Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

ELES, OS HOMENS

15 junho, 2014



Há uma escultura no departamento de antiguidades egípcias do Museu do Louvre, em Paris, que me fez grande impressão desde a primeira vez que a contemplei. 

O Escriba, um busto nu masculino de cor bronzeada, porte ereto, lábios serrados, queixo erguido, olhar fixo e vivaz, que forma um conjunto de presença marcante, e nos toca no profundo por sua densa expressividade. É um registro indelével nas entranhas da minha memória iconográfica.

Esse introito, ainda que insipiente, me assenta na tarefa de consertar as ideias, em desafinada tentativa de desvelar o que eles, os homens, mantêm selado, atado de todas as amarras, balbuciado em todas as formas de silenciar, a nos desmanchar em avalanches de senões, de que-é-que-ele-quer-dizer-com-isso e de porquês - porque nossas histórias de mulher jamais desvendaram o precioso saber desse mistério: o que é mesmo ser homem? Seria esse o seu encanto maior, mais atraente, mais cativante, mais amável e sedutor?



A mulher ama um determinado homem simplesmente porque o ama, o seu ser, o seu pensar, o seu jeito de se colocar na vida; os traços de seu rosto e de seu corpo se embelezam pouco a pouco ao ritmo contínuo da arte de amar. Não digo aqui do desejo ou da paixão súbita, que alguns de nós conhecemos ou um dia chegaremos a conhecer; digo da conquista suave e alimentada, do aprendizado cotidiano do bem-querer  - um aprendizado que carece de reciprocidade, do cuidado diário da escuta e da atenção paciente e constante. 

Mas... O que seria essa masculina forma de ser homem? Dizendo melhor: em quantas formas o homem assume o seu jeito de ser e de estar no mundo?

Toda mulher guarda as experiências da sua relação com os homens na breve ou longeva história de sua vida: o pai amigo, confiante e incentivador ou o chefe de família sisudo, temido, retido em seu pequeno espaço de poder e dominação; o irmão gentil, atencioso e prestativo ou aquele outro distante e indiferente; o colega admirador e admirável, por sua presença ativa e colaboradora, ou o companheiro de trabalho movido a inveja e interesse. O amigo, no entanto, é quase sempre um ouvinte prestativo; o parceiro, um companheiro de todas as horas.

Assim como na história do feminismo, da metade do século passado para cá as relações entre as pessoas sofreram mudanças profundas. O que se constata é que o homem tem conseguido se expressar melhor, como aprendiz da convivência a dois, que requer a liberdade de ser e de sentir, o exercício de cooperar e de partilhar, a prática de ouvir e de com-versar. Mesmo se muitos deles ainda estejam a carregar a herança do seu silêncio, a carecer a paciência criativa da mulher - ela que, por sua vez, precisaria controlar melhor certo jeito destemperado de falar, quem sabe, levada pela carência de ser ouvida e de ouvir. Essa poderia ser ao que me parece, a grande chave da relação a dois.




Para falar de grandes personalidades homens, chegaríamos a uma lista interminável, mesmo se fossem enunciadas apenas as grandes figuras que contribuem para o bem da humanidade. Entanto, me atenho a citar alguns, do tempo recente do século passado e da nossa época. 

Lembramos, aqui, aqueles cuja luta política legou ao mundo o testemunho da fidelidade às suas ideias, e da solidariedade com o seu povo.

O carismático advogado e ativista indiano Mahatma  Gandi (1869/1948), que dedicou a vida para cooperar com o seu povo para saírem da dominação colonialista da Inglaterra.  Foi assassinado.                   
O grande líder pacifista americano, Martin Luther King (1929/1968), que lutou pela liberdade dos negros nos Estados Unidos da América. Morreu assassinado. 




O médico revolucionário cubano Che Guevara, (1928/1967) que dedicou a vida a lutar pela liberdade de povos vítimas de longas ditaduras. Dizia:  "Correndo o risco de ser ridículo, deixem-me dizer-lhes, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor". Morreu assassinado. 

Na América do Sul, o arquiteto Adolfo Pérez Esquivel, ativista argentinocomprometido com a Não Violência e com a Teologia da Libertação, foi reconhecido com o Prêmio Nobel da Paz, em 1980, em plena ditadura no país, por seu compromisso com a defesa da democracia e dos direitos humanos contra os regimes militares na América Latina.

Na África do Sul, Desmond Tutu, um arcebispo anglicano da África do Sul, é reconhecido defensor ativista dos direitos humanos, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1984, por se opor ao regime segregacionista do 'apartheid', abolido em 1994 no seu país. O sul-africano Nelson Mandela (1918/2013), um advogado, ativista dos direitos humanos que passou sua juventude na prisão, por lutar contra a segregação racial no seu país. Considerado o mais importante líder da África Negra, foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz de 1993. 


O sindicalista e ex presidente polonês Lech Walesa (1943), fundador do sindicato Solidariedade e prêmio Nobel da Paz, em 1983, ainda hoje atuante na defesa dos direitos humanos de seu povo. Todos eles foram lutadores incansáveis por ideais que mudaram a sociedade em que viveram. 



Do Brasil, do século passado, impossível não citar em primeira linha o educador Paulo Freire (1921/1997) que revolucionou a concepção do processo educativo com suas experiências e seus escritos sobre a "pedagogia do oprimido" e que, ainda hoje, subsidia a prática dos educadores mais conscientes de sua missão e fundamenta os estudos da pedagogia moderna. 
Da mesma época, lembramos o sociólogo e humanista Herbert de Souza (1935/1997), com quem tive a grande honra de participar da fundação da ABONG - Associação Brasileira de ONGs. Mais conhecido como Betinho, foi um dos fundadores e dirigentes do IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, no Rio de Janeiro, e iniciador da campanha do Natal Sem Fome. Um homem delicado e atencioso no trato, mas firme e lutador por reformas políticas e sociais no Brasil, mobilizando grandes manifestações populares. 


No Brasil da atualidade se sobressai outra figura de renome internacional, o sindicalista LULA - Luís Inácio Lula da Silva. Como na história da Polônia, e com o apoio de intelectuais, das organizações sociais e da Igreja Católica,  o Brasil comemorou, por duas vezes, a ascensão de um operário à presidência da república. A sua atuação teve uma postura republicana, com uma atenção especial pela criação de mecanismos democráticos de participação.

Da literatura brasileira, não bastaria este espaço, nem os meus poucos conhecimentos. Atenho-me especialmente aos escritores que descreveram a vida do povo do Nordeste, em homenagem às minhas raízes sertanejas. Fazendo antes uma homenagem pessoal ao grande mestre romancista Machado de Assis (1839/1908) e ao grande poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade (1902/1987). 


Do Nordeste lembro o romancista de Vidas Secas, Graciliano Ramos (1822/1953); o criador de uma linguagem saborosa e inovadora no romance Grande Sertão, Veredas – João Guimarães Rosa (1908/1967); o grande poeta pernambucano, autor de Morte e Vida Severina – João Cabral de Melo Neto (1920/1999) e os grandes embaixadores do Nordeste: Ariano Suassuna, escritor, poeta e romancista conhecido especialmente pelo livro "O auto da compadecida", e pela criação do Movimento Armorial;o grandioso e inesquecível poeta Patativa do Assaré, por sua brilhante e extensa obra.  E, por fim, o meu irmão amigo, Heleno Oliveira, mais conhecido na Itália, onde foi premiado como poeta bilíngue. 

Dos nossos poetas e escritores clássicos nordestinos tenho em minhas prateleiras obras de Ascenso FerreiraAluízio de Azevedo, José Lins do Rego, Jorge Amado e Josué Montello. 

Seria longo demais por-me a citar as grandes figuras que sobressaem, hoje, na iconografia, no cinema, nas ciências, na música e no teatro brasileiro. Mas, como nordestina, e ainda dos tempos áureos da MPB, não poderia deixar de lembrar o ritmo e a poesia dos extraordinários compositores baiano Dorival Caimy, cuja obra trouxe um significante enriquecimento à produção musical brasileira, abrindo um período de grandes mestres como João Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Chico Buarque. 





Desejo, por fim, homenagear três personagens representativas na história da Igreja Católica e do Brasil – os arcebispos Hélder Câmara (1909/1999), irmão e defensor dos excluídos, ícone da luta ativa pela paz; e José Maria Pires (1919/2017) que se dedicou com sensibilidade fraterna e trabalho efetivo pelo povo da Paraíba. 
E o Dom Paulo Evaristo Arns (1921/2016) o carismático cardeal de São Paulo, um homem solidário e de coragem intrépida em favor do seu povo, especialmente no período efervescente da ditadura militar. 

Tive a honra de trabalhar e de muito aprender com os três – tratos da minha vida que preservo com imenso carinho na memória afetiva, vividos em São Paulo e, mais tarde, no Recife.

Neste século XXI, estamos seguindo o emblemático percurso de um cardeal argentino nomeado papa em 2013, denominando-se Francisco, o papa que está conquistando o mundo por sua forte coerência com o sentido do amor fraterno, com a simplicidade e com o seu compromisso com o destino da humanidade.

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Crédito das Imagens:

1. "Escriba", escultura egípcia exposta no Museu do Louvre - www. 
2. Carlos Sandroni - músico, pesquisador, compositor e professor da UFPE - www.ufpe/departamentodemúsica.
3. Papa Francisco em oração, no muro da Palestina - foto divulgação
4. Martin Luther King - https://www.conhecimentocientifico.r.7.com - martin-luther-king.jpg
5. Che Guevara - https://br.pinterest.com.pin.jpg
6. Adolfo-Pérez-Esquivel.wfs.2003jpg
7. Lech Walesa - https://brasil.elpais.com/tag/lech_walesa  
8. Betinho, Herbert de Souza, no lançamento da campanha Natal Sem Fome - www.paralelo.spaceblog.com.
9. Lula, Luís Inácio Lula da Silva, em campanha para a presidência de república - www.ultimosegundo.ig.com.br
10. Machado-Assis.jpg
11. Patativa do Assaré - tjce.jus.br.jpg
12. Dorival Caymmi e Jorge Amado -www. revistamarina.com.br
13. Hélder Câmara - www.teologiadalibertacao.blogspot.com
        
             
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