Após a tragédia de Amatrice, na Itália, recebi um comentário feito pelo Economista Luigino Bruni, professor da Universidade de Roma - LUMSA, e coordenador da Comissão Central do Movimento Economia de Comunhão, que é difundido em todo o mundo.
Ao ler o seu texto, experimento
um movimento interior que me faz sentir melhor os pés no chão, eu que nasci no
Sertão brabo do Moxotó, cujo povo bem conhece – como agora – as agruras periódicas
da estiagem. Eu, que hoje me situo entre os brasileiros indignados por este
momento infame em que se renega, com tamanho desdém e pouca vergonha, uma democracia construída corajosamente, num momento tão difícil da nossa história. Eu que nesses dias participo, com um sentimento de compaixão, da dor do povo da Itália, minha segunda pátria, onde aprendi a
aprender... E ainda hoje tento.
Segue a versão portuguesa do texto do professor e economista italiano Luigino Bruni.
O campanário da igreja da cidade de
Amatrice, que marca 3:36h, é uma imagem forte para falar do que aconteceu
àquela noite. Foi o último minuto marcado para as tantas vítimas, será um
minuto que se recordará para sempre, porque ficou gravado na carne e no coração
dos seus familiares. Um momento que será lembrado pelo nosso país, cuja
história recente também é uma série de relógios parados para sempre, pela
violência dos homens e, agora, até mesmo da terra.
Eu igualmente lembrarei, para sempre, porque este grito da terra também chegou à casa dos meus pais, em Roccafluvione, há cerca de uns vinte quilômetros de Arquata do Tronto onde eu me encontrava para visitá-los. Foi uma longa noite de medo, de dor, de preocupações por Amatrice, Arquata e Accumuli, lugares da minha infância, perto das cidades dos meus avós, lugares em que todo verão eu acompanhava o meu pai, que trabalhava como vendedor ambulante de frangos. Havia, ainda, outras preocupações, pensamentos que em geral nunca temos, porque só se pode tê-los nas noites tremendas.
Fiquei a pensar que aquele tempo fixado
às 3:36h, no relógio do campanário que estava ali parado, morto, era apenas uma
dimensão do tempo que os gregos chamavam kronos,
que estimava apenas o tempo da
superfície, do chão do tempo.
No mundo em que vivemos existe o
tempo controlado, domesticado, construído, usado para viver. Mas, no subsolo há
outro tempo: é o tempo da terra. Aquele tempo não-humano, às vezes des-umano,
comanda o tempo dos homens, das mães, das crianças.
Pensava que não somos nós os
senhores desse outro tempo, mais profundo, abissal, primitivo, que não segue o
nosso passo, às vezes está contra os passos de quem os caminha acima.
E quando chegam essas noites aterrorizantes,
percebemos aquele tempo diverso sobre o qual caminhamos e construímos a nossa
casa. Então, nasce toda nova a certeza de sermos “erva do campo”, banhada e
nutrida pelo céu, mas também engolida pela terra.
A terra, a verdadeira – e não
aquela romântica e ingênua das ideologias – é, a um só tempo, mãe e madrasta. O húmus gera o homo, mas o faz também voltar a ser pó, às vezes bem e no momento
propício, mas, outras vezes mal, muito cedo, e com muita dor.
O humanismo bíblico sabe isto muito
bem, e por isto mesmo lutou muito contra os cultos pagãos dos povos vizinhos,
que queriam fazer da terra e da natureza uma divindade: a força da terra sempre
encantou os homens que procuraram comprá-la com magia e sacrifícios. E assim,
enquanto em vão eu procurava retomar o sono, lembrava os livros tremendos de Jó
e de Qqhelet, que são mais compreendidos durante essas noites.
Aqueles livros nos
dizem que nenhum Deus, nem mesmo aquele verdadeiro, pode controlar a terra,
porque Ele, a partir de quando entra na história humana é vítima da misteriosa
liberdade da sua criação. Nem mesmo Deus nos pode explicar porque as crianças
morrem esmagadas debaixo das antigas
pedras de nossas cidades. Ele não consegue explicar-nos porque não o sabe,
porque se o soubesse seria um ídolo monstruoso.
Deus,
que hoje olha a terra dos três A (Arquata, Accumuli, Amatrice), pode apenas nos
fazer as mesmas perguntas: pode gritar, calar e chorar junto a nós. E, quem
sabe, lembrar-nos com as palavras da Bíblia, que tudo é vaidade das vaidades: tudo é sopro, vento, neve,
desperdício, nada, efêmero. Vaidade, em
hebraico escreve-se Habel, a mesma palavra de Abel, o irmão assassinado por
Caim.
Tudo
é vaidade, tudo é um infinito Abel: o
mundo está cheio de vítimas. Isto nós sabemos. Sabemos, mas o esquecemos, quase
sempre.
Estas
noites e estes dias tremendos estão a nos lembrar essa realidade.
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Luigino Bruni é acadêmico, escritor e jornalista italiano. Economista e histórico do pensamento econômico, com interesses em filosofia e teologia, é uma personalidade de relevo da economia de comunhão e da economia civil. Editorialista do jornal italiano Avvenire, é professor ordinário de economia política na Universidade LUMSA, em Roma, após alguns anos como professor associado da Universidade de Milão-Bicocca. Junto a Stefano Zamagli é promotor e cofundador da SEC - Escola de Economia Civil. www.scuoladieconomiacivile.it.
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Para conhecer outros artigos do autor:
www.edc-online.org/it/pubbliazioni/articoli-di-luigino-bruni.html
Versão portuguesa do texto: Vanise Rezende
Créditos das Imagens:
1. Mapa da localização do terremoto - pt.db-city.com/Italia
2. Amatrice-IT, antes e depois - www.si24.it
2. Amatrice-IT, antes e depois - www.si24.it
3. Mapeamento do local via Gogle satelite
4. Estiagem no Nordeste do Brasil - www.caninde.soares.com/fotojornalismo
4. Estiagem no Nordeste do Brasil - www.caninde.soares.com/fotojornalismo
5. Inundação em Palmares, PE, Brasil - www.noticias.uol.com.br
6. Cristo
Redentor iluminato após a tragedia in Itália, com as cores da bandeira italiana - RJ. Foto de Vladimir Platonew - Agência Brasil. www.fotospublicas.com
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com
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