Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

DIVERGÊNCIA POLÍTICA E CIDADANIA

17 novembro, 2019

Há uma semana falamos aqui de dois grandes eventos históricos com o ex-presidente Lula - quando ele saiu saudável, sorridente  e elegante das instalações da Polícia Federal, em Santa Catarina, e diante da imensa multidão que o recepcionou em São Paulo, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, o lugar da sua iniciação política. 

Hoje, reproduzimos um artigo do The Intercept, não tanto sobre o fato em si, mas sobre as divergências políticas e o necessário exercício cidadão de, apesar das divergências, saudar as conquistas da nossa resistência democrática. 

--------------------------------------------------------


Você pode achar que Lula é culpado
e considerar sua soltura positiva

                                            
    Na foto acima, Lambe-Lambe com a imagem do ministro Sergio Moro segurando um        cartaz com  a escrita “Lula Livre”, na rua da Consolação, região central de São Paulo,      em 18/06/19.Foto de: Fábio Vieira/FotoRua/Folhapress

Por: Rosana Pinheiro-Machado
The Intercept Brasil 


Esse não é um texto sobre o tiozão do pavê que acha que um ladrão está solto e que o próximo passo é soltar traficante e estuprador para então, finalmente, liberar a mamadeira de piroca. Esse é um texto sobre figuras “sensatas” e “isentas” que pairam acima do bem e do mal. É um texto sobre seu parente, vizinho ou colega, sobre o jornalista famoso que fica quieto diante da soltura de Lula, praticando o que agora se chama de “doisladismos”: o Bolsonaro é ruim, mas o PT também.

No debate político atual, seja na esfera privada ou pública, existe certa dificuldade de se entender que a questão chave do que está acontecendo não diz respeito ao quanto se gosta ou não do PT. Não é sobre simpatizar com o Lula ou aprovar o governo Dilma. Não é sequer sobre uma possível indignação com a corrupção do mensalão à Petrobras.

Há muito espaço – ou deveria haver – para divergências. Pode-se discutir se a soltura de Lula “piora a polarização” como as manchetes da Folha de S. Paulo e o Estadão anunciaram. Também é relevante o debate entre aqueles que acreditam que a relação com Lula é messiânica e os que defendem que se trata de gratidão. Pode-se questionar se Lula se beneficiou, ou não, de propina. Essas são muitas das questões onde o contraditório é desejável no âmbito jurídico e democrático.

O ponto fundamental aqui é uma questão de justiça histórica e princípios democráticos. Estamos falando de um circo jurídico que foi armado no Brasil quando juízes e procuradores vaidosos resolveram fazer um grupo no Telegram para condenar Lula antes do julgamento. Eles passaram por cima da constituição, fizeram conchavo entre pares e acionaram a mídia para inflar a população. Tudo isso em nome do ganho pessoal. O resultado do espetáculo da Lava jato foi fama, poder e dinheiro nas mãos de Sergio Moro a Deltan Dallagnol.

Foi um processo ilegítimo – e isso em nada tem a ver com a inocência ou culpa de Lula. A validade dos processos depende da imparcialidade dos juízes. Um julgamento independente e imparcial faz parte do código de ética da magistratura, é uma garantia constitucional e um direito humano universal. 

Comprovadamente, o julgamento de Lula foi uma farsa. Logo, não há outra postura possível além de considerar positiva a sua soltura – mesmo entre aqueles que entendem que Lula é culpado. Ele tem direito – como qualquer outro indivíduo – a um julgamento imparcial. Afinal, a lógica justiceira de que os fins justificam os meios não é aceitável numa democracia.

Senso de justiça é um valor inegociável e, portanto, o que está em jogo não é nossa avaliação ou interesses pessoais (lógica particularista) sobre tudo o que envolve o Partido dos Trabalhadores. O desafio das democracias é justamente fazer com que as partes entendam que precisam ceder suas vontades para o bem-comum.

Nossa avaliação política sobre o lulismo pouco importa neste momento crucial da história. Assim como não importava quando deveríamos ter votado com convicção em Fernando Haddad no segundo turno das eleições de 2018, pois o que estava em jogo era a vitória da extrema-direita.

Recepção ao ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, no sábado 9/11, em São Bernardo/SP. Foto de: Agatha Gameiro/ FramePhoto/Folhapress.

Doisladismo

O antipetismo precisa ser combatido na luta política – mas também no divã. Não é possível que mesmo diante de tudo que a Vaza Jato mostrou ainda se cale sobre esse processo pela pura lógica de que os fins justificam os meios ou de que se prefere Lula preso para “acalmar os ânimos”.

O doisladismo é uma praga na vida social e na esfera pública brasileira, deixando que opiniões, preconceitos e ressentimentos pessoais se sobreponham ao coletivo. Mais perigoso ainda, é que o doisladismo é praticado com uma aura de superioridade opinativa, que vê a si próprio como “neutro”, “sensato” e “democrático”. Mas, na verdade, o que está sendo acionado é uma perspectiva egoísta e antidemocrática – perspectiva esta que ajudou a eleger Jair Bolsonaro.
No fundo, o isentão é fruto do pior do radicalismo, que tanto diz repudiar. Ele vê o mundo sem nuance. Ele se cala em momentos chave.

Como disse João Filho, em sua recente coluna para o Intercept, existe, entre jornalistas, uma “obsessão em busca de uma falsa imparcialidade. Há um temor constante em ser associado com algum dos lados”. O “isentão” aponta o dedo e torce o nariz para dois lados que seriam supostamente podres e radicais. Mas não são dois lados da mesma moeda: os erros dos governos petistas não se equivalem à prática de governo bolsonarista, que repudia e tripudia as instituições democráticas enquanto exalta torturadores e o AI-5. Ao contrário do que disse o Estadão, em seu famigerado editorial, nunca foi uma escolha difícil para os justos.

O isentão é alguém viciado no elogio que recebe quando é chamado de “sensato”. Ele se nutre dessa vaidade e é refém do próprio personagem, acreditando que está sendo moderado e racional. Mas não está. O isentão é um radical do doisladismo e, na prática, isso significa o oposto da sensatez, porque sensatez refere-se ao bom-senso, ao discernimento, à precaução e à resolução de assuntos difíceis.

------------------------------------------------
Fonte do texto: 

The Intercept - 12/11/2-19

https://theintercept.com/2019/11/12/lula-soltura-positiva/?utm_source=The+Intercept+Brasil+%20lNewsletter&utm_campaign=36af9e255c-%20EMAIL_CAMPAIGN_2019_10_04_08_20_COPY_%2001&utm_medium
=email&utm_term=0_96fc3bd6d5-36af9e255c-133210961

Créditos das Imagens: 

1. Luís Inácio Lula da Silva - reprodução na www.veja.abril.com.br

2. As duas outras imagens do texto são reproduções de fotografias inseridas na matéria citada, de 12/11/2019. 

Nota: As imagens aqui postadas pertencem aos seus respectivos autores. Se algum deles não estiver de acordo com a sua reprodução neste espaço, por favor comunique-se conosco, fazendo um comentário nesta postagem. 




Nenhum comentário :

Deixe seu comentário:

Posts + Lidos

Desenho de AlternativoBrasil e-studio