Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

CONSCIÊNCIA NEGRA - PRESENÇA NA CULTURA BRASILEIRA

26 novembro, 2019

Neste mês de novembro, que já está por terminar, inúmeros blogueiros e outras publicações brasileiras vêm comemorando o mês da Consciência Negra. O dia 20 de novembro foi instituído pela lei federal 12.519 de 2011 – quando era presidente do país Dilma Rousseff – como o Dia Nacional da Consciência Negra. 

Trata-se de uma data comemorativa da morte do escravo negro Zumbi, ativista do Quilombo dos Palmares, em Alagoas. Ali protegiam-se escravos fugitivos de fazendas da região. Zumbi dos Palmares morreu em 1695. Este ano, centenas de municípios comemoraram oficialmente a data. Embora,  continuamos sem enxergar bem o que comemorar...

Assim foi com a paraibana e sindicalista rural Margarida Alves. Assim foi com Marielle Alves e seu motorista.  Assim foi com Moa do Katendê e tantos, tantíssimos mais, dia após dia, como nos comprova o relatório final da CPI do Senado, em 2016, sobre o Assassinato de Jovens no país, que registrou 23.100 assassinatos de jovens negros de 15 a 29 anos. Foram 63 por dia. Um a cada 23 minutos. São graves registros de perseguição e preconceito. De desleixo grave à Constituição e ao andamento dos processos judiciais. Na grande maioria são vítimas anônimas - violências fratricidas contra os brasileiros mais vulneráveis da sociedade, sendo a maioria jovens negros e pardos. (1) 

estatísticas recentes do IBGE com dados sobre a população negra do país. Os leitores podem verificá-las, e conhecer outros dados relativos às oportunidades tiradas à maioria desses nossos compatriotas. Embora, ali também se registre o avanço de negros e pardos na área da educação, chegando a 50% da população universitária no país. Mas, ainda não é tempo para celebrar. Sabe-se muito bem que os profissionais negros recém-formados não contam com as mesmas oportunidades oferecidas à população branca que termina seu curso universitário. (2) 

Atualmente, a Câmara dos Deputados, em Brasília, mostra o que significam dados como esses. Numa exposição comemorativa do Mês da Consciência Negra, entre os itens da exposição a curadoria colocara um quadro, com uma charge do cartunista Carlos Latuff, representando o assassinato de um jovem negro por um policial, como vem acontecendo de forma acintosa no país. A sua arte intitula-se: “O genocídio da população negra”. (3) 

 
 Charge de Carlos Latuff, exposta na Câmara dos Deputados, em Brasilia-DF  


No dia 19 do mês corrente, o Coronel Tadeu – deputado federal do PSL –destruiu o quadro exposto diante dos seus pares. O que significou um extremo alarme de discriminação, até mesmo entre pessoas eleitas para representar a população brasileira como um todo. O seu gesto, ignorante e malévolo, foi denunciado. Houve protestos por parte de vários deputados, que exigiram a reposição do quadro, o que foi providenciado. (4) 

Um dos organizadores do protesto, o deputado David Miranda (Psol-RJ) disse ao “Brasil de Fato” que a manifestação amplia o fortalecimento do processo de resistência dos representantes negros na Casa. Embora sejam apenas 21 deputados autodeclarados negros, num total de 513 membros. Um percentual de 4,09% da legislatura 2019/2022.

“É muito importante para que a gente possa reafirmar que este espaço aqui é um espaço negro, também, e que a maioria da população brasileira ainda não está representada aqui. Nós estamos aqui resistindo, assim como eles (negros e negras) estão resistindo lá do lado de fora, nas periferias, nas favelas, em todos os lugares, nesta sociedade que é racista, misógina e LGBTfóbica”, afirmou o deputado David Miranda, em tom emocionado. (5)

Hoje, nosso intuito é fazer um aceno à riqueza da diversidade e à grandeza da contribuição que o povo afrodescendente aportou, e ainda vem promovendo no país, em múltiplas áreas da cultura brasileira. 

Não seria possível registrar, aqui, todos os nomes e feitos mais representativos. Portanto, de antemão reconhecemos que o leitor encontrará ausências de muitos que deveriam ser lembrados. Apontaremos apenas alguns nomes de pessoas de excelência na sua área de atuação, e que têm assumido, com dignidade, a consciência negra como uma atitude de vida. 

ANTÔNIO PITANGA – ainda atuando aos 80 anos, o diretor e ator Antônio Pitanga no momento está dirigindo o filme intitulado “Malês”, que traz no elenco seus filhos Camila Pitanga e Rocco. O tema do filme é a Revolta dos Malês, como ele noticia no Programa Conversa com Bial, em 19/11/2019: “Eu trato do maior e mais importante levante que aconteceu no Brasil, em 1835. Foram negros que falavam árabe, eram mouros, e tinham conhecimentos da física e da engenharia... Os negros que para cá vieram eram de uma grande sapiência. Eles tornaram-se escravos pelo colonizador, pela maneira com que eles tomaram de assalto e sequestraram os negros. Eu vou contar esse levante, que é importante para que a gente possa saber um pouco da história”. (6)

RUTH DE SOUZA - Ícone da dramaturgia brasileira, com mais de 70 anos de carreira, a trajetória marcante da atriz Ruth de Souza abriu portas para os artistas negros no cenário artístico do nosso país. 

Ruth de Souza fez história ao ser a primeira atriz negra a representar no “Theatro Municipal” do Rio de Janeiro, no dia 8 de maio de 1945. Integrou o elenco da peça de Eugene O’Neil, “O imperador Jones”, numa montagem do Teatro Experimental do Negro, grupo fundado por Abdias Nascimento e Agnaldo Camargo.  Foi, também, a primeira atriz negra a atuar como protagonista na TV nacional, integrando o elenco em A Cabana do Pai Tomás (1969). A grande atriz morreu em julho deste ano (2019), com 98 anos. (7) 


MILTON NASCIMENTO
– compositor maior e menestrel da MPB, sua poesia tomou o mundo e o coração de milhares de pessoas, misturando humanidade e sensibilidade, literatura e música, com seu timbre único em beleza e arte. Além da sua conhecida discografia, presenteou-nos com o DVD Dose Dupla Vip (Dvd + CD) de um dos seus grandes espetáculos, para comemorar seu retorno, após algum tempo afastado por razões de saúde. (8)


BENEDITA DA SILVA – deputada federal filiada ao PT pelo Rio de Janeiro, eu a acompanho e admiro desde muitos anos, por sua fidelidade às camadas mais vulneráveis do país. Foi ela quem propôs o projeto de tornar os empregados domésticos trabalhadores com direitos iguais aos outros. É uma mulher inteligente, bem informada, e sabe falar com os pés no chão, a mão na ferida, o cuidado sensível da mulher, e, quando é necessário, denuncia com coragem  os malfeitos na gestão pública. (9) 

LÁZARO RAMOS – é ator, cineasta, apresentador, escritor e diretor que perfaz uma rica biografia, com uma lista de incontáveis e importantes trabalhos que dignificam sua carreira artística, iniciada no Bando de Teatro Olodum até ser âncora do Fantástico, de 1998 a 2002. Em 2002 ganhou notoriedade ao interpretar João Francisco dos Santos no filme Madame Satã. Em julho de 2009, foi nomeado embaixador do UNICEF. No mesmo ano foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano. Ainda em 2009, foi o apresentador da 5ª edição do prêmio BRAVO! Prime de Cultura. Em agosto de 2019 ele foi homenageado no festival de Gramado com o Troféu Oscarito. Impossível reproduzir aqui as grandes conquistas, artes e feitos da sua carreira, inclusive na literatura. (10)

Arrisco dizer que a melhor coisa que Lázaro Ramos fez na vida foi no amor, quando TAÍS ARAÚJO ele se encontraram. Em outubro de 2015, os dois atores estrelaram o seriado Mister Brau. Em 2016, no cinema, Lázaro Ramos viveu seu primeiro vilão, o sanguinário Nenê do suspense Mundo Cão. Neste ano de 2019, mais uma vez Lázaro Ramos volta a dirigir e encenar, ao lado de Taís Araújo, o drama O Topo da Montanha, de Katori Hall, com tradução de Sílvio de Albuquerque. O espetáculo imagina as últimas horas de vida do líder dos direitos civis norte-americanos Martin Luther King Jr. Taís Araújo também está atuando na recém iniciada novela "Amor de Mãe".(11) 

MARCELO BARROS – religioso nordestino da ordem beneditina, o caro amigo Marcelo é um caminhante divulgador de uma espiritualidade que expressa "As Teologias da Libertação para os Nossos Dias" - de acordo com o título do seu último livro publicado pela Editora Vozes. Quando se expressa, na fala e na escrita, o "Irmão Marcelo" - como ele gosta de ser chamado - abrange o homem inteiro e seus anseios, e os grupos humanos que sofrem a negação do amor, a pobreza de oportunidades iguais para todos, e a grave ausência da justiça social. É disso que Marcelo fala e escreve no seu blog e nos seus muitos livros. Tem uma vida nômade, para acudir ao chamado das comunidades que buscam a sua palavra iluminadora e cheia de compaixão, mundo afora.(12)

GRACE PASSÔ - Dramaturga, atriz e diretora premiada, a atriz e diretora belo-horizontina chama a atenção do público e da crítica desde sua primeira peça. Integrou a Cia. Clara, em Belo Horizonte, antes de fundar o Grupo Espanca! Atua de forma independente em projetos variados. Em 2017 ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio, por seu trabalho no filme "Praça Paris", de Lucia Murat.  (13)

GILBERTO GIL – Também aqui o nosso espaço torna-se restrito, para uma vida tão rica de feitos e beleza.  Sua presença muito querida, sua obra de excelência poética e musical, é um poço imerso na cultura negra afro baiana e brasileira. Gilberto Passos Gil Moreira é  cantor, compositor, multi-instrumentista, produtor cultural e homem político, tendo assumido o cargo de Ministro da Cultura no período de 2003 a 2008.  É vencedor de prêmios Grammys Americano, Grammy Latino, premiado pelo governo francês com a Ordem Nacional do Mérito (1997). Em 1999, foi nomeado "Artista pela Paz", pela UNESCO. Gil também foi embaixador  da  ONU  para  agricultura e alimentação. Em mais de cinquenta álbuns lançados, ele incorpora a gama eclética de suas influências, incluindo rock, música africana e reggae e outros gêneros tipicamente brasileiros. (14)


KATEMARI ROSA – gaúcha, desde criança, foi apaixonada pelas estrelas e sonhava em alcançá-las. Estudou física na  UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É mestre em filosofia e em história das ciências pela Universidade Federal da Bahia, e doutora em Ciências pela Columbia University in the City of New York (EUA). Em 2015, a Prof. Katemari Rosa iniciou a pesquisa "Contando nossa história: Negras e Negros nas Ciências, tecnologias e engenharias no Brasil", com o intuito de criar um banco de histórias protagonizadas por cientistas negros brasileiros. Trabalha na UFCG - Universidade Federal de Campina Grande. (15) 


CONCEIÇÃO EVARISTO – Mestra em Literatura Brasileira pela PUC do Rio, e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense, publicou seis livros ao longo da carreira e já venceu o Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira. Aos 71 anos, a mineira optou por uma espécie de anticandidatura para a cadeira de Nelson Pereira dos Santos na Academia Brasileira de Letras. Sua derrota era esperada: havia entrado na disputa, no intuito de expor a falta de representatividade negra e feminina na centenária academia. Recebeu apenas um voto. “Tá faltando preto na Casa de Machado de Assis”, teria declarado a jornalista carioca Flávia Oliveira(16)

Haveria muito mais e mais, para mostrar aqui. No processo das pesquisas que fiz, das reportagens que li, dos blogs e jornais que visitei, chegaríamos a uma excelente enciclopédia exclusiva, sobre a presença de pessoas negras ilustres – até mesmo com alguns feitos e virtudes invejáveis para qualquer pessoa. Como escrevi acima, esta foi apenas uma amostragem sobre pessoas maravilhosas, que marcam presença e dão o seu recado em alguns setores da sociedade brasileira atual. Finalizaremos com Kenia Maria, uma mulher carioca que atua fora do Brasil, a qual, por sua vez, nos traz aqui outros nomes famosos de negros brasileiros, não citados acima. 

KENIA MARIA – ativista brasileira, e carioca consagrada como uma das cem mulheres mais influentes do mundo. Defensora da ONU-Mulheres Negras, “aos 41 anos Kenia tem uma trajetória de mais de duas décadas como uma voz atuante no combate ao racismo e ao machismo. Nascida no subúrbio, foi integrante de um dos primeiros blocos afro do Rio de Janeiro, o Òrúnmilá, atuou no Afroreggae. Ainda aos 18 começou a trabalhar na comunidade, com meninas vítimas de violência” – assim escreve a jornalista Camila Camargo, apresentadora do  programa “Negra, Sim”, da plataforma Donna. Para conhecer a importância do trabalho de Kenia Maria, vejamos uma das respostas que ela dá na entrevista a Camila:  

"Como é ser uma porta-voz em um momento em que as mulheres estão no centro de tantos debates?

Kenia Maria - “O meu trabalho é muito focado na década do afrodescendente e no apoio à Agenda 2030, com a qual a ONU Mulheres está supercomprometida por meio do lançamento da iniciativa global “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”. Tive a oportunidade de conhecer lideranças feministas e acompanhei alguns debates promovidos pela ONU em Brasília. É necessário combater o racismo e o machismo na base, e a base somos nós”.

“É uma grande responsabilidade estar neste lugar. Para entender melhor a minha posição nessa luta, lembro de Luiza Bairros, gaúcha que atuou como ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil entre 2011 e 2014, da vereadora carioca feminista assassinada neste ano, Marielle Franco, da antropóloga feminista mineira Lélia Gonzalez, da cantora carioca Elza Soares e de quando começou toda essa organização política protagonizada por mulheres negras. A base da pirâmide social começa a se mover, e a equidade de gênero será uma exigência inegociável da próxima geração de mulheres no Brasil. “Os homens precisam entender que equidade de gênero é o único caminho para combater a desigualdade e garantir o crescimento socioeconômico de uma sociedade”. (17)

Finalizo, com uma singela homenagem - na imagem de abertura da ilustre nordestina LIA DE ITAMARACÁ - a todas as mulheres que sabem abraçar a vida na arte e no amor, na dança e no passo, disseminando alegria e prazer de viver. 

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Créditos das Imagens:

1. Lia de Itamaracá - www.uiadiario.com.br

2. Reprodução da charge de Carlos Latuff, na exposição da Câmara dos Deputados https://www.brasildefato.com.br/2019/11/20/manifestantes-

3. David Miranda - Câmara dos Deputados - Psol/RJ - 205548.jpg


5. Ruth de Souza - www.hojeemdia.com.br.jpg

6. Milton Nascimento - www.lagingrammy.com

7. Benedita da Silva - Câmara dos Deputados - PT/RJ - 73701.jpg

8. Taís Araújo e Lázaro Ramos - Cena de: O Topo da Montanha 
www.csm.otopo_c3df6f3c26.jpg

9. Marcelo Barros - www.rainhamaria.com.br.jpg

10. Grace Passô - wikipedia.org.jpg

11. Gilberto Gil - pt.wikpedia.org.jpg

12. Katemari Rosa - YouTube.com.br.jpg

13. Conceição Evaristo - www.csm_conceicao_evaristo_divulgacao.jpg

14. Kenia Maria - www.nacoesunidas.org.jpg

15. Elza Soares - www.jornaldoporto.inf.br.jpg


Nota: As imagens aqui postadas pertencem aos seus respectivos autores. Se algum deles não estiver de acordo com a sua reprodução, neste espaço, por favor comunique-se conosco fazendo um comentário nesta postagem. 

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Para mais informações:


Fontes da pesquisa, conforme referências do texto:





[5] https://www.camara.leg.br/deputados/205548 - David Miranda


[9] Sobre Benedita da Silva – deputada federal - https://www.camara.leg.br/deputados/73701

[10]  Informações biográficas - Lázaro Ramos: pt.wikipedia.org  - Outras informações em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/depois-de-tres-anos-o-topo-da-montanha-volta-ao-tca-em-sessao-dupla/

[11] pt.wikipedia.org - Taís Araújo


[13] https://miguelarcanjo.blogosfera.uol.com.br/2017/11/20/conheca-8-artistas-negros-que-se-destacam-no-teatro/?cmpid=copiaecola

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