Em nossa última postagem - o alerta de Leonardo Boff sobre uma provável repetição, na era atual, da tragédia vivida por Noé - sugeri que voltássemos a refletir sobre o tema. Minha intensão é retomar, inicialmente, as duas primeiras proposições do autor:
1. Completar a razão
instrumental-analítica-científica dominante com a inteligência emocional ou cordial. Sem esta não nos comovemos face
à devastação da natureza e não nos engajamos para resgatá-la e salvá-la.
2. Passar da simples compreensão de Terra como armazém
de recursos, para a visão da Terra viva,
superorganismo vivo que se autorregula, chamado Gaia.
Um artigo de Waldemar Boff - postado pelo próprio
Leonardo antes de nos apresentar as suas proposições – certamente nos propiciará maior clareza sobre o assunto. Dele sabemos que é formado em filosofia e
sociologia nos USA e que fundou o SEOP - Serviço
de Educação e Organização Popular, que congrega pequenos produtores rurais à margem do rio Surui, na Baixada Fluminense. Suas palavras expressam a beleza poética de
quem estuda a Mãe Terra ‘como um
superorganismo vivo’, ‘com a
inteligência cordial’, e nos tocam com a força de quem exprime, com
simplicidade, aquilo que conhece e vive. A atualidade das suas informações e a sua oportunidade
são inquestionáveis. Segue abaixo.
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Ninguém sabe ao certo o dia e a hora.
É que já estamos no meio dela sem notarmos. Mas, que está vindo está, e cada
vez com mais intensidade e nitidez.
Quando acontecer a grande virada, tudo vai parecer como se fosse de surpresa.
Quando acontecer a grande virada, tudo vai parecer como se fosse de surpresa.
Embora haja dados seguros que apontam
a inevitabilidade das mudanças globais devidas ao clima, com consequências que
os cientistas tentam adivinhar, mas que seguramente serão para o pior, os
interesses econômicos das grandes nações e a falta de visão, a longo termo, de
seus líderes, não lhes permitem tomar as medidas necessárias para mitigar os
efeitos e adaptar seu modo de vida ao estado febril da Terra.
Poderíamos imaginar um cenário
plausível em que furacões varrerão regiões inteiras. Ondas gigantescas
engolirão cidades e civilizações, indo morrer aos pés das montanhas. Secas
prolongadas farão com que se troquem todas as riquezas por um simples copo de
água suja. O calor e o frio extremos farão lembrar, com saudades, as histórias
das avós que falavam das brisas da tarde e do aconchego de uma lareira no
inverno, sempre previsível, e dos frutos amadurecidos ao calor de um sol de
verão benfazejo. Comer-se-á só para sobreviver, sempre pouco e de gosto
duvidoso.
Mas tudo isto ainda não será o pior.
A mãe, de tão fraca, não conseguirá enterrar a filha, e o neto matará o avô por
causa de uma côdea de pão. O cão e o gato, amigos do homem, serão buscados por
toda a parte como última possibilidade de matar a fome. Os vivos invejarão os
mortos, e não haverá quem chore a morte das crianças. A fome chegará a tal
ponto que, como na Jerusalém sitiada, os famintos aguardarão a próxima vítima
da morte para disputar-lhe a carne esfiapada.
‘O
país ficará devastado e as cidades se tornarão escombros. Todo o tempo em que
ficar devastada a Terra descansará pelos sábados que não descansou, quando nela
habitáveis’ (Lev. 26,33-35). Mas será o fim de toda a
biosfera? Não. Por causa dos justos e sensatos, Deus abreviará esses dias e não
dizimará toda a vida sobre a Terra, mantendo a promessa que fizera a nosso pai
Noé. Mas é necessário que o ser humano passe por essa tribulação para acordar
do seu egocentrismo e reconhecer, em definitivo, que ele é parte da comunidade
da vida e o principal guardador dela.
Que fazer para nos prepararmos para
esses tempos? Primeiramente, reconhecer que já vivemos neles. Hoje já não
sabemos quando virá a primavera ou o outono. Já não contamos com os meses de
frio e calor. Já não sabemos reconhecer quando fará chuva ou sol. Depois,
importa ficar quieto, vigiando e observando os sinais que indicam a aceleração
dos processos de mudança. E, sobretudo, é imprescindível converter-se, mudar de
hábitos de vida, uma mudança profunda, pessoal e definitiva. Só então
estaríamos em condições morais de pedir aos outros que façam o mesmo.
Mas, como no tempo dos profetas, poucos ouvirão, alguns escarnecerão e a maioria se manterá indiferente e se permitirá toda sorte de liberdades, como no tempo de Noé.
Deveríamos ainda voltar às raízes, recomeçar, como tantas vezes já fez a humanidade arrependida, reconhecendo que somos apenas criaturas e não Criador, que somos companheiros e não senhores da natureza; que para nossa felicidade é indispensável nos submeter às grandes leis da vida e ouvir com atenção a voz de nossa consciência. Se obedecermos a essas leis maiores, colheremos os frutos da Terra e a alegria da alma. Se desobedecermos a elas, herdaremos uma civilização como essa, na qual estamos vivendo, cheia de avidez, guerras e tristezas.
Para esses tempos de carestia que virão, é fundamental recuperar as ancestrais artes e técnicas do plantar, colher, comer; do cuidar dos animais e servir-se deles com respeito; do fazer utensílios e ferramentas com arte e tecnologia local; do selecionar e plantar as ervas que curam, e os grãos que nutrem; do recolher para tecer; do preservar as fontes de água, do encontrar lugares apropriados para cavarmos os poços e do aprender a guardar as águas da chuva. É entrar na faculdade da economia da escassez, da sobriedade compartida e da beleza despojada. Desse saber recuperado e enriquecido, surgiria uma civilização do contentamento, uma biocivilização, a Terra da boa esperança.
Mas, como no tempo dos profetas, poucos ouvirão, alguns escarnecerão e a maioria se manterá indiferente e se permitirá toda sorte de liberdades, como no tempo de Noé.
Deveríamos ainda voltar às raízes, recomeçar, como tantas vezes já fez a humanidade arrependida, reconhecendo que somos apenas criaturas e não Criador, que somos companheiros e não senhores da natureza; que para nossa felicidade é indispensável nos submeter às grandes leis da vida e ouvir com atenção a voz de nossa consciência. Se obedecermos a essas leis maiores, colheremos os frutos da Terra e a alegria da alma. Se desobedecermos a elas, herdaremos uma civilização como essa, na qual estamos vivendo, cheia de avidez, guerras e tristezas.
Para esses tempos de carestia que virão, é fundamental recuperar as ancestrais artes e técnicas do plantar, colher, comer; do cuidar dos animais e servir-se deles com respeito; do fazer utensílios e ferramentas com arte e tecnologia local; do selecionar e plantar as ervas que curam, e os grãos que nutrem; do recolher para tecer; do preservar as fontes de água, do encontrar lugares apropriados para cavarmos os poços e do aprender a guardar as águas da chuva. É entrar na faculdade da economia da escassez, da sobriedade compartida e da beleza despojada. Desse saber recuperado e enriquecido, surgiria uma civilização do contentamento, uma biocivilização, a Terra da boa esperança.
Depois dessa longa temporada de
lágrimas e esperanças, superaremos essa estúpida guerra de religiões, essa
intolerável disputa de deuses. Para além dos profetas e tradições, para além
das morais e liturgias, quem sabe voltemos a adorar, sob múltiplos nomes e
formas, o único Criador de todas as coisas e Pai-Mãe de todos os viventes, no grande Espírito que a tudo une e
inspira, entrelaçados amorosamente na única fraternidade universal. E poderemos, enfim, organizar verdadeiramente a
união de todos os povos do mundo, e um autêntico parlamento de todas as
religiões.”
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Crédito das Imagens:
1. Mãe Terra - http://conscienciaeusou.blogspot.com/2012/oracao-mae-terra-xama-alba-maria-html
2. Terra rachada - www.meioambiente.culturamix.com
3. Rebanho de ovelhas - Foto de Simone Monnet - Suiça.
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