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AMATRICE - IT – APÓS O VENTO, UM TERREMOTO...

28 agosto, 2016



Após a tragédia de Amatrice, na Itália, recebi um comentário feito pelo Economista Luigino Bruni, professor da Universidade de Roma - LUMSA, e coordenador da Comissão Central do Movimento Economia de Comunhão, que é difundido em todo o mundo. 

Ao ler o seu texto, experimento um movimento interior que me faz sentir melhor os pés no chão, eu que nasci no Sertão brabo do Moxotó, cujo povo bem conhece – como agora – as agruras periódicas da estiagem. Eu, que hoje me situo entre os brasileiros indignados por este momento infame em que se renega, com tamanho desdém e pouca vergonha, uma democracia construída corajosamente, num momento tão difícil da nossa história. Eu que nesses dias participo, com um sentimento de compaixão, da dor do povo da Itália, minha segunda pátria, onde aprendi a aprender... E ainda hoje tento. 

Segue a versão portuguesa do texto do professor e economista italiano Luigino Bruni.




“Após o vento, um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto”. (1 Re,19).

O campanário da igreja da cidade de Amatrice, que marca 3:36h, é uma imagem forte para falar do que aconteceu àquela noite. Foi o último minuto marcado para as tantas vítimas, será um minuto que se recordará para sempre, porque ficou gravado na carne e no coração dos seus familiares. Um momento que será lembrado pelo nosso país, cuja história recente também é uma série de relógios parados para sempre, pela violência dos homens e, agora, até mesmo da terra.


                                          
Eu igualmente lembrarei, para sempre, porque este grito da terra também chegou à casa dos meus pais, em Roccafluvione, há cerca de uns vinte quilômetros de Arquata do Tronto onde eu me encontrava para visitá-los. Foi uma longa noite de medo, de dor, de preocupações por Amatrice, Arquata e Accumuli, lugares da minha infância, perto das cidades dos meus avós, lugares em que todo verão eu acompanhava o meu pai, que trabalhava como vendedor ambulante de frangos. Havia, ainda, outras preocupações, pensamentos que em geral nunca temos, porque só se pode tê-los nas noites tremendas.

Fiquei a pensar que aquele tempo fixado às 3:36h, no relógio do campanário que estava ali parado, morto, era apenas uma dimensão do tempo que os gregos chamavam kronos, que estimava apenas o tempo da superfície, do chão do tempo.

No mundo em que vivemos existe o tempo controlado, domesticado, construído, usado para viver. Mas, no subsolo há outro tempo: é o tempo da terra. Aquele tempo não-humano, às vezes des-umano, comanda o tempo dos homens, das mães, das crianças.

Pensava que não somos nós os senhores desse outro tempo, mais profundo, abissal, primitivo, que não segue o nosso passo, às vezes está contra os passos de quem os caminha acima.

E quando chegam essas noites aterrorizantes, percebemos aquele tempo diverso sobre o qual caminhamos e construímos a nossa casa. Então, nasce toda nova a certeza de sermos “erva do campo”, banhada e nutrida pelo céu, mas também engolida pela terra.

A terra, a verdadeira e  não aquela romântica  e  ingênua das ideologias é, a um só tempo, mãe e madrasta. O húmus gera o homo, mas o faz também voltar a ser pó, às vezes bem e no momento propício, mas, outras vezes mal, muito cedo, e com muita dor.

O humanismo bíblico sabe isto muito bem, e por isto mesmo lutou muito contra os cultos pagãos dos povos vizinhos, que queriam fazer da terra e da natureza uma divindade: a força da terra sempre encantou os homens que procuraram comprá-la com magia e sacrifícios. E assim, enquanto em vão eu procurava retomar o sono, lembrava os livros tremendos de Jó e de Qqhelet, que são mais compreendidos durante essas noites.

Aqueles livros nos dizem que nenhum Deus, nem mesmo aquele verdadeiro, pode controlar a terra, porque Ele, a partir de quando entra na história humana é vítima da misteriosa liberdade da sua criação. Nem mesmo Deus nos pode explicar porque as crianças morrem esmagadas debaixo das antigas pedras de nossas cidades. Ele não consegue explicar-nos porque não o sabe, porque se o soubesse seria um ídolo monstruoso.

Deus, que hoje olha a terra dos três A (Arquata, Accumuli, Amatrice), pode apenas nos fazer as mesmas perguntas: pode gritar, calar e chorar junto a nós. E, quem sabe, lembrar-nos com as palavras da Bíblia, que tudo é vaidade das vaidades: tudo é sopro, vento, neve, desperdício, nada, efêmero. Vaidade, em hebraico escreve-se Habel, a mesma palavra de Abel, o irmão assassinado por Caim.

Tudo é vaidade, tudo é um infinito Abel: o mundo está cheio de vítimas. Isto nós sabemos. Sabemos, mas o esquecemos, quase sempre.

Estas noites e estes dias tremendos estão a nos lembrar essa realidade.  

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Luigino  Bruni é  acadêmico, escritor e jornalista italiano. Economista e histórico do pensamento econômico, com interesses em filosofia e teologia, é uma personalidade de relevo da economia de comunhão e da economia civil. Editorialista do jornal italiano Avvenire, é professor ordinário de economia política na Universidade LUMSA, em Roma, após alguns anos como professor associado da Universidade de Milão-Bicocca. Junto a Stefano Zamagli é promotor e cofundador da SEC - Escola de Economia Civil. www.scuoladieconomiacivile.it.
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Para conhecer outros artigos do autor:
www.edc-online.org/it/pubbliazioni/articoli-di-luigino-bruni.html

Versão portuguesa do texto: Vanise Rezende

Créditos das Imagens:

1. Mapa da localização do terremoto - pt.db-city.com/Italia
2. Amatrice-IT, antes e depois - www.si24.it
3. Mapeamento do local via Gogle satelite
4. Estiagem no Nordeste do Brasil - www.caninde.soares.com/fotojornalismo
5. Inundação em Palmares, PE, Brasil - www.noticias.uol.com.br
6. Cristo Redentor iluminato após a tragedia in Itália, com as cores da bandeira italiana - RJ. Foto de Vladimir Platonew - Agência Brasil. www.fotospublicas.com

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