apartamento pontifício no Palácio Apostólico não é luxuoso. É antigo, arranjado com bom gosto e grande, não luxuoso. Mas acaba por ser como um funil ao contrário. É grande e espaçoso, mas a entrada é verdadeiramente estreita. Entra-se a conta-gotas e eu não, sem gente não posso viver. Preciso de viver a minha vida junto dos outros”.
Enquanto o Papa fala de missão e de
comunidade, vêm-me à mente os documentos da Companhia de Jesus onde se
fala de «comunidade para a missão» e reencontro-os nas suas palavras. (...)
2. O exercício do discernimento
– Que ponto da espiritualidade
inaciana o ajuda melhor a viver o seu ministério?
“O discernimento”, responde o Papa
Francisco.
“O discernimento é uma das coisas que Santo Inácio mais trabalhou
interiormente. Para ele, é um instrumento de luta para conhecer melhor o Senhor
e segui-lo mais de perto. Impressionou-me sempre uma máxima com que se descreve
a visão de Inácio: Non coerceri a maximo, sed contineri a minimo
divinum est. Não estar constrangido pelo máximo e, no entanto, estar inteiramente
contido no mínimo, isso é divino”.
“Refleti muito sobre esta frase a propósito do governo, de ser um
superior: não estarmos restringidos pelo espaço
maior, mas sermos capazes de estar no espaço mais restrito. Esta virtude do grande e do pequeno é a magnanimidade, que da posição em que
estamos nos faz olhar sempre o horizonte. É fazer as coisas pequenas de cada
dia com o coração grande, aberto a Deus e aos outros. É valorizar as coisas
pequenas no interior de grandes horizontes, os do Reino de Deus”.
“Esta máxima – continua Papa Francisco – oferece os
parâmetros para assumir uma posição correta no discernimento, para escutar as
coisas de Deus a partir do seu “ponto de
vista”. Para Santo Inácio, os grandes princípios devem ser vivenciados nas
circunstâncias de lugar, de tempo e de pessoas. A seu modo, João XXIII colocou-se nesta posição de governo
quando escolheu a máxima: Omnia videre, multa dissimulare, pauca
corrigere. (Ver tudo, não dar
importância a muito, corrigir pouco). Porque mesmo vendo tudo (omnia)
– na dimensão máxima – preferia agir sobre “pauca”,
sobre uma dimensão mínima. É possível ter grandes projetos
e realizá-los agindo sobre poucas e pequenas coisas. Também podem-se usar meios
fracos que se revelam mais eficazes do que os fortes, como afirma São Paulo
na Primeira Carta aos Coríntios”.
“Este discernimento requer
tempo. Muitos, por exemplo, pensam que as mudanças e as reformas podem
acontecer em pouco tempo. Eu creio que será sempre necessário tempo para lançar as bases de uma mudança verdadeira e
eficaz. E este é o tempo do discernimento. E por
vezes o discernimento, por seu lado, estimula a fazer depressa aquilo que
inicialmente se pensava fazer depois. Foi isto o que também me aconteceu nestes
meses. O discernimento realiza-se
sempre na presença do Senhor, vendo
os sinais, escutando as coisas que
acontecem, ficar atento ao sentir das pessoas, especialmente dos pobres.”
“As minhas escolhas, mesmo aquelas ligadas à vida quotidiana – como usar
um automóvel modesto – estão ligadas a um discernimento
espiritual e responde a uma exigência que nasce das coisas, das pessoas, da
leitura dos sinais dos tempos. O
discernimento no Senhor guia-me no meu modo de governar”.
«Desconfio, pelo contrário, das decisões tomadas de modo repentino.
Desconfio sempre da primeira decisão, isto é, da primeira coisa que me vem à
cabeça fazer, se tenho de tomar uma decisão. Em geral, é a decisão errada.
Tenho de esperar, avaliar interiormente, tomando o tempo necessário. A
sabedoria do discernimento resgata a necessária ambiguidade da vida e
faz encontrar os meios mais oportunos, que nem sempre se identificam com aquilo
que parece grande ou forte”.
O discernimento é, portanto, um pilar da
espiritualidade do Papa. Nisto se exprime de modo peculiar a sua identidade
jesuítica. Pergunto-lhe, pois, como pensa que a Companhia de Jesus poderá
servir melhor a Igreja hoje, qual é a sua especificidade, mas também os
eventuais riscos que corre.
Nota
explicativa deste Espaço: Neste momento o papa discorre sobre a
ordem dos Jesuítas, sua história e seus princípios. Na longa conversa sobre este
assunto, o papa faz o seguinte comentário:
«Mas
é difícil falar da Companhia. Quando se explicita demasiado, corremos o risco
de nos enganarmos. A Companhia só se pode exprimir em forma narrativa. Somente
na narração se pode fazer discernimento, não na explicação filosófica ou
teológica, coisas que, pelo contrário, se pode discutir. O estilo da Companhia
não é o da discussão, mas o do discernimento, que obviamente pressupõe a
discussão no processo. A aura mística não define nunca os seus limites, não
completa o pensamento. O jesuíta deve ser uma pessoa de pensamento incompleto, de
pensamento aberto”.
E Papa Francisco finaliza:
“Eu mesmo sou testemunha das incompreensões e problemas que a ordem dos Jesuíta
viveu mesmo recentemente. Entre estes, contam-se os tempos difíceis de quando
se tratou da questão de alargar a todos os jesuítas o ‘quarto voto’ de
obediência ao Papa. Aquilo que me dava segurança no tempo do Padre Arrupe era o fato dele ser um
homem de oração, um homem que passava muito tempo em oração. Recordo-o quando
rezava sentado no chão, como fazem os japoneses. Por isso ele tinha a atitude
certa e tomou as decisões corretas”.
3. Pedro
Fabro: um testemunho para Francisco
Em seguida, Padre Antonio Spadaro apresenta-lhe uma questão:
– Entre os jesuítas existem
figuras, das origens da Companhia até hoje, que o tenham impressionado de modo
particular?
O Papa
começa a citar-me Inácio e Francisco Xavier, mas depois detém-se sobre uma
figura que os jesuítas conhecem, mas que certamente não é muito notada em
geral: O jesuíta Pedro Fabro da Sabóia (1506-1546) foi um dos primeiros
companheiros de Santo Inácio, aliás o primeiro, com o qual partilhou o quarto
quando os dois eram estudantes na Sorbonne. O terceiro, no mesmo quarto, era
Francisco Xavier. Pio IX declarou Pedro Fabro beato em 1872, e está em curso o seu processo de
canonização.(iii)
– Porque ficou tão impressionado
por Pedro Fabro, que traços da sua figura o impressionam?
“O diálogo com todos, mesmo os mais afastados e os adversários; a piedade simples, talvez uma certa ingenuidade, a disponibilidade imediata, o seu atento discernimento interior, o fato de ser um homem de grandes e fortes decisões e ao mesmo tempo capaz de ser assim doce, doce… Fábio era um místico”. (...)
4 - A experiência de Padre Bergoglio na Argentina
Fico a pensar que tipo de
experiência de governo pode fazer amadurecer a formação que teve o padre
Bergoglio, que foi superior e depois provincial na Companhia de Jesus (Argentina).
O estilo de governo da ordem Jesuíta implica a decisão por parte do superior,
mas também o atender ao parecer dos seus ‘consultores’. Assim, pergunto ao
Papa:
– Acha que a sua experiência de
governo pode servir à sua atual ação na condução da Igreja Universal?
Depois de uma breve pausa de reflexão,
o Papa Francisco torna-se sério e responde com serenidade:
“Durante a minha experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade nem sempre me comportei assim, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma boa coisa. O meu governo como jesuíta, no início, tinha muitos defeitos. Estávamos num tempo difícil (i) para a Companhia: tinha desaparecido uma inteira geração de jesuítas. Por isto vi-me nomeado Provincial ainda muito jovem. Tinha 36 anos: uma loucura.
Era
preciso enfrentar situações difíceis e eu tomava as decisões de modo brusco e
individualista. Sim, devo acrescentar, no entanto, uma coisa: quando entrego
uma tarefa a uma pessoa, confio totalmente nessa pessoa. Terá que cometer um
erro verdadeiramente grande para que eu a repreenda. Mas, apesar disto, as
pessoas acabam por se cansar do autoritarismo. O meu modo autoritário e rápido
de tomar decisões levou-me a ter sérios problemas e a ser acusado de ser
ultraconservador. Vivi um tempo de grande crise interior quando estava em
Córdova. Claro, não sou certamente como a Beata Imelda (ii) mas nunca fui de direita. Foi o meu modo autoritário de tomar decisões que
criou problemas”.
O Papa continua: “Digo estas coisas como uma
experiência de vida e para ajudar a compreender quais são os perigos. Com o
tempo aprendi muito. O Senhor permitiu esta pedagogia de governo,
mesmo através dos meus defeitos e dos meus pecados. Depois, como
arcebispo de Buenos Aires fazia, a
cada quinze dias, uma reunião com os seis bispos auxiliares e várias vezes por
ano com o Conselho Presbiteral. Tratava-se de várias questões e abria-se espaço
para a discussão. O que muito me ajudou a tomar as melhores decisões."
"Agora
ouço algumas pessoas que me dizem: “Não
consulte demasiado, decida”. Acredito, no entanto, que a consulta é muito
importante. Os Consistórios e os Sínodos são, por exemplo, lugares importantes
para tornar verdadeira e ativa esta consulta. O que é necessário seria torná-los
menos rígidos na forma. Quero consultas reais, não formais. A consulta dos oito
cardeais, este grupo outsider, não é uma decisão simplesmente
minha, mas é fruto da vontade dos cardeais, tal como foi expressa nas
Congregações Gerais antes do Conclave. E quero que seja uma consulta real, não
formal”.
i - O papa Francisco se refere ao período da ditadura militar na Argentina - 1976/1983.
ii - Imelda Lambertini (Bolonha, 1320 – Bolonha, 12 de maio de 1333) foi uma jovem religiosa italiana,
que tornou-se noviça aos 9 anos de idade. Morreu aos 11 anos,
durante a missa em que recebeu sua primeira comunhão.
Foi beatificada em 1826 pelo papa Leão XII, que estendeu a
toda a Igreja o culto que já lhe prestavam em Bolonha. Em 1908, o papa Pio X a proclamou padroeira das crianças que
fazem a primeira comunhão. O corpo incorrupto de Imelda Lambertini
jaz conservado na capela
de São Sigismundo, em Bolonha (Itália).
(iii) Beato Pedro Fabro, sacerdote professo da Companhia de Jesus, nascido em Le Villaret (Alta Saboia, França) em 13 de abril de 1506 e falecido em Roma em 1º de agosto de 1546, foi inscrito no Catálogo dos Santos, no primeiro ano de pontificado de Papa Francisco (em 17/12/2013).
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Créditos das Imagens:
1. O jovem sacerdote Jorge Mario Bergoglio na ordem dos Jesuítas. ACI Digital
2. Jovens da Ilha Norte (Nova Zelândia) participam de uma Mariapolis do Movimento dos Focolares. Focolares.org
3. Papa João XIII e o então cardeal Bergoglio. ww.noticiascatolicas.com
4. Santo Pedro Fabro - canonizado em 17/12/2013 por Papa Francisco.
www.rs21.com.br
5. Papa Benedeto VI e o então cardeal Bergoglio. www.teinteresa.es
6. O novo papa - Unità Pastorale di Cormóns - Parórquia di Borgnano-Brazana
Nota - As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com vrblog@hotmail.com
(iii) Beato Pedro Fabro, sacerdote professo da Companhia de Jesus, nascido em Le Villaret (Alta Saboia, França) em 13 de abril de 1506 e falecido em Roma em 1º de agosto de 1546, foi inscrito no Catálogo dos Santos, no primeiro ano de pontificado de Papa Francisco (em 17/12/2013).
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2. Jovens da Ilha Norte (Nova Zelândia) participam de uma Mariapolis do Movimento dos Focolares. Focolares.org
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