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BRASIL - COVID-19 NAS FAVELAS - MUITAS QUESTÕES SEM RESPOSTAS

27 março, 2020

Por: João Vitor Santos e Patricia Fachin | 27 Março 2020
IHU-Usininos 
A questão mais preocupante em relação à expansão do coronavírus no Brasil, e para a qual ainda se tem poucos dados, é “saber como se dará a evolução do Covid-19 numa população que vive em condições precárias e que terá dificuldade de executar de forma apropriada as recomendações de isolamento social e de higiene das mãos e objetos”, diz o médico e vice-presidente da Abrasco à IHU On-Line.
Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp, Dr. Guilherme Werneck avalia que, apesar de necessárias, as medidas adotadas em âmbito federal e estadual para reduzir a disseminação do coronavírus, acabam sobrecarregando as populações mais empobrecidas do país. Somente no Rio de Janeiro, lembra, existem mais de 700 favelas, onde vivem 22% da população carioca. Como conseguir que as medidas de isolamento social, de afastamento entre pessoas, lavagem periódica das mãos e a limpeza doméstica consigam ser feitas em condições sanitárias adequadas, quando as pessoas vivem em lugares pequenos, pouco arejados, aglomeradas em pequenos cômodos, onde não existe saneamento básico e onde o acesso à água é reduzido?”, questiona. O afastamento dessa população do trabalho, pondera, também gera consequências. “Como vão obter os recursos financeiros para poderem se alimentar, se estiverem afastados do trabalho durante a epidemia? É preciso lembrar que boa parte dessa população vive e trabalha em condição de total informalidade, ou seja, o afastamento do trabalho implica na não remuneração”.
Entre as alternativas possíveis para minimizar os impactos da epidemia nas populações que mais precisam, Werneck sugere, por exemplo, “que se faça chegar água a essas comunidades para que as pessoas possam lavar as mãos com mais frequência. Isso pode ser feito com a entrega de tonéis de água que sejam utilizados com torneiras, como já ocorre em países africanos. Além disso, é muito importante que se façam atividades e iniciativas para doação e chegada de produtos de primeira necessidade até essas populações, sejam produtos de limpeza, sejam produtos alimentícios, para que elas possam superar as necessidades que vão encontrar enquanto estiverem afastadas do trabalho”.
Guilherme Werneck é graduado em Medicina, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ e doutor em Saúde Pública e Epidemiologia pela Harvard School of Public Health. É professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IESC/UFRJ e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco.
Confira a entrevista.

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IHU On-Line - Atualmente, quais são os desafios do Brasil diante da Covid-19?

Guilherme Werneck - A Covid-19 tem demonstrado duas feições claras: apresenta uma alta capacidade de disseminação e uma capacidade mais baixa de causar mortes quando comparada com outras infecções por coronavírus que provocaram epidemias recentes (SARS-CoV e MERS-CoV). Essa capacidade de provocar mortes, também chamada de letalidade (proporção de infectados que eventualmente morrem), está em torno de 2% para a Covid-19, isto é, pode-se esperar que mais ou menos duas pessoas morram a cada 100 casos identificados da doença. O grande problema da Covid-19 é que o número de casos tem crescido muito rapidamente no mundo. Em cerca de três meses desde o início da epidemia na China, no final de 2019, já ocorreram mais de 400 mil casos no mundo e 18 mil mortes, e espera-se que ainda muitos casos e óbitos venham a ocorrer nos próximos meses. Pode-se esperar que cerca de duas pessoas morram a cada 100 casos identificados da doença. 

Evitar as mortes por Covid-19 é uma das metas mais importantes no momento. Para isso, duas medidas precisam ser implementadas:

Primeira - Reforço da noção de "etiqueta respiratória" (proteger a boca ao tossir) e da higiene das mãos e de objetos em associação com a redução do contato social para que menos casos ocorram; 
Segunda - Preparação dos serviços de saúde para prover a atenção necessária aos casos mais graves que ocorrem prioritariamente com pessoas idosas e que já têm outras doenças (câncer, diabetes, doenças do coração, asma, entre outras).

O desafio

Um grande desafio que nos está apresentado é justamente buscar meios de evitar que os serviços de saúde sejam sobrecarregados com um grande volume de casos que necessitem de hospitalização ou atendimento em unidades de terapia intensiva. Nesse sentido, a redução do contato social e o isolamento de casos suspeitos e confirmados de Covid-19 poderão reduzir a velocidade da epidemia ou "achatar a curva epidêmica", evitando, dessa forma, que um número muito grande de casos que necessitem de assistência médica apareçam simultaneamente, diminuindo assim a sobrecarga dos serviços de saúde.

IHU On-Line - Como se imagina que o vírus deve se comportar num país como o Brasil?


Guilherme Werneck -
Sabe-se pouco sobre as características de transmissão da Covid-19 num contexto como o brasileiro, em que as temperaturas são mais altas e existe grande desigualdade social, com populações vivendo em condições precárias de habitação e saneamento, sem acesso constante à água e em situação de aglomeração. Estudos preliminares sugerem que o coronavírus tenderia a se espalhar mais lentamente em condições de temperatura e umidade mais elevadas. Se isso for verdade, seria um alento, pois a epidemia no Brasil poderia ter um curso menos abrupto. Porém, os dados até agora não indicam nessa direção e é preciso lembrar que entraremos no outono, estação em que tradicionalmente há um aumento da transmissão de doenças respiratórias.

A questão mais preocupante, e para a qual temos poucos dados, é saber como se dará a evolução de Covid-19 numa população que vive em condições precárias e que terá dificuldade de executar de forma apropriada as recomendações de isolamento social e de higiene das mãos e objetos. Até agora, a epidemia ainda se caracteriza por estar mais concentrada em pessoas de classe média ou média alta que retornaram de viagens ao exterior ou seus contatos. Somente quando a transmissão comunitária de Covid-19 se estabelecer de forma disseminada, atingindo grande parte da população que vive em comunidades pobres, é que poderemos avaliar de forma mais cabal qual será o impacto da pandemia na população brasileira.

IHU On-Line - Considerando a desigualdade social que existe no país, que medidas emergenciais poderiam ser tomadas para enfrentar a pandemia junto àquelas pessoas que vivem aglomeradas em favelas, ocupações, ou mesmo em situação de rua?

Guilherme Werneck – Uma questão que tem sido relativamente negligenciada no enfrentamento da pandemia de Covid-19 é o impacto que ela poderá ter ao alcançar populações de mais baixa renda. Como disse, até este momento, o perfil das pessoas acometidas pela Covid-19 no Brasil ainda se aproxima muito de um perfil de população de classe média ou classe média alta, porque foram essas pessoas que realizaram viagens para o exterior e lá adquiram a infecção. Entrando no Brasil, elas desenvolveram a doença e a transmitiram para seus contatos.

A partir de agora, a tendência é que essa infecção se espalhe para a população de baixa renda. As ações que estão sendo preconizadas - embora sejam necessárias para a redução do impacto da epidemia no Brasil - são, na maior parte das vezes, medidas que afetam e sobrecarregam as populações de baixa renda e são muito mais difíceis de serem implementadas por elas, já que vivem em condições sanitárias inadequadas.

A cidade do Rio de Janeiro conta com mais de 700 favelas, e mais de um milhão de pessoas ou (cerca de 22% da sua população da cidade) vivendo nessas regiões.

Como conseguir que as medidas de isolamento social, de afastamento entre pessoas, lavagem periódica das mãos e a limpeza doméstica consigam ser feitas em condições sanitárias adequadas, quando as pessoas vivem em lugares pequenos, pouco arejados, aglomeradas em pequenos cômodos, onde não existe saneamento básico e onde o acesso à água é reduzido?

Soma-se a isso o fato de que as ações de isolamento social também prejudicam, de certa forma, esses indivíduos em outro sentido: como vão obter os recursos financeiros para poderem se alimentar, se estiverem afastados do trabalho durante a epidemia? É preciso lembrar que boa parte dessa população vive e trabalha em condição de total informalidade, ou seja, o afastamento do trabalho implica na não remuneração.


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Fonte da matéria:

http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597542-como-se-dara-a-evolucao-de-covid-19-na-populacao-que-vive-em-condicoes-precarias-entrevista-especial-com-guilherme-werneck-2 se dará a evolução de Covid-19 

Créditos das Imagens:

1. Favela da Rocinha - Rio de Janeiro-RJ www.viator.com.br
2. Dr. Guilherme Werneck - acervo pessoal.
3. Comércio na Rocinha - www.papo-reto.com.br.jpg - 26.03.2020



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