Foram-se dois
anos de saudades, protestos, indignação, mobilizações populares e muitas interrogações,
em busca de saber quem mandou matar a deputada carioca MARIELLE FRANCO, assassinando
ao seu lado também Anderson Gomes, que dirigia o carro em que ela se locomovia.
Ontem, sábado
13, segundo aniversário de sua morte, estavam marcadas manifestações de rua,
que de última hora foram suspensas, em decorrência da pandemia do Corona Vírus.
Mas, não se fez silêncio.
Faixas de luto foram penduradas em muitos locais, a Rede
Globo divulgou que será lançado esta semana um documentário sobre este
assassinato não resolvido, várias organizações e coletivos de mulheres multiplicaram manifestos,
e a imprensa democrática de vários modos lembrou a data, aqui no Brasil e no
Exterior, reforçando a certeza de que
essa dor que carregamos não pode ficar assim por mais tempo. Embora, se
olharmos as sementes que Marielle deixou, as organizações que
provocou, as vocações políticas que fez florescer, e a vontade de luta que nos
alimenta a cada dia, também podemos celebrar que Marielle não morreu.
No texto abaixo, do portal BRASIL DE FATO (SP) temos uma pequena amostra de uma primavera nascente de
Marielles que, ao lado das Margaridas e de inúmeros outros grupos de mulheres
organizadas, ampliam e vitalizam as energias da resistência democrática no
nosso país. Os grifos são nossos.
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SEMENTE
Marielle Franco: dois anos depois, deputadas mantêm vivo legado da vereadora no Rio
Pautas das mulheres negras, da comunidade periférica e LGBT são defendidas no legislativo por sucessoras de Marielle
Marina Duarte de Souza
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
13 de Março de 2020
"A inspiração da Marielle fica na defesa incondicional dos direitos humanos, na luta por justiça social e contra todas as desigualdades", afirma Mônica Francisco, deputada estadual (PSOL-RJ) - Renan Olaz / AFP
"Tentaram nos enterrar, mas não sabiam que éramos sementes”. As palavras de ordem que ecoam nas mobilizações das mulheres brasileiras, ecoaram ainda mais alto após o assassinato de Marielle Franco que completa dois anos neste sábado, 14/03/2020.
A trajetória de luta da socióloga, defensora dos direitos humanos e ativista feminista não foi interrompida com o crime que tirou sua vida no dia 14 de março de 2018 e que segue sem resposta. A resistência da vereadora carioca se tornou semente e seu legado segue dando frutos pelo Brasil e pelo mundo.
O legado de Marielle está nas ruas e nos espaços de decisão política do país. O principal deles é hoje a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em que as três assessoras da vereadora agora ocupam os cargos de deputadas estaduais e seguem levando as pautas das mulheres negras, da comunidade periférica e LGBT ao legislativo carioca.
Dani Monteiro, jovem negra, favelada, socialista e feminista, foi assessora do mandato de Marielle Franco e é a deputada estadual mais jovem pelo PSOL-RJ - Créditos: Reprodução Facebook
Dani Monteiro, Mônica Francisco e Renata Souza, são as sementes que Marielle plantou muito antes da sua bárbara execução. A luta da vereadora e militante foi de encontro às mulheres, mulheres negras, da população LGBT e, também, da população da favela e da periferia. As parlamentas e amigas concordam e reforçam que a Marielle encarnou no seu corpo e na sua vida todas essas lutas.
“Marielle deixa um legado gigante e pelo seu gigantismo, não poderia apequená-lo em uma só figura ou em um só grupo, seu bom recado é muito claro para toda a humanidade, que a humanidade não se desumanize”, resume Renata Souza.
"Uma sobe e puxa a outra"
O sonho de candidatura dessas as parlamentares, hoje eleitas, foi construído junto com a vereadora, que na época projetava ser vice-governadora na chapa de Tarcísio Motta (Psol). “A importância da Marielle para minha vida política é total, o sonho da minha candidatura nasce a partir dela, então ela é minha madrinha mentora na política”, relata Mônica Francisco.
A deputada aponta que essa mobilização da ativista veio antes do crime por meio da filosofia "uma sobe e puxa a outra" e começou a provocar em uma parte da sociedade o pensamento e o olhar mais apurado em relação à presença das mulheres negras na política.
Foi assim também com Dani Monteiro, que com 27 anos foi a candidata mais jovem a se tornar deputada. “Pessoalmente ela foi me motivando a continuar. Isso já embasa a importância política, para mim, enquanto pessoa, a esperança que ela me passava e a certeza que a gente estava caminhando para o rumo certo da história". Mas isso é também de importância política para todos e todas”, conta.
Além da luta de Marielle e de outras mulheres negras “que vieram antes delas” na ocupação desse espaço, as parlamentares pontuam que o resultado nas urnas também foi uma resposta social aos que tentam impedir o nosso projeto de sociedade.
“Nós também somos resposta, resposta à não visibilidade da mulher negra, resposta à execução de Marielle, resposta à interrupção de um mandato que representava bandeiras muito importantes, que falam da maioria social desse país, que são mulheres, mulheres negras, jovens negros, a população mais vulnerável das periferias”, afirma Francisco.
Dani Monteiro destaca que, assim como ela é semente de Marielle, todos os outros “favelados e faveladas que não aceitam o dia a dia de violação de direitos nas favelas', também são sementes. As deputadas seguem na “resistência contínua e cotidiana” num espaço que sempre foi majoritariamente branco, mas que hoje precisa lidar com suas presenças e bandeiras. Isso também se traduz na realização das propostas ligadas ao legado de Marielle, e à história do movimento negro.
"Esta é a resistência cotidiana onde a gente alia a experiência trazida do movimento social, às bandeiras que são importantes para nós, com o fazer política institucional. É claro que a gente encontra barreiras, mas a gente consegue minimamente articular e avançar em muitos pontos", explica Francisca.
Seguindo a filosofia africana “sou, porque somos”, também conclamada por Marielle Franco durante a sua trajetória, as parlamentares pautam projetos juntas, que englobam a inserção de jovens no mercado de trabalho, atendimento de vítimas de violência contra a mulher, cotas de emprego para população trans, recursos financeiros para vítimas da atuação violenta do estado, programa de prevenção ao suicídio dos policiais, entre outros.
"Eu não posso me refutar a trazer aqui dentro do parlamento todo esse acúmulo, toda essa potência que as favelas do nosso estado tem, e que é renegada apenas à violência e apenas ao ódio. Então, aqui também a gente construiu um mandato muito ativo e participativo, e tem proposições que o governador não tem como não sancionar", ressalta Monteiro.
Atuação nas ruas
Além da atividade parlamentar, o legado de Marielle também permanece vivo nas ruas. Em Valinhos, interior de São Paulo, quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou uma área improdutiva da região, em abril de 2018, um mês após seu assassinato, nomeou-o de Acampamento Marielle Vive.
Muro da escola do Acampamento Marielle Vive homenageia o assentado Luís Ferreira e Marielle Franco, ambos assassinados na luta por justiça social / Marina Duarte de Souza/Brasil de Fato
“A Marielle atuava principalmente na cidade, na periferia do Rio de Janeiro, mas ela dedicou a sua vida a defender os trabalhadores e trabalhadoras injustiçados. A gente se reconhece nela nesse momento, por essa mesma compreensão em relação à necessidade de uma transformação social, e de dedicar a vida para essa mudança”, explica a coordenadora estadual do MST, Tassi Barreto, sobre a escolha do nome.
A militante pontua que Marielle é uma inspiração em vários aspectos para o movimento e que há um reconhecimento também na sua dimensão de mulher lutadora, que rompe muitas dificuldades para poder estudar, se formar e poder ser mãe, uma mulher "que brincava, que amava, que sorria e que lutava”, nas palavras de Barreto.
O encontro da luta urbana de Marielle, com a luta do campo, ganhou outra ponte quando as mulheres do acampamento se reuniram no coletivo As Marielles, com o objetivo de se fortalecerem contra a violência doméstica, e promover a geração de renda como forma de autonomia, autoestima e resistência das mulheres. Atualmente, são cerca de 30 mulheres que fazem parte do coletivo e que formam uma pequena cooperativa. A partir do saber de cada uma, elas realizam oficinas e confeccionam produtos comercializados em feiras e eventos.
“A gente diz que nós somos as Marielles, porque é a identidade enquanto acampamento Marielle, com a força que traz. Essa companheira nos dá garra todos os dias, para seguir adiante, mesmo com todas as dificuldades”, afirma Barrreto.
Na favela do Borel, Rio de Janeiro, Blenda Paulino se refere à mesma inspiração de Marielle, “a imagem e a força dela que faz, por exemplo, eu levantar todo dia para lutar e acreditar”. A estudante de biblioteconomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de 21 anos, se uniu a outros jovens da comunidade, para transformar a dor da perda da vereadora em motor para outras colheitas do seu legado.
Com inspiração de Marielle, coletivo "Brota na Laje" desenvolve ações de educação popular para os jovens das favelas da Tijuca, Rio de Janeiro / Reprodução Instagram
“A gente sentiu uma inquietação muito grande, como faríamos com a tristeza que estávamos sentindo e como a gente se moveria dentro do território. Então, começamos a nos organizar e a nos estruturar nas lajes, para discutir o que seria a política para cada um", conta Paulino. Dessa organização surgiu o projeto Brota na Laje - Juventude de Favela, hoje com dois anos de atuação. O projeto cresceu e, além da formação política em torno dos direitos das comunidades, o coletivo oferece cursinho pré-vestibular para mais de 100 adolescentes das favelas da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro.
O objetivo é contribuir com sonhos de outros jovens por meio da educação, e compartilhar a ferramenta de transformação que Paulino e os amigos encontraram, ao serem os primeiros das suas famílias a “ocuparem” a universidade.
“Foi uma forma mesmo de continuar dando voz à memória dela, e de continuar as lutas, que eram tão importantes, e que me fizeram votar nela. O seu legado mesmo somos nós, os que já estão e os que estão vindo. É perpetuando mesmo a luta que a gente se faz presente, para que outros também possam estar nesses espaços”, aponta a estudante.
Paulino se reconheceu na luta política da Marielle para encontrar seu lugar e começar a ocupar espaços políticos que a contemplassem como mulher preta.
“Hoje nos temos mulheres que coordenam o pré-vestibular do Broto na Laje, são mulheres pretas que estão de frente e estão dentro da sala de aula dando aula,isso é de uma importância política muito grande. A gente diz que as sementes são estas questões, são essas sementinhas que vão brotando e brotando e vão dando coisas bem boas”, exclama Paulino.
Mapas das Sementes
A formação de grupos, projetos e escolas inspirados na ativista, brotaram tanto pelos cantos do país e do mundo que o Instituto Marielle Franco, criado pela família com o objetivo de buscar justiça sobre o caso e defender sua memória, lançou um Mapa dos Coletivos para identificar os frutos da sua luta e formar uma rede de apoio.
O projeto Florescer por Marielle, do Partido Socialista (PSOL), reuniu em um mapa as placas produzidas com nome da vereadora, desde que tentaram destruir a primeira homenagem colocada na Praça da Cinelândia. Na época candidato a deputado federal pelo partido que elegeu Jair Bolsonaro, Daniel Silveira (PSL) quebrou a homenagem durante um comício, com a presença do hoje governador Wilson Witzel (PSC). No dia 13 de março do ano passado, na véspera de completar um ano do assassinato da vereadora, Witzel recebeu os pais de Marille no Palácio da Guanabara para pedir desculpas pelo ocorrido.
Mais simbólico do que a desculpa do governador, em resposta a esse desrespeito, foram produzidas e espalhadas pelo mundo novas placas. Mais de 18 mil estão identificadas no mapa disponível no Portal Rua Marielle Franco.
Imagem do mapa interativo do portal Rua Marielle Franco, que mostra placas pelo Brasil e pelo mundo. / Reprodução Rua Marielle Franco
Edição: Leandro Melito
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Fonte do texto:
https://www.brasildefato.com.br/2020/03/13/o-legado-de-marielle-franco-inspira-lutas-pelo-brasil-e-pelo-mundo
Crédito das Imagens - Todas as imagens desta postagem são reprodução da fonte do texto do Portal Brasil de Fato.
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