Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

O OFÍCIO DE ESCREVER

29 junho, 2014

Quando alguém se inicia no ofício da escrita - e expõe suas ideias publicamente – convém que reflita sobre o que dizem os escritores sobre o ofício de escrever.

Clarice Linspector, ao entrevistar o escritor Marques Rebelo – no seu livro De Corpo Inteiro (p.34) – afirma: “...a gente escreve por obstinação. Mas é uma obstinação vital”. E Marques Rebelo: “Trabalho por uma disciplina: escrevo sempre, mesmo que seja para jogar fora ou refazer trinta vezes. Reescrever é mais importante que escrever, não é Clarice?” Ao que ela responde: “Minha situação é outra: eu acrescento ou corto, mas não reescrevo”.

Clarice também entrevista a escritora Dinah Silveira de Queiroz (p.60):
Clarice - O problema da criação artística sempre me fascinou e ainda não perdi a esperança de um dia desmontar este complicado mecanismo. Poderia você me dizer qual é a marcha do seu processo criativo?
Dinah – Todo escritor é um ser que procura lançar sua mensagem como a clássica do náufrago que encerra o bilhete na garrafa e o atira às ondas. Muita vez, essa mensagem se perde. Mas acho que deve haver sempre, pelo menos, respeito por esse ato de comunicação à distância. Nunca ri de nenhum escritor malogrado porque, simplesmente, não somos nós os donos do momento em que pisamos aquele lugar no qual os outros nos encontram. Será a sorte, será a mão de Deus Pai, será a humildade de fazer e refazer? A verdade é que se a mensagem chega - nós estamos salvos, somos escritores.  

A escritora Edla Van Stein no seu livro de entrevistas - Viver e Escrever (p.23), pergunta a Herberto Sales sobre o sentido da espontaneidade no trabalho do escritor: “Não acredito em espontaneidade, diz ele, – pelo menos em termos literários – sem a efetivação de um traquejo estilístico profundo. O escritor que pensar de maneira diferente e resolver confiar na pura e simples espontaneidade, vai acabar sendo catador de coco”. Mais adiante ele sentencia: ...“o escritor que não policiar esteticamente sua linguagem, isto é, podar, cortar, afinar (no sentido musical), vai acabar se machucando.”



Há três tipos de autores - escreve Shoupenhauer, no livro A Arte de Escrever (p.57/58): “...em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem (...). São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros”. E explica: “... mesmo entre os escritores pouco numerosos, que realmente pensam a sério antes de escrever, é extremamente reduzida a quantidade daqueles que pensam sobre as próprias coisas” e esses – conclui o autor – que são estimulados pelas próprias coisas, têm o seu pensamento voltado para elas de modo direto. Apenas entre eles encontram-se os que permanecerão, e serão imortalizados”.

Agrada-me o que escreve o uruguaio Eduardo Galeano, na sua poética visão do ofício do escritor (Livro dos Abraços):

 


“Para que a gente escreve se não é para juntar os nossos pedacinhos?

Desde que entramos na escola ou na igreja,   a educação nos esquarteja: nos ensina a divorciar a alma do corpo e a razão do coração. Sábios doutores de ética e moral serão os pescadores das costas colombianas, que inventaram a palavra sentirpensador para definir a linguagem que diz a verdade”.

No Nordeste do Brasil, há um trabalho manual chamado fuxico, (por lembrar as rodas de mulheres a falarem da vida alheia - isso se diz, como se os homens também não o fizessem!). Ao preparar o fuxico, as mulheres usam retalhos miúdos de tecidos lisos ou estampados, cortados em círculos e franzidos ao redor, fechando-os em medalhas.  Em seguida, as peças são atadas umas às outras, em pontos quase invisíveis, deixando a face lisa ao avesso. O talento está na capacidade de juntar os fuxicos num colorido harmonioso, ou unicolor, produzindo colchas e toalhas, vestidos, cortinas, chapéus e tudo o mais. Há profissionais criadores dessas maravilhosas peças em fuxico, que se impõem nas rodas do glamour internacional.  

A labuta do aprendiz da escrita tem semelhanças com a produção do fuxico – ele precisa sentir e refletir - como escreve Galeano - sentir e refletir o que pretende dizer com o próprio texto, e deve saber para quem deseja escrever. Há que cuidar, ainda, da linguagem e do ritmo da escrita – tecido, harmonia, tonalidade. É um aprendizado minucioso e contínuo... Assim, quando estaria pronto o escritor, se o seu dia a dia é um longo processo de aprender a aprender?  

Graciliano Ramos, das terras nordestinas do Brasil, oferece um sábio conselho a todos os escritores:


Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar." 
E conclui: Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”.


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Crédito de Imagens:


1. Foto de Clarice Linspector - www.poesiaspoemaseversos.com.br/claricelinspector
2. "Le Penseur" (1903) - Auguste Rodin - Jardim do Museu Rodin (Paris) - Arquivos Flickr Commous Der Denker (wikpédia)
3. Foto de Eduardo Galeano, escritor uruguaio contemporâneo - www.escritores.org/index
4. "Lavadeiras" - yyyimagescchh4NHOX (www.bollog.wordpress.com/2012).


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