“O segredo é estar disponível para que outras lógicas nos habitem, é visitarmos e sermos visitados por outras sensibilidades. É fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um pouco mais difícil sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros, difícil mesmo é sermos os outros.” #MiaCouto
O escritor moçambicano Mia Couto é uma presença mobilizadora onde quer que esteja, com o seu pensar leve, envolvente e profundo. Bom seria poder ouvir dele próprio como estar disponíveis para que outras lógicas nos habitem e sermos visitados por outras sensibilidades. A conclusão do seu texto nos oferece um indicador precioso do caminho a percorrer com esse propósito.
“É
fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um
pouco mais difícil sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros,
difícil mesmo é sermos os outros”.
Essas significantes palavras
de Mia Couto nos interrogam no mais profundo. Eu disse “significantes”.
Mas, há muitos outros efusivos adjetivos com os quais eu gostaria de manifestar a adesão às reflexões
do autor e às suas obras.
Lendo o seu texto reproduzido no facebook, senti-me desafiada a visitar e me deixar visitar da sua lógica e sensibilidade. E gostaria de fazer isto aqui e agora, junto aos caros amigos deste espaço.
Mia Couto tem uma sincera honestidade de fazer essa afirmação, que provém da experiência do seu caminhar como cidadão do mundo, capaz de acolher e de interessar-se pelas inúmeras diferenças culturais que ele visita, cujas trocas certamente o favorecem a ser quem ele é.
Sabe-se que para alguém “ser
tolerante” será indispensável que mantenha uma atitude de escuta, procurando
ouvir, compreender e acolher o diferente de si que, por ser “outro”, é
livre de pensar diversamente, e de agir de um modo que, por vezes, não seria a melhor postura para conciliar as diferenças encontradas.
É a “conciliação” entre as nossas diferenças, que nos ajuda a estabelecer relações saudáveis na família, no trabalho, na associação de moradores, no sindicato, na universidade, no partido político, e nos movimentos religiosos que nutrem a nossa espiritualidade. São ambiências de interação social, cujo objetivo final é estabelecer laços de qualidade em benefício do bem comum. Neste sentido, não vale a tentativa de lançar “no outro” a responsabilidade do insucesso da interação coletiva. Cada um de nós é igualmente é responsável pelo incansável processo da conciliação. É justamente aí que importa a tolerância.
Nas relações pessoais e sociais, seria importante usar algumas ferramentas efetivas como a escuta e o diálogo
para conhecer melhor o pensar do outro e as nossas diferentes diferenças.
É então que a tolerância se mostra como uma feliz estratégia para superar
os confrontos e o choque de interesses. Pontos de vista diferentes,
quando tratados com tolerância, concorrem para se adquirir uma visão mais adequada sobre a situação em pauta.
Então: É fácil ser tolerante?
Sim, concordo com Mia Couto. Contanto que eu me
coloque, com sinceridade, em atitude de quem busca alcançar os interesses
comuns do grupo social em que atuo. No caminho para isso haverá atritos,
mas estes não deveriam mudar os objetivos finais. Os gestos de tolerância para superar os atritos
favorecem para se ter uma visão mais ampla da questão que se está a tratar.
Concluo, portanto, que a
tolerância é uma virtude/atitude que está a serviço das relações sociais. Ela serve como íman de coalizão nessas
relações. Mas, o que não é possível é sermos tolerantes com relação
à coisa pública, ou com pessoas públicas em posição de poder e gestão,
de quem se espera que se proponham a pensar e agir em favor do bem-comum.
Isto significa que gestores de cidades, estados e países; instituições republicanas do legislativo e do judiciário; representantes de Igrejas no âmbito universal, e de outras organizações nacionais e internacionais podem até se equivocar ou errar. No entanto, cabe a nós, cidadãos, o dever de exigir correções imediatas, atitudes que manifestem honestidade e coerência, de acordo com os propósitos da justiça, da igualdade de direitos e do bem-comum. É a isso que se dá o nome de exercício da cidadania em regimes republicanos e democráticos.
Difícil é sermos outros, difícil mesmo é sermos os outros”.
Aqui, o escritor Mia Couto usa, de forma poética, um jogo de palavras para expressar uma dura realidade. Lidar com “o outro” exige tanto de nós, que na sua afirmação ele escreve três vezes a palavra “difícil”. Se lhe parece fácil ser tolerante, “é um pouco mais difícil sermos solidários com os outros.”
Encontro uma acepção de certo modo mais prática deste adjetivo, no meu dicionário Houaiss, para nos mobilizar a sermos “solidários”. Copio abaixo as acepções que nos interessam:
Não estou propondo aprendermos o significado dp vernáculo. Mas a refletir como o seu sentido requer que eu me mobilize em direção ao outro. Mia Couto constata que “é um pouco mais difícil sermos solidários com os outros.” Concluo, então:
Para sermos solidários, será necessário que “o outro” faça parte do nosso agir, da nossa atenção e cuidado. Não só com aqueles que amo - seria fácil demais poder escolher o outro que, de momento a momento, passará por mim, ou estará à minha espera.
Por ser
parte da sociedade em que vivo, o outro é alguém que não sou eu, mas preciso dele para ser quem eu sou. Ele está sempre à espera de que eu o reconheça, e descobra “como” vou lhe demostrar a minha solidariedade.
Faço votos que este período pascal da civilização cristã, possa ajudar a cada um de nós a encontrar, na nossa profundez, o movente para a nossa solidariedade com o "o outro", para entendermos o “como ser efetivamente solidário”, aqui e agora.
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Crédito da Imagem
Foto de Mia Couto: www.outraspalavras.com.br
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