Vanise Rezende - clique para ver seu perfil

NATAL EM TEMPOS DE HERODES

15 dezembro, 2018




A  celebração  do aniversário do Menino de Belém, e do Novo Ano que se aproxima, nos convida a refletir  sobre uma realidade  semelhante aos tempos de Herodes, que - por razões de avidez, desatino e poder - promoveu a caça e a morte de todos os recém-nascidos. 

Voltamos a publicar um artigo do teólogo e escritor Leonardo Boff - publicado neste espaço em 2016. O autor nos mostra qual a aproximação das políticas de então - nos tempos do Brasil de 2016 - e do momento atual, neste dezembro de 2018 pós-eleições.  Segue o texto.

-------------------------------------------


O Natal é celebrado, geralmente, como a festa da confraternização das famílias. Para os cristãos é a celebração da divina criança que veio para assumir nossa humanidade e fazê-la melhor.

No contexto atual, porém, em seu lugar assomou a figura do terrível Herodes, o Grande (73a.C - 4-a.C) ligado à matança de inocentes. Zeloso por seu poder, um dia ouviu que nascera em seu reino, a Judéia, um menino-rei. 

Foi quando Herodes ordenou a degolação de todos os meninos abaixo de dois anos (Mt 2,16). Ouviu-se, então, uma das palavras mais dolentes de toda Bíblia: ”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada, porque eles já não existem” (Mt 2,18).

Essa história do assassinato de inocentes continua de outra forma. As políticas ultracapitalistas que nos têm sido impostas, tirando direitos, diminuindo salários, cortando benefícios sociais básicos de saúde, educação, segurança, aposentadorias e possibilidades de desenvolvimento - têm como consequência uma perversa e lenta matança de inocentes da grande maioria pobre de nosso país.
Aos legisladores não são desconhecidas as consequências letais derivadas da decisão de considerar mais importante o mercado que as pessoas.
Dentro de poucos anos, teremos uma classe de super-ricos. Neste ano (2016),  são 71.440 segundo IPEA, portanto, 0,05% da população, uma classe media amedrontada pelo risco de perder seu status, e milhões de pobres e párias que da pobreza passaram para a miséria.
A miséria significa fome das crianças que morrem por subnutrição e doenças absolutamente evitáveis, idosos que já não conseguem seus remédios e o acesso à saúde pública, condenados a morrer antes do tempo. Essa matança possui responsáveis. Boa parte dos legisladores atuais da chamada “PEC da morte” não podem se eximir da pecha de serem os atuais Herodes do povo brasileiro.
As elites do dinheiro e do privilégio conseguiram voltar. Apoiados por parlamentares corruptos, de costas ao povo e moucos ao clamor das ruas, e por uma coligação de forças que envolve juízes justiceiros, o Ministério Público, a Polícia Militar e parte do Judiciário e da mídia corporativa, reacionária e golpista - não sem o respaldo da potência imperial interessada em nossas riquezas - forjaram a demissão da Presidenta Rousseff. O real motor do golpe é o capital financeiro, os bancos e os rentistas (não afetados pelas políticas dos ajustes fiscais).
Com razão denuncia o cientista politico Jessé Souza: “O Brasil é palco de uma disputa entre dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia. A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder “comprar” todas as outras elites” (FSP 16/4/2016).
A tristeza é constatar que todo esse processo de espoliação é consequência da velha política de conciliação dos donos do dinheiro entre si e com os governos, que vem desde o tempo da Colônia e da Independência. Lula-Dilma não conseguiram ou não souberam superar a arte finória desta minoria dominante que, a pretexto da governabilidade, busca a conciliação entre si e com os governantes, concedendo alguns benefícios ao povo, a preço de manter intocada a natureza de seu processo de acumulação de riqueza em altíssimos níveis.

O historiador José Honório Rodrigues - que estudou a fundo a conciliação de classe sempre de costas ao povo – afirma, com razão: ”a liderança nacional, em suas sucessivas gerações, foi sempre antirreformista, elitista e personalista… A arte de furtar é nobre e antiga, praticada por essas minorias e não pelo povo. O povo não rouba, é roubado… O povo é cordial, a oligarquia é cruel e sem piedade…; o grande sucesso da história do Brasil é o seu povo, e grande decepção é a sua liderança”(Conciliação e Reforma no Brasil, 1965, pp. 114;119).

Estamos vivendo a repetição desta maléfica tradição, da qual jamais nos liberaremos sem o fortalecimento de um anti-poder, vindo do andar de baixo, capaz de derrubar esta clique perversa, e instaurar outro tipo de Estado com outro tipo de política republicana, onde o bem comum se sobrepõe ao bem particular e corporativo.

O Natal deste ano é um Natal sob o signo de Herodes. Não obstante, cremos que a divina criança é o Messias libertador, e a estrela é generosa para nos mostrar melhores caminhos.

--------------------------------
Leonardo Boff: Natal em tempos de Herodeswww.leonardoboff.com – 20.12.2016


Crédito das Imagens:

1. Maternidade - Iconografia de Keitw Mallet - Postada na linha de tempo de       Paulo Suess - dezembro, 2015
2. Detalhe Matança dos Inocentes - In: www.fazendoartedmc.blogspot.com.br/2014  
3. Brincando de roda - www.mapadebrincar.com.br
4. Menino de Rua - www.diariodonordeste.verdesmares.com.br
5. Adoração dos Pastores - Guido Reni: The Adoration of the Shepheurds
    in: www.pintings.art.pichare.com

Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma dessas imagens e deseja que ela seja removida deste espaço, por favor faça um comentário neste espaço. 

Nenhum comentário :

Deixe seu comentário:

Posts + Lidos

Desenho de AlternativoBrasil e-studio