Grafite com o rosto de Bolsonaro em muro do Rio de Janeiro - 12/07 - MAURO PIMENTEL/AF
Imagem do Brasil derrete no exterior e salienta
“crise ética e de falência de gestão” com Bolsonaro
Estudo
aponta que a percepção negativa do país piorou com a leitura de um “Governo
irresponsável” na pandemia e na proteção à Amazônia. Investidores adiam
decisões de aplicações no país para 2022 e empresários brasileiros pressionam
presidente.
Por: Heloísa
Mendonça
A notícia de que o presidente Jair Bolsonaro contraiu a covid-19 deu a volta ao mundo, repercutindo
nos principais veículos internacionais, que ressaltaram o histórico de
declarações negacionistas do presidente brasileiro sobre a pandemia do
coronavírus. Desde o
início da crise sanitária, a cobertura sobre o comportamento de Bolsonaro, que
defende que há um alarmismo sobre a pandemia e que o coronavírus é uma
“gripezinha”, tem ganhado mais espaço no noticiário internacional e acelerado
um desgaste da imagem do Brasil no exterior, segundo um estudo da consultoria
Curado & associados.
O levantamento, que analisou as publicações de sete veículos
internacionais de diferentes linhas editoriais, mostrou que essa percepção
negativa do país piorou do primeiro trimestre para o segundo, e mostra uma
“crise ética e de falência de gestão” do Governo. O tema da pandemia foi
responsável por 68% do total da cobertura negativa no segundo trimestre,
seguido pela cobertura da demissão do ex-ministro de
Justiça Sergio Moro (10%) e da devastação da Amazônia (8%). O estudo mostra que a cobertura
da gestão brasileira da covid-19 pela imprensa internacional cresceu 146% no
segundo trimestre.
“A cobertura da crise sanitária agravou a percepção de um Governo
irresponsável, de uma gestão sem liderança, cheio de declarações negacionistas
sobre a doença. A notícia sobre o presidente ter testado positivo para o
coronavírus, por exemplo, teve ampla cobertura pela forma desrespeitosa em que ele fez o anúncio”, diz Olga Curado
sócia-fundadora da consultoria. Após informar que tinha contraído a doença
durante entrevista coletiva com jornalistas no Palácio da Alvorada, o
presidente tirou a máscara que usava. O mandatário brasileiro também seguiu
insistindo que a infecção pelo novo vírus só é perigosa
para idosos e pessoas com doenças prévias. Entre os veículos pesquisados estão
o francês Le Monde, a revista inglesa The Economist, a alemã Der Spiegel e a
edição espanhola do EL PAÍS.
Desgaste por
números alarmantes do desmatamento
A consultora ressalta, no entanto, que, desde o ano
passado, as críticas sobre as políticas ambientais de Bolsonaro também permeiam
bastante o noticiário e que vários veículos já projetam os impactos econômicos
das ações do Governo. Em 23 de junho, por exemplo, três jornais, The
Guardian, The New York Times e The Washington Post fizeram
reportagens sobre alertas de “investidores de trilhões de dólares” ao Brasil
pelas políticas de “desmantelamento” da Amazônia. Naquele dia, instituições
financeiras responsáveis pela gestão de mais de 4 trilhões de dólares enviaram
uma carta ao Governo Bolsonaro avisando sobre o risco de retirada de
investimentos no país, caso não houvesse ações mais efetivas para controlar o
desmatamento. Depois, o empresariado nacional aumentou o coro sobre o tema com
um manifesto semelhante assinado por 38 companhias, entre elas pesos pesados
como o Banco Itaú, o maior da América Latina, Santander, e empresas ligadas ao
agronegócio, como o braço brasileiro da Cargill.
A pressão dos estrangeiros acendeu um alerta
vermelho no Planalto, que marcou uma reunião por videoconferência com
representantes dos fundos, na última quinta-feira, 9, comandada pelo
vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia.
Na sexta, foi a vez de Mourão receber o movimento brasileiro. “Em nenhum
momento investidores se comprometeram com investimento, eles querem ver
resultados, querem ver a redução de desmatamento”, disse Mourão, após o
encontro online com investidores. O vice-presidente brasileiro admite a
necessidade de combater ilegalidades na Amazônia, mas defende, assim como
Bolsonaro, que há um exagero na percepção sobre destruição da região. “A
floresta está em pé, muitos colocam que a floresta está queimando”, disse. Na
mesma sexta-feira, 10, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou a maior alta de desmatamento para o mês de junho desde 2015,
apesar de uma ação militar, comandada por Mourão, ter entrado na Amazônia em
maio para combater o desmatamento.
No início do mês, em discurso na Cúpula do
Mercosul, o mandatário brasileiro já tinha reclamado de “visões” no exterior
que, segundo o seu entendimento, são “distorcidas” e não refletem o real esforço do Governo, sobretudo em
temas como a defesa da região amazônica e o relacionamento com povos indígenas.
Num esforço para continuar as negociações do acordo do bloco com a União
Europeia, o presidente afirmou que seguirá o diálogo com diferentes
interlocutores para desfazer essas opiniões. Segundo fontes diplomáticas
europeias consultadas pelo EL PAÍS, se os resultados práticos de redução dos
índices de desmatamento não aparecerem rapidamente, há um risco do acordo
entres os blocos não sair do papel.
Incerteza política
Para além do problema ambiental, a crise política
no país e a agenda econômica diante da pandemia também preocupa investidores
estrangeiros que, ao fim e ao cabo, paralisam potenciais recursos que poderiam
ajudar o Brasil ainda mais neste momento de crise. “Há uma forte incerteza
política, saídas de ministros, discussões entre o Executivo, Congresso e
governadores. Há até mesmo uma avaliação da condução de uma crise sanitária
como essa. São coisas que os investidores ponderam no momento que decidem se
vão investir em um país”, diz Martin Castellano, chefe da seção de América
Latina do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).
Na avaliação de Castellano, há ainda muitas dúvidas
sobre a capacidade que o presidente terá de retomar as pautas reformistas da
equipe econômica. “Por conta da pandemia e motivos domésticos, as reformas
ficaram de lado e perderam a prioridade. As restrições para seguir são mais
desafiantes que antes”, diz. O próprio pacote de estímulo para combater os
efeitos da crise sanitária, um dos mais ambiciosos da região, gera incerteza
sobre o tamanho do rombo das contas públicas e o futuro fiscal do país, alerta
Castellano.
As primeiras consequências no curto prazo já podem ser constatadas com o aumento da saída de capital estrangeiro, principalmente do setor acionário, mas também do investimento estrangeiro direto, segundo Castellano. A projeção da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) é que o volume de capital estrangeiro para o país só tende a começar uma retomada em 2022, ano eleitoral, um desafio em dobro para Bolsonaro que sonha com a reeleição. A forte desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses também é um indício dessa desconfiança crescente em relação à economia brasileira.
As primeiras consequências no curto prazo já podem ser constatadas com o aumento da saída de capital estrangeiro, principalmente do setor acionário, mas também do investimento estrangeiro direto, segundo Castellano. A projeção da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) é que o volume de capital estrangeiro para o país só tende a começar uma retomada em 2022, ano eleitoral, um desafio em dobro para Bolsonaro que sonha com a reeleição. A forte desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses também é um indício dessa desconfiança crescente em relação à economia brasileira.
Do ponto de vista diplomático, o desgaste da imagem
do Brasil diante da pandemia, que matou mais de 72.000 pessoas no país, já
acarretou na perda de representatividade nos fóruns internacionais. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) não convidou Bolsonaro para participar de
debate multilateral sobre o enfrentamento à crise sanitária. “Sempre houve uma
tradição brasileira, que nem os governos militares conseguiram destruir, de uma
diplomacia competente e profissional, de mediação”, explica Javier Vadell,
professor de relações internacionais da PUC (Pontifícia Universidade Católica)
de Minas Gerais. Mas, agora, segue Vadell, com o alinhamento do Brasil com Donald Trump, as gafes do
presidente e membros do Governo com líderes mundiais e toda a atitude
negacionista sobre a Amazônia e a pandemia, “a reputação do país está no chão”.
Mais publicidade
para agenda positiva
Com a imagem do Brasil abalada por sucessivas
crises e declarações, o Governo tenta reverter o quadro apostando em mais
gastos em publicidade e relações públicas para fomentar uma agenda mais
positiva do país. A Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) pediu, no
início de junho, a liberação, ainda para este ano, de 325 milhões de reais para
publicidade e relações públicas ― mais que o dobro previsto no orçamento do
início do ano ― e justificou o pedido de ampliação com o argumento da pandemia.
Segundo a Folha de São Paulo, em um dos ofícios da Secom à
Secretaria Geral da Presidência, se argumenta que a repercussão negativa das
ações do Governo está impactando a imagem do país e é necessário incentivar a
“veiculação de pautas positivas” no Brasil e no exterior.
Há ainda o pedido de liberação de 60 milhões para gastar em veículos no exterior. “O Brasil tem sido citado de forma recorrente pelos principais jornais e agências de notícias internacionais, e críticas à atuação do governo no enfrentamento à covid-19 têm sido amplamente divulgadas”, diz o secretário-adjunto Samy Liberman em um dos ofícios encaminhados segundo a Folha de São Paulo. Desde janeiro de 2019, a Secom está sem contrato para os serviços de relações públicas no exterior.
Há ainda o pedido de liberação de 60 milhões para gastar em veículos no exterior. “O Brasil tem sido citado de forma recorrente pelos principais jornais e agências de notícias internacionais, e críticas à atuação do governo no enfrentamento à covid-19 têm sido amplamente divulgadas”, diz o secretário-adjunto Samy Liberman em um dos ofícios encaminhados segundo a Folha de São Paulo. Desde janeiro de 2019, a Secom está sem contrato para os serviços de relações públicas no exterior.
No Brasil, a imagem do presidente também sofre
abalos. Segundo a pesquisa do Datafolha, feita no final de junho, a rejeição ao
presidente atinge 44% dos brasileiros. A aprovação é de 32%, enquanto os que
avaliam Bolsonaro como regular são 23%.
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