Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

MOVIMENTO ERRADICAR A POBREZA

17 maio, 2017





Discorrer sobre a pobreza é tarefa inacabada, pois quase sempre o discurso fica à mercê de informações substanciais. Quando se consegue informações mais substantivas, percebe-se o grade risco que a pobreza representa para um projeto de democratização do desenvolvimento humano entre os povos do mundo. 

Os que não somos pobres chegamos a nos confortar com a ideia de uma pobreza espiritualizada. Assim, os valores espirituais  estariam a contribuir com uma qualidade intrínseca, a tangenciar a própria riqueza material. Há também a insensatez dos que chegam a ter um sentimento de gratidão ao "seu" Deus que, em sua bondade os agraciou com tanto conforto. Assim pensam os bons ricos, rememorando a oração de Epulão no Templo.

Embora se possa alcançar uma percepção aproximada da real situação da pobreza, - por exemplo, no Brasil - talvez ainda se esteja longe de compreender "as graves carências" que se escondem no silêncio dos pobres. Mesmo porque em geral não convivemos com eles nos recônditos abrigos marginais das grandes cidades. 

Em termos pessoais, a cruel pobreza ao nosso arredor continua a nos incomodar. Se não é possível conhecê-la de forma intrínseca, por vezes tentamos adivinhá-la nas favelas ao lado do próprio edifício, e - quando se consegue enxergar melhor - ao circular nas grandes cidades.  

Há, no entanto, aqueles que se acercam um pouco mais das situações de pobreza ao seu redor. Isto acontece quando se colabora diretamente com os chamados projetos de superação da vulnerabilidade social, que hoje se expandem também no Brasil. É o que se pode fazer, como primeiro passo, diante do desconforto de viver entre aqueles que têm condições de atender não
apenas ao frio e à fome, mas a muitas outras delicadas necessidades.





Há cem anos atrás - em 1917 -  no espaço do parque Trocadero  em  Paris, deu-se um um evento que reuniu cerca de 100 mil pessoas de diferentes origens e crenças. Todos respondiam ao convite de um sacerdote católico, o polonês Joseph Wresinski, criador do Movimento Internacional ATD (Agir pela Dignidade de Todos). Tinha uma grande capacidade de cooperação, envolvendo pessoas de todo o mundo em ações pela urgente causa da erradicação da pobreza. Naquela ocasião, em Paris, foi instituída a data 17 de outubro: Dia Internacional da Erradicação da Pobreza. 

Em 2002 as Nações Unidas reconheceram a importância do movimento e firmaram oficialmente essa data comemorativa. A cada ano, milhares de pessoas individualmente ou através de suas organizações, contribuem com a promoção de diferentes ações e projetos por esta causa. Em 11/05/2017 o portal das Nações Unidas falava do sentido de urgência para erradicar a pobreza. A vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, afirmou que “a erradicação da pobreza continua sendo o maior desafio global”. 

Em um pronunciamento sobre o assunto,  Amina pediu “uma abordagem coletiva e ampla que reconheça a natureza multidimensional do problema”.

Também recentemente, em preparação à celebração centenária do Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, foi promovido um evento na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, coordenado pelo Prof. Anibal Faccendi. Na ocasião, o teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff foi convidado a apresentar a motivação daquela iniciativa. No seu blog ele apresenta suas considerações sobre o assunto. A seguir faremos uma síntese de dois de seus artigos sobre a questão. Os grifos são nossos.  

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"O sentido desse período em preparação ao evento de 17 outubro próximo - escreve L.Boff - é conquistar apoios do Congresso Nacional, da sociedade e de pessoas de todo o continente para levar esta demanda às instâncias da ONU e conferir-lhe a mais alta validação.

A Declaração de Rosário – continua - vem reforçar este movimento, pressionando os organismos mundiais da ONU para efetivamente declarar a fome como ilegal. Essa Declaração não pode quedar-se apenas no seu aspecto declaratório. O sentido dela é poder criar nas várias instituições, nos países, nos municípios, nos bairros, nas ruas das cidades, nas escolas, mobilizações para identificar as pessoas, seja na linha da pobreza extrema, (viver com menos de dois dólares [= R$ 6,20/dia ou R$ 186,00/mês, nesta data] (i)  e sem acesso aos serviços básicos), ou da pobreza simplesmente dos que sobrevivem com um pouco mais de dois dólares, com acesso limitado à infraestrutura, à moradia, à escola e outros serviços mínimos de humanização. E organizar ações solidárias que os tirem desta premência com a participação deles.

Já em 2002 - prossegue LBoff - Kofi Annan, antigo secretário da ONU, declarava duramente: ‘Não é possível que a comunidade internacional tolere que praticamente a metade da humanidade tenha que subsistir com dois dólares diários, ou menos, num mundo com uma riqueza sem precedentes’. (...)

Os dados apresentados em janeiro de 2017 pela Oxfam, em Davos, são estarrecedores. Revelam que apenas 8 pessoas possuem uma riqueza pessoal equivalente à de 3,6 bilhões de pessoas. Quer dizer, cerca de metade da humanidade vive em situações de penúria, seja como pobreza extrema, seja como pobreza simplesmente ao lado da mais aviltante riqueza. 

Se lermos afetivamente tais dados, como deve ser, damo-nos conta do oceano de sofrimento, de doenças, de morte de crianças ou de mortes de milhões de adultos, estritamente em consequência da fome. E aí nos perguntamos: onde foi parar a nossa solidariedade mínima? Não somos cruéis e sem misericórdia para com nossos semelhantes, face àqueles que são humanos como nós, que possuem desejos de um mínimo de alimentação saudável como nós? (...)

A pobreza é sistêmica pois é fruto de um tipo de sociedade que tem por objetivo acumular mais e mais bens materiais sem qualquer consideração humanitária (justiça social) e ambiental (justiça ecológica). Ela pressupõe pessoas cruéis, cínicas, sem qualquer sentido de solidariedade, e portanto num contexto de alta desumanização e até de barbárie. Causa-nos profunda tristeza o fato de termos que viver dentro de um sistema que só sobrevive à condição de que o dinheiro produza mais dinheiro, não para termos mais vida senão apenas mais riqueza.

O termo "desigualdade" é mais que uma palavra fria. No sentido ético e político traduz uma atroz injustiça social e, para quem se move no âmbito da fé judaico-cristã, esta injustiça social representa um pecado social e estrutural que afeta Deus e seus filhos e filhas. No Brasil - por mais que se tenha feito tirando o país do mapa da fome - existem ainda 20 milhões vivendo em extrema pobreza. (...) 

São múltiplas as interpretações que se dão à pobreza. A mim é esclarecedora a posição do prêmio Nobel de economia, o indiano Amartya Sen que criou a Economia Solidária. Para ele a pobreza não se mede pelo nível de ingressos, nem pela participação dos bens e serviços naturais. O economista define a pobreza no marco do desenvolvimento humano, que consiste na ampliação das liberdades substantivas, como as chama; vale dizer, da possibilidade e da capacidade de produzir e de realizar o potencial humano produtivo de sua própria vida. 

Essa visão do desenvolvimento possui um eminente grau de humanismo e de uma decidida natureza ética. Daí o título de sua principal obra se chamar “Desenvolvimento como liberdade”. A liberdade aqui é entendida como liberdade “para” ter acesso ao alimento, à saúde, à educação, a um ambiente ecologicamente saudável, à participação na vida social e a espaços de convivência e de lazer. (...)

Na conclusão de seu segundo artigo, LBoff  escreve: A Teologia da Libertação e a Igreja que lhe subjaz nasceram a partir de um acurado estudo da pobreza. A Pobreza é vista como opressão. Seu oposto não é a riqueza, mas a justiça social e a libertação.

Distinguíamos três tipos de pobreza

A primeira é a daqueles que não têm acesso à cesta básica e aos serviços sanitários mínimos. A estratégica tradicional era fazer com que os que têm, ajudem aqueles que não têm. Daí nasceu uma vasta rede de assistencialismo e paternalismo. Ajuda pontualmente aos pobres, mas os mantém na dependência dos outros. 

A segunda leitura da pobreza afirma que o pobre possui inteligência e capacidade de profissionalizar-se. Com isso pode se inserir no mercado de trabalho e arranjar sua vida. Essa estratégia não se dá conta politicamente do caráter conflitivo da relação social, pois mantém a saída da pobreza dentro do sistema que continua produzindo pobres. Reforça-o inconscientemente.

A terceira interpretação da pobreza parte do fato que os pobres, quando se conscientizam dos mecanismos que os fazem pobres (são empobrecidos e oprimidos), se organizam, e projetam um sonho novo de sociedade mais justa e igualitária. Transformam-se numa força histórica capaz de, junto com outros, dar um novo rumo à sociedade. Desta perspectiva nasceram os principais movimentos sociais, sindicais e outros grupos conscientizados da sociedade e das Igrejas. Destes podem-se esperar transformações sociais.

Por fim, na percepção da fé bíblica, o pobre sempre será a imagem desfigurada de Deus, a presença do pobre de Nazaré crucificado, que deve ser baixado da cruz. 

No entardecer da história universal, os pobres serão os juízes de todos, porque, famintos, nus e aprisionados não foram reconhecidos como a presença anônima do próprio Juiz Supremo face ao qual, um dia, todos compareceremos.

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* Leonardo Boff é articulista do JB on line 

* Fontes do textohttps://leonardoboff.wordpress.com 
- Artigos publicados em 13/05/2017 e em 14/05/2017.

(i)  As informações [entre colchetes] foram acrescentadas na edição dos artigos reproduzidos neste blog.

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 Crédito das Imagens:

1. Favelas - Mercado Popular - Imagem do artigo de Pedro Cavalcanti Oliveira - em 16-08-2016.
2. Menino de rua - autor não identificado.
3. Tema da 1a. meta das Nações Unidas para o novo milênio: Erradicação da Pobreza.
4. Login do Movimento para Erradicar a Pobreza - Facebook


Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre  em contato comvrblog@hotmail.com 

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