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PAPA FRANCISCO - 3ª PARTE DA ENTREVISTA

12 junho, 2017


Publicamos hoje a terceira parte da Entrevista feita ao Papa Francisco pelo jesuíta Antonio Spadaro alguns meses após a sua nomeação como bispo de Roma e Pastor da Igreja Universal. 
 
Os subtítulos e as expressões sublinhadas são ferramentas de edição utilizadas neste blog, que não correspondem ao texto original. As perguntas feitas ao Papa e os comentários do entrevistador estão em escrita cursiva.  

Antonio Spadaro: Pergunto ao Papa Francisco o que significa exatamente para ele a expressão «sentir com a Igreja», de que escreve Santo Inácio nos seus Exercícios Espirituais. O Papa responde sem hesitação, partindo de uma imagem. 

 
Sentir com a Igreja

"A imagem da Igreja de que gosto é a do povo santo e fiel de Deus. É a definição que uso mais vezes; é também a da "Lumen gentium", nº 12.   
A pertença a um povo tem um forte valor teológico: Deus na história da salvação salvou um povo. Não existe plena identidade sem pertença a um povo. Ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos considerando a complexa trama de relações interpessoais que se realizam na comunidade humana. Deus entra nesta dinâmica do povo.

"O povo é sujeito. E a Igreja é o povo de Deus a caminho na história, com alegrias e dores. 'Sentire cum Ecclesia' é para mim estar neste povo. E o conjunto dos fiéis é infalível no crer, e manifesta esta sua 'infallibilitas in credendo' mediante o sentido sobrenatural da fé de todo o povo que caminha. É isto o que eu entendo hoje como o “sentir com a Igreja” de que fala Santo Inácio. 


"Quando o diálogo entre as pessoas e o bispo e o Papa segue este caminho e é leal, então é assistido pelo Espírito Santo. Não é, portanto, um sentir ligado aos teólogos. É assim também com Maria: se se quiser saber quem ele é, pergunta-se aos teólogos; se se quiser saber como amá-la, é necessário perguntá-lo ao povo. Maria amou Jesus com coração de povo, como lemos no Magnificat. Não é sequer necessário pensar que a compreensão do sentir com a Igreja esteja ligada somente ao sentir com a sua parte hierárquica".
 
Após um momento de pausa, talvez para evitar mal-entendidos o Papa trata de precisar: "Obviamente, é necessário estar bem atentos a não pensar que esta infallibilitas de todos os fiéis de que estou a falar à luz do Concílio seja uma forma de populismo. Não: é a experiência da 'Santa Madre Igreja hierárquica', como lhe chamava Santo Inácio, da Igreja como povo de Deus, pastores e povo em conjunto. A Igreja é a totalidade do povo de Deus". 
  • A santidade quotidiana
"Vejo a santidade no povo de Deus, a sua santidade quotidiana. Existe uma 'classe média da santidade' da qual todos podemos fazer parte, aquela de que fala Malègue". Aqui o Papa se refere a Joseph Malègue, um escritor francês que lhe é muito caro, nascido em 1876 e falecido em 1940. Em particular, à sua trilogia incompleta Pierres Noires: Les Classes moyennes du Salut. Alguns críticos franceses definiram-no como o 'Proust católico'. 

Continua o Papa: "Vejo a santidade no povo de Deus paciente: uma mulher que cria os filhos, um homem que trabalha para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes idosos com tantas feridas mas com um sorriso por terem servido o Senhor, as Irmãs que trabalham tanto e que vivem uma santidade escondida. Esta é, para mim, a santidade comum."

"Associo frequentemente a santidade à paciência: não só a santidade como hypomoné o encarregar-se dos acontecimentos e circunstâncias da vida mas também como constância no seguir em frente dia após dia. Esta é a santidade da Igreja militante de que fala também Santo Inácio. Esta é também a santidade dos meus pais: do meu pai, da minha mãe, da minha avó Rosa, que me fez tanto bem. No breviário tenho o testamento da minha avó Rosa e leio-o frequentemente: para mim é como uma oração. Ela é uma santa que sofreu tanto, também moralmente, e seguiu sempre em frente com coragem.
  • A Igreja fecunda
"Esta Igreja com a qual devemos “sentir” é a casa de todos, não uma pequena capela que só pode conter um grupinho de pessoas selecionadas. Não devemos reduzir o seio da Igreja universal a um ninho protetor da nossa mediocridade."  E continua:

"A Igreja é Mãe. A Igreja é fecunda, deve sê-lo.  Quando me apercebo de comportamentos negativos de ministros da Igreja ou de consagrados ou consagradas, a primeira coisa que me vem à cabeça é: 'Cá está um solteirão' ou 'Cá está uma solteirona'. Não são nem pais, nem mães. Não são capazes de gerar vida. Pelo contrário, quando leio, por exemplo, a vida dos missionários salesianos que foram para a Patagonia, leio uma história de vida, de fecundidade.
 
"Um outro exemplo destes dias: vi que foi muito referido nos jornais o telefonema que fiz a um rapaz que me tinha escrito uma carta. Telefonei-lhe, porque aquela carta era tão bela, tão simples. Para mim isto foi um ato de fecundidade. Apercebi-me que é um jovem que está a crescer, sentiu em mim um pai, e assim eu lhe disse alguma coisa sobre a sua vida. Um pai não pode dizer: 'Não tenho nada que ver com isso'. Esta fecundidade faz-me muito bem".  
  • Igrejas jovens e Igrejas antigas
Permaneço no tema da Igreja, fazendo ao Papa uma pergunta, também à luz da recente Jornada Mundial da Juventude: Este grande evento acendeu posteriormente o foco sobre os jovens, mas também sobre aqueles “pulmões espirituais” que são as Igrejas de instituição mais recente. Então pergunto ao Papa:
Quais as Esperanças para a Igreja universal que lhe parecem provir destas Igrejas?
 
"As Igrejas jovens desenvolvem uma síntese de fé, cultura e vida em devir e, portanto, diferente da desenvolvida pelas Igrejas mais antigas. Para mim, a relação entre as Igrejas mais antigas e as mais recentes é semelhante à relação entre jovens e velhos numa sociedade: constroem o futuro, mas uns com a sua força e os outros com a sua sabedoria. Correm-se sempre riscos, obviamente. As Igrejas mais jovens correm o risco de se sentirem autossuficientes, as mais antigas correm o risco de querer impor às mais jovens os seus modelos culturais. Mas o futuro constrói-se conjuntamente".

  • A Igreja: Um hospital de campanha...
O Papa Bento XVI, ao anunciar a sua renúncia ao Pontificado, retratou o mundo de hoje como sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, que requerem vigor, seja do corpo, seja da alma. Pergunto ao Papa, também à luz daquilo que acabou de me dizer: 
De que é que a Igreja tem maior necessidade neste momento histórico? São necessárias reformas? Quais são os seus desejos para a Igreja dos próximos anos? Que Igreja 'sonha'?
 
"O Papa Bento teve um ato de santidade, de grandeza, de humildade. É um homem de Deus", demonstrando um grande afeto e uma enorme estima pelo seu predecessor. Vejo com clareza que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é necessário começar de baixo.
 
"A Igreja por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: “Jesus Cristo salvou-te!”. E os ministros da Igreja devem ser, acima de tudo, ministros de misericórdia. O confessor, por exemplo, corre sempre o risco de ser ou demasiado rigorista ou demasiado laxista." (i) E continua: "Nenhum dos dois é misericordioso, porque nenhum dos dois toma verdadeiramente a seu cargo a pessoa. O rigorista lava as mãos porque remete-o para o mandamento. O laxista lava as mãos dizendo simplesmente “isto não é pecado” ou coisas semelhantes. As pessoas têm de ser acompanhadas, as feridas têm de ser curadas.

"Como estamos a tratar o povo de Deus? Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora. Os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa, levanta o seu próximo. Isto é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, isto é, vêm depois. 


  • A primeira reforma: o diálogo, a atitude de ir ao encontro 
"A primeira reforma deve ser a da atitude. Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem se perder.
"O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou clérigos de Estado. Os bispos, em particular, devem ser capazes de suportar com paciência os passos de Deus no seu povo, de tal modo que ninguém fique para trás, mas também para acompanhar o rebanho que tem o faro para encontrar novos caminhos. 

Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe, tendo as portas abertas, procuramos mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente. Quem a abandonou fê-lo, por vezes, por razões que, se forem bem compreendidas e avaliadas, podem levar a um regresso. Mas é necessário audácia, coragem".
____________________________
(i)  ausência de restrições morais, tolerância excessiva, permissividade.

Fonte do texto:  https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2013/september/

Créditos das Imagens

1. Papa Francisco - foto divulgação
2. Imagem da igreja em Loppiano (FI) - Movimento dos Focolares.
3. Os apóstolos de Aleijadinho - Minas Gerais (BR)
4. "Concreta solidarietà" - Osservatore Romano - 9.09.2015

















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