
Um dos convidados internacionais do 22º Encontro Nacional de Economia Política (Enep) - realizado na Unicamp, em Campinas, entre 30 de maio e 2 de junho - o economista grego Costas Lapavitsas, eleito deputado pelo Syriza em 2015, proferiu uma das palestras mais concorridas do encontro, sobre o tema “Políticas de austeridade e as alternativas na periferia em tempos de crise do capitalismo”. É conhecido por suas críticas ao sistema financeiro ocidental moderno, o qual se dedica a estudar, e às políticas de austeridade.

“A esquerda perdeu confiança em si mesma e a aproximação com a classe trabalhadora, porque perdemos a credibilidade”, admite. “O momento é de um processo de cura. De recriação da esquerda. De levantar, se reerguer”. Comentou, ainda, sobre a importância da novidade representada pela micropolítica de gênero e raça, mas alertou que esta não deve se distanciar da questão da luta de classes, para que a esquerda continue a falar a mesma língua dos trabalhadores.
Brasil Debate – Existem alternativas para países emergentes, como o Brasil, que sejam respostas à retomada agressiva do neoliberalismo pós-crise de 2008? No caso do Brasil, a esquerda assiste, quase perplexa, a uma ofensiva das classes dominantes para impor reformas ultraliberais. Que opções ela tem diante desta ofensiva?

Brasil Debate – Você acredita que o capitalismo está em crise agora?
Costas Lapavitsas – O termo crise tem que ser usado com cuidado. A esquerda fala em crise o tempo inteiro. E às vezes não significa muita coisa. Óbvio que não estamos em crise como estávamos em 2008-2009. Aquela realmente foi uma crise. Mas nós estamos em um período histórico de transformação nas últimas três décadas, com a globalização, a financeirização e o liberalismo. Não está claro. No largo senso, o capitalismo, mais uma vez, não está funcionando. Temos que pensar que não se trata apenas do pensamento anticapitalista. De não apenas se opor ao capitalismo. Precisamos buscar alternativas positivas ao capitalismo.
Brasil Debate – O que você quer dizer com alternativas positivas ao capitalismo?
Costas Lapavitsas – Temos que propor coisas positivas, alternativas que unam as pessoas em um mesmo propósito, não somente criticar o capitalismo. Não basta ser anticapitalista. Temos que propor alternativas socialistas, associativismo. Basicamente alternativas socialistas. O capitalismo iniciou uma nova etapa, mas não terminou. Não é o fim.

Costas Lapavitsas – Isto é muito interessante. Na Europa há claramente uma periferia. Uma nova periferia conformada pelos países que vocês mencionam. Assim, a Europa tem a ensinar à esquerda sul-americana que as políticas de austeridade que nós fizemos nos últimos sete anos produzem resultados, que promovem a estabilização, mas destroem o emprego, destroem a produção e, na verdade, enfraquecem a economia. É um ponto muito importante para considerar.
A perspectiva de crescimento com a estabilização - que na verdade não existe - é a mais importante lição que poderá ser aproveitada pelo Brasil. O resultado das políticas de austeridade na Europa são um equilíbrio da economia muito problemático e uma economia muito fraca. Não se podem cometer os mesmos erros no Brasil. Apenas porque eles querem estabilizar. Austeridade não é o caminho.
Brasil Debate – Diante de uma crise do capitalismo de grandes proporções, como a que estamos vivendo, por que a esquerda – em nível mundial – está com dificuldades de propor saídas e ganhar corações e mentes? E, ao mesmo tempo, assistimos ao fortalecimento da direita?
Costas Lapavitsas – Eu não sei muito sobre o Brasil, mas eu posso dizer sobre a Europa. Na Europa há duas razões. A primeira é que por muito tempo a esquerda foi apenas anticapitalista. Quando a esquerda propõe na Europa qualquer coisa, concretamente, é uma proposta para consertar instituições que já existem. E isso vem falhando sistematicamente. A esquerda perdeu confiança nas ideias mais radicais, de socialismo. Ela parou de ser mais radical porque não confia mais nessas ideias.

Brasil Debate – Você acha que essas questões de gênero e raça não deveriam estar interligadas com as de classes?
Costas Lapavitsas – Completamente. Deveriam estar conectadas sim. Estamos falando de identidade política. A gente deveria perceber que classe e nação são um tipo de identidade. A questão da classe, da nação, é tudo meio unificado. Ao esquecer a questão de classe, a esquerda se torna supérflua.
Brasil Debate – Nós ouvimos falar sobre movimentos e partidos da esquerda dos países da zona do euro de se unirem para propor algumas medidas de enfrentamento da Troika, como a de criar uma moeda complementar ao euro e estatizar o setor financeiro e energético. Isso é verdade? Como está o andamento dessas conversas e propostas?

A segunda razão é que os cidadãos se sentiram traídos em vários pontos pela esquerda. Esse é o estrago feito pela esquerda, e suspeito que esse é o estrago feito pela esquerda em todo o mundo. O prejuízo na Grécia é enorme. A esquerda perdeu confiança em si mesma e perdemos a aproximação da classe trabalhadora, porque perdemos credibilidade. Então para nós é um tempo muito difícil. O momento é de um processo de cura. De recriação da esquerda. De levantar, se reerguer.
A Grécia tem a necessidade de dar um tempo às instituições capitalistas. A esquerda precisa reinventar a ideia de soberania, o que isso significa, de soberania da população, como nós definimos o conceito do cidadão na Grécia, e como isto está conectado à classe trabalhadora. Como nós podemos nos unir de novo, porque a economia está indo muito mal, há ainda a questão da imigração, o movimento dos refugiados em direção à Europa.
A Europa está sendo desafiada a redefinir a sua população nacional, a soberania popular. Nós estamos vivendo um processo de reunificação das esquerdas, pois observamos que o que acontece na esquerda na Espanha é semelhante ao que acontece com a esquerda na França e nos outros países. O movimento é de reunificação, mas não espere um processo rápido.
Brasil Debate – É verdade que a Grécia vive hoje o florescimento de iniciativas anarquistas, de organizações autogestionárias, como resultado da crise e no vácuo do desmonte do próprio Estado?

Então definitivamente algo está acontecendo. É difícil de dizer o que é. E há tempos que nós não tínhamos tanta violência, a violência terrorista. O anarquismo cresce nesses tempos. Em época de crise, em momentos de fraqueza (do capitalismo), o anarquismo cresce. Eu acho que eles estão se expandindo e seduzem principalmente os mais jovens.
Potencialmente, pode ser uma forma de evolução da esquerda, por meio do que chamamos de esquerda radical. Um tipo de esquerda incorruptível na sua proposta de mudar a sociedade. Estamos diante de um desafio e de uma oportunidade para a esquerda.

Brasil Debate – Gostaria de fazer algum comentário?
Costas Lapavitsas – Sim, eu penso que a esquerda latino-americana especialmente a esquerda que eu vejo no Brasil e na Argentina, tem muitas coisas a ensinar à esquerda europeia. Eles deviam perceber isso. A esquerda europeia está num momento fraco e a esquerda latino-americana tem coisas a mostrar sobre formas de lidar com o capitalismo financeiro, o capitalismo global. Me refiro ao jeito com que vocês lutam contra isso. Até porque existe a histórica exploração da América Latina pela Europa, experiência que a Europa desconhece. O intercâmbio, o fluxo de informação, ainda está muito no começo, é muito embrionário. Temos muito que aprender uns com os outros.
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Fonte do Texto: Entrevista - Brasil Debate - ‘O capitalismo, mais uma vez, não está funcionando’ - www.brasildebate.com.br - Por: Ana Luíza Matos de Oliveira e Paula Quental.
Título:
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Para outras informações, em inglês, ver a sua página na internet:
http://costaslapavitsas2.blogspot.com.br/search/label/Books
Crédito das Imagens:
Painel: Escravatura - Abelardo da Hora - Recife. www.mauritsstadt.blogspot.com.br
1a. foto de Costa Lapavitsas - www.tlaxcala-int.org
2a. foto: www.versobooks.com
3a. foto: www.youtube.com
Observação: As imagens de capas dos livros do autor foram copiadas da sua página.
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