Diretora
do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades, a Psicóloga Social, Dra. Cida Bento, ao analisar os desafios para ampliar a presença das mulheres negras
no mercado de trabalho, afirma que “Os
programas de pró-equidade de gênero conseguiram acelerar a inclusão das
mulheres brancas, mas não das negras”. Comemorando o Mês da Consciência Negra, a Revista Carta
Capital publica a entrevista que Cida Bento concedeu à jornalista
Tory Oliveira. Segue a íntegra do texto.
O abismo racial no
ambiente corporativo brasileiro continua profundo, apesar dos recentes esforços
de algumas empresas de deixarem de ser apenas brancas. Segundo dados de
pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2016, pessoas negras só ocupam
6,3% dos cargos de gerente e 4,7% do quadro de executivos nas empresas
analisadas pelo estudo. A
situação é ainda mais desigual para as mulheres negras: 1,6% são gerentes e só
0,4% participam do quadro de executivos. São só duas, entre 548 diretores.
Após observar muitos casos de discriminação nos
processos seletivos em empresas, a psicóloga social Cida Bento, então executiva
na área de Recursos Humanos, resolveu enfrentar diretamente o tema da
discriminação racial e das dificuldades de inclusão de homens e mulheres negras nas
empresas.
Atual coordenadora executiva do Centro de Estudos
das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Cida Bento, que também é
colunista do site de CartaCapital, dedica-se há 30 anos ao
campo da promoção da diversidade no ambiente corporativo.
Assim como a sociedade brasileira como um todo, o
ambiente empresarial tem imensas dificuldades em avançar no combate ao racismo,
explica ela, que aponta, por exemplo, o fato de programas de equidade de gênero
serem bem-sucedidas em promover a inclusão de mulheres brancas, mas não das
mulheres negras. "Esse é o grande desafio. As mulheres brancas estão quatro, cinco vezes a mais do que
as negras nesse processo de inserção dentro das empresas".
Carta Capital: Por que a senhora resolveu se dedicar à
questão da desigualdade racial no mercado de trabalho?
Cida Bento: Eu era executiva da área de Recursos Humanos e
resolvi sair para trabalhar com esse tema porque eu via muita discriminação nos
processos seletivos. Meu mestrado e doutorado foram focados em processos de
recursos humanos.
A tese de doutorado, defendida na USP, chamou-se:Pactos
narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresarias e no
poder público.
CC: Segundo pesquisa do Instituto Ethos de 2016,
pessoas negras só ocupam 6,3% dos cargos de gerente e 4,7% dos executivos. O
quadro é ainda pior quando se olha para as mulheres negras e só se inverte
quando se observam as vagas de início de carreira ou baixa exigência
profissional, como aprendizes ou trainees. Muito tem sido falado sobre ações
afirmativas ou de inclusão nas empresas, mas ainda não se atingiu o patamar
adequado, tendo em vista que negros e pardos são mais da metade da população
brasileira. O mundo empresarial ainda resiste em enxergar e enfrentar o
racismo? O que já mudou nesse sentido?
CB: Como toda a sociedade brasileira, o mundo empresarial também tem dificuldade de avançar nesse tema. Em geral, há uma tendência a tentar identificar qual é o problema para localizar negros ou se comunicar com eles, mais do que perceber que há também uma perspectiva branca que dificulta a inclusão e a permanência de negros nas empresas. De perceber que se tratam de relações raciais, e não de um problema do negro no Brasil. O branco também está implicado nisso.
CB: Como toda a sociedade brasileira, o mundo empresarial também tem dificuldade de avançar nesse tema. Em geral, há uma tendência a tentar identificar qual é o problema para localizar negros ou se comunicar com eles, mais do que perceber que há também uma perspectiva branca que dificulta a inclusão e a permanência de negros nas empresas. De perceber que se tratam de relações raciais, e não de um problema do negro no Brasil. O branco também está implicado nisso.
CC: Como assim?
CB: Em qualquer processo de recursos humanos, de
seleção em geral, recrutamento, promoção e mentoria, é preciso buscar entender
não só o que pode ser algum desafio envolvendo os negros, mas também um desafio
envolvendo os brancos para lidar com essa questão da maior presença negra
qualificada dentro das instituições. Não
é só eu ter dificuldade nos processos de recrutamento para encontrar negros,
mas é perceber que os processos precisam ser olhados para serem mais inclusivos
e que as formas de comunicação e os ambientes do interior da instituição têm de
se abrir para ser mais diversos. É pensar negros em cargos de liderança, de
vanguarda, entender que eles têm de ter oportunidades de ser treinados e de
encarreiramento mesmo. Enfim, isso tudo exige reconhecer que as empresas, assim
como as grandes instituições brasileiras, não percebem o negro nesse lugar.
CC: É possível apontar a raiz desse problema?
CB: O racismo e o esforço na manutenção de
privilégios. Eu sou uma das grandes estudiosas de branquitude no
Brasil. Eu trato com o conceito de pactos narcísicos, a ideia do narcisismo, do
fortalecer e escolher os iguais. Os recursos, as informações, os networkings
são entre os iguais, que são os brancos.
CC: Você escreveu que profissionais que atuam
no campo das políticas de diversidade em empresas destacam que a dimensão
racial da diversidade é aquela que traz mais desafios para ser abordada e
implementada. Quais os motivos dessa dificuldade maior?
CB: Em geral, as empresas têm mais um pacto de brancos entre brancos. Os programas de pró-equidade de gênero e raça conseguiram acelerar a inclusão das mulheres brancas, mas não das mulheres negras. Então, você tem mais um pacto entre brancos. As empresas têm dificuldade muitas vezes na relação com os próprios especialistas negros e com as organizações negras em geral.
CB: Em geral, as empresas têm mais um pacto de brancos entre brancos. Os programas de pró-equidade de gênero e raça conseguiram acelerar a inclusão das mulheres brancas, mas não das mulheres negras. Então, você tem mais um pacto entre brancos. As empresas têm dificuldade muitas vezes na relação com os próprios especialistas negros e com as organizações negras em geral.
Às vezes, é mais fácil para uma empresa se
relacionar com uma organização branca que começa a trabalhar com o tema racial
do que com organizações negras que existem no Brasil inteiro e trabalham com
isso há muito tempo. Eu tenho recebido seis, sete, oito pedidos por semana de
consultorias brancas que nunca mexeram com esse tema e agora querem entender
para começar a trabalhar. E, às vezes, elas têm muito mais sucesso do que
outras organizações, negras, que estão espalhadas pelo Brasil.
CC: Os desafios parecem ser ainda maiores para
as mulheres negras, que preenchem apenas 1,6% das posições na gerência e 0,4%
no quadro executivo. Por outro lado, mulheres brancas avançaram nesse sentido.
As oportunidades são diferentes para mulheres brancas e negras? De que forma?
CB: Eu tenho feito um censo de diversidade em
bancos e o grande desafio que se encontra é ampliar a presença das mulheres
negras no setor, assim como em outras empresas. Esse é o grande desafio, as
mulheres brancas estão quatro, cinco vezes a mais do que as negras nesse
processo de inserção dentro das empresas. Isso é o que eu tenho observado nos
censos de diversidade e nos processos de formação que tenho desenvolvido no
interior das empresas. Eu trabalho com grandes empresas e a presença das
mulheres negras é quase nenhuma.
CB: Acho que as mulheres em geral sofrem uma
exigência de aparência para ocupar posições dentro das empresas. E as mulheres
negras têm uma exigência maior, com relação aos cabelos lisos e a um perfil
meio de "Barbie", magra, comprida e com o cabelo bem liso e claro, se
possível.
CC: Você escreveu que uma
mulher jovem, negra e qualificada ouviu de uma consultora de RH que sua roupa e
cabelo não eram os mais adequados ao ambiente corporativo. Esse tipo de relato
ainda é comum?
CB: Acho que não se ouve mais esse tipo de relato. As pessoas vão aprimorando os seus processos de exclusão. Elas não vão falar que é por isso. Nesse caso, o currículo dela estava sendo analisado por uma consultora de RH que era sua amiga. Isso em geral não é verbalizado. Agora, você também tem que ver que isso também tem mudado. Muitas empresas hoje falam que querem ampliar a equidade racial. Cresce o número de empresas que querem fugir dessa reputação de serem empresas brancas apenas. Isso é um indicativo de que a gente pode ter mudanças. As mudanças estão chegando, mas é necessário que a empresa tenha uma vontade política de mudar essa situação e invista mesmo nesses processos.
CB: Acho que não se ouve mais esse tipo de relato. As pessoas vão aprimorando os seus processos de exclusão. Elas não vão falar que é por isso. Nesse caso, o currículo dela estava sendo analisado por uma consultora de RH que era sua amiga. Isso em geral não é verbalizado. Agora, você também tem que ver que isso também tem mudado. Muitas empresas hoje falam que querem ampliar a equidade racial. Cresce o número de empresas que querem fugir dessa reputação de serem empresas brancas apenas. Isso é um indicativo de que a gente pode ter mudanças. As mudanças estão chegando, mas é necessário que a empresa tenha uma vontade política de mudar essa situação e invista mesmo nesses processos.
CC: Na sua opinião, como as empresas e o mercado de
trabalho podem atuar para reduzir essa desigualdade?
CB: O censo é fundamental. Ele ajuda a
identificar as diferenças de cargos, de salários, de inserção, promoções. E
ajuda a identificar onde é que estão os problemas e ajuda a desenhar um plano
de ação que envolve levar essa discussão para o interior das empresas e para as
altas lideranças, para as áreas jurídicas e outras. É preciso uma decisão
política da empresa. E isso é algo bem delicado e importante.
CC: Há bons exemplos?
CB: Algumas empresas que são líderes em seus
ramos têm avançado bastante, procurando trazer mulheres negras para cargos de
direção, procurando entender porque mulheres negras que estão lá há bastante
tempo, e com escolaridade e experiência, não têm sido promovidas, procurando
desenhar produtos para mulheres negras, procurando fazer um marketing que
considere as famílias negras, contratar prestadores de serviço dentre as
organizações de mulheres negras. Há algumas empresas fazendo esforços nessas
direções.
--------------------------------------
Observação - O nome de Cida Bento consta entre os 50 profissionais mais influentes do mundo - relação de 2016. Cf.: Portal Áfricas, do qual a psicóloga também é colunista: www.portalafricas.com.br/v1
Fonte do Texto:
Crédito das Imagens:
1. Foto de Cida Bento - www.portalafricas.com.br/v1
2. Outras imagens do texto - www.canstockphoto.com.br
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com
Nenhum comentário :
Deixe seu comentário: