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NATAL: A PRESENÇA E OS PRESENTES - AMPARO CARIDADE

18 novembro, 2017

Desde 2010, a cada mês de novembro, dia 16, quando se celebra o aniversário de Amparo Caridademais se aprofunda  a  minha  alegria de termos construído, por longo tempo, um laço profundo de amizade. 

Conhecida por suas palestras e entrevistas sobre questões da sexualidade humana, era antropóloga e escritora, professora e incentivadora do Mestrado de Psicologia da Unicap e, para mim, amiga e irmã, cuja morte foi dolorosamente antecipada. Ao vê-la viver  em momentos brincantes, viajando juntas, cooperando na produção de seus dois últimos livros e, mais tarde, com a sua intensa presença, quando se preparava à anunciada morte   fui uma aprendiz do seu amor à vida, da sua verdade, e da altivez como enfrentou,  junto à família e aos amigos, o que a vida lhe pediu.

Hoje estive folheando o seu livro “Caminhos e Caminhantes”, e encontrei uma crônica que, na proximidade com as festividades deste fim de ano  pode nos ajudar a refletir sobre o sentido das nossas escolhas, nos dias em que vivemos.  Segue a crônica.

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Nós e o Natal
Por: Amparo Caridade

"Aprendemos sobre o Natal que é celebração do amor, que é desejo de paz e de amizade. Em torno disso, inventaram-se rituais. O homem é um ser de rituais. Isso é antropológico. Há ritos para o nascimento, para os diversos momentos da vida e para a morte. O Natal é um desses momentos em que ritualisticamente nos (re)unimos em família, em torno da mesa para o jantar, para os abraços, para os perdões e para a troca de presentes.

O aniversário do menino de Belém torna-se o motivo em torno do qual as pessoas exercitam maior aproximação, maior democracia de gestos e de emoções. O ritual encenado, o jantar, as preces, as luzes, os presentes, podem servir a esse fim. Unir, juntar, reunir as pessoas que se querem mais próximas. Um livro muito especial de Tereza Haliday, “Celebrações”, contém ritos preciosos para diversos momentos da vida.

Receio que tenhamos deslizado do ritual para o consumo, do antropológico para o comercial. A vida pós-moderna parece conspirar para isso. Há uma sedução generalizada do comércio que objetiva vender, lucrar, em meio a gentis e sofisticadas promessas de alegria, prazer e felicidade. Uma maresia do nosso espírito crítico nos impede de perceber a manipulação que subjaz aos encantos do mercado.

O que significa esse afã natalino do comprar, consumir, e doar presentes? Estaremos dando, doando de fato? 


O dicionário Aurélio diz que doar é ceder gratuitamente, consagrar-se, devotar-se, dedicar-se. O léxico indica, portanto, que há uma porção nossa em jogo nesse dar: é o doar-se. O sentido do presente que ofertamos é que ele leva até ao outro um pouco de nós mesmos. O presente é uma linguagem. Por isso ele se apresenta coberto de signos: o objeto escolhido (algo para alguém), a embalagem (enseja o belo), a dedicatória (que leva parte da alma), tudo significa, tudo veicula esse pedaço de mim que quero ofertar. É assim que a “coisa escolhida” precisa transportar, simbolizar o afeto, a apreciação que tenho pelo outro.

Há uma pulsão do dar e do receber no Natal. Mas será que nos damos, ao dar presentes? O outro a quem damos é importante ao ponto que eu me ofereça a ele na metáfora de um presente? 

Receio que o troca-troca tenha desvirtuado esse sentido. Há na contemporaneidade uma mística de autossuficiência, uma vontade de que a dependência dos outros seja cada vez menor, de que o outro não importa ao bem-estar. Isso tem sérias consequências, pois, se o outro deixa de ser importante para minha felicidade, decerto sua felicidade também deixa de ser importante para mim. Corre-se o risco do exercício de uma grande indiferença, da economia das emoções, de dificuldade afetiva entre as pessoas. O saldo pode ser o incremento da solidão, a perda dos vínculos e, até a violência."


No ato de dar presentes às pessoas idosas desamparadas ou às crianças de alguma creche — sugere Amparo, referindo-se a fatos de anos atrás — a mensagem, mesmo que provisória, é de que alguém se importe com alguém. Por isso vale não só oferecer um presente, mas ligar, falar com o idoso ou a criança presenteada, ouvir-lhe a voz, e fazê-la ouvir que é bom saber que ela existe. A gente não esquece as palavras (bem)ditas que ouve na infância, e se conforta com um alento pessoal, quando a vida já fez o seu caminho.  

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Fonte do texto:
Caminhos e Caminhantes/ Crônicas Brasileiras
Amparo Caridade – Recife: Bagaço, 2004, p.138

Capa de Livros:




Crédito das Imagens:

1. Foto de Amparo Caridade – www.revistazena.com.br
2. Imagem: milano_sflgiandoilnatale.jpg
3. Imagem de: www.canstockphoto.com.br
4. Imagem: www.youtube.com.br
5.  Fotos de capas de livros - www.vaniserezende.com

Nota: As imagens publicadas nesse blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com  









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