Apresentamos, neste espaço, uma versão - em português - da conferência de Jesús Morán - co-presidente do Movimento dos Focolares - realizada na Universidade de Mumbai, durante recente viagem, com Emaus, presidente dos Focolares, ao subcontinente indiano.
Aspectos antropológicos do diálogo
* Jesús Morán
Poderíamos dizer
então que na noite cultural – que é também uma “noite do diálogo” – está oculta
uma luz, ou seja, a possibilidade de elaborar, juntos, uma nova cultura do diálogo. Para fazer isto, a
meu ver a primeira coisa é redescobrir que o diálogo está tão enraizado na
natureza humana, que em todas as culturas podemos encontrar o que eu chamaria
“as fontes do diálogo”.
Essas fontes estão reunidas nas grandes Escrituras, e são fundamentalmente duas: a fonte que brota da experiência religiosa e a que nasce da busca filosófica da humanidade. Assim, deveríamos falar de fonte bíblica, corânica, védica, etc.[i] Significa que, em todas as Escrituras das (diferentes) tradições religiosas encontramos fortemente o acento no diálogo. Deveríamos nos embeber inclusive na filosofia grega, na metafísica islâmica, nos Upanishad,[ii] no pensamento budista, e outros.[iii]
Essas fontes estão reunidas nas grandes Escrituras, e são fundamentalmente duas: a fonte que brota da experiência religiosa e a que nasce da busca filosófica da humanidade. Assim, deveríamos falar de fonte bíblica, corânica, védica, etc.[i] Significa que, em todas as Escrituras das (diferentes) tradições religiosas encontramos fortemente o acento no diálogo. Deveríamos nos embeber inclusive na filosofia grega, na metafísica islâmica, nos Upanishad,[ii] no pensamento budista, e outros.[iii]
No Ocidente foi desenvolvida, no século passado, uma verdadeira escola do pensamento dialógico, de raiz judaico-cristã. Sirvo-me de modo particular desta última fonte para identificar alguns princípios de uma antropologia do diálogo.
Primeiro, eu diria que diálogo “está inscrito na natureza do homem” a tal ponto que se pode dizer que é a própria definição do homem.
Segundo: no diálogo “cada homem é completado pelo dom do
outro”, isto é, precisamos uns dos outros para ser nós mesmos. No diálogo eu presenteio
ao outro a minha alteridade, a minha diversidade.
Terceiro: cada diálogo “é sempre um encontro
pessoal”. Portanto, não se trata tanto de palavras ou de pensamentos, mas de
doar o nosso ser. O diálogo não é simplesmente uma conversa, nem discussão, mas
é algo que toca na profundeza dos interlocutores.
Quarto: o diálogo “exige silêncio e escuta”. Isto é
decisivo, porque o silêncio é importante não só para o falar honesto, mas também
para o pensar de forma honesta. Como diz um
provérbio: “Quando falares, faz com que as tuas palavras sejam melhores do que o
teu silêncio”. (Dionísio, o
Velho).
Quinto: o verdadeiro diálogo “constitui algo existencial” porque arriscamos a nós mesmos, a nossa visão das coisas, a nossa identidade. Às vezes sentimos que perdemos a nossa identidade cultural, mas é só uma passagem porque, na realidade, a identidade é enriquecida imensamente com a nossa abertura (para o diferente de nós). Deveríamos ter uma “identidade aberta”. Isto quer dizer saber quem somos; mas também estar convictos de que “quando me percebo a mim mesmo - ao falar com alguém - sei melhor, eu também, quem sou eu.” (Fabris).
Outros princípios sobre o diálogo são: o diálogo autêntico “tem a ver com a
verdade”, é um aprofundamento da verdade. Para os gregos antigos, o diálogo era
o método para chegar à verdade. Isto significa que a verdade precisa sempre ser
completada, ninguém possui a verdade, é ela que nos possui. Portanto,
não se trata da relatividade da verdade,
mas da “relacionalidade da verdade” (Baccarini).
A “verdade relativa” significa que cada um
tem a sua verdade, que é válida somente para si mesmo. Já a “verdade
relacional” significa que cada um partilha com os outros a sua participação na verdade, que é uma para todos.
É diferente o modo como cada um de nós chega à verdade, e como participamos dela. Por isso é importante dialogar: para nos enriquecer das várias perspectivas da verdade. Na relação com o outro, cada um descobre aspectos novos da verdade como se fossem próprios. Como diz Raimond Panikkar: “De uma janela se vê toda a paisagem, mas não totalmente”.
É diferente o modo como cada um de nós chega à verdade, e como participamos dela. Por isso é importante dialogar: para nos enriquecer das várias perspectivas da verdade. Na relação com o outro, cada um descobre aspectos novos da verdade como se fossem próprios. Como diz Raimond Panikkar: “De uma janela se vê toda a paisagem, mas não totalmente”.
É aquilo que
dizíamos antes: devemos conceber a diferença como um dom e não como um perigo.
Um dos grandes paradoxos de hoje é que neste mundo globalizado temos medo da
diferença, medo do outro. Mas, o diálogo nos convida a ir além: “exige uma
forte vontade”. O amor à verdade me leva a buscá-la e a desejá-la, e por isso
me coloco em diálogo.
Dois últimos princípios: o diálogo “é possível somente entre
pessoas verdadeiras”, mas só o amor nos torna verdadeiros. Em
outras palavras, o amor prepara as pessoas para o diálogo tornando-as
verdadeiras. O que torna fecundo o falar é a santidade de quem fala e a
santidade de quem escuta. Eis a responsabilidade do diálogo em toda a sua
dimensão: exige pessoas verdadeiras e torna as pessoas mais verdadeiras.
Por fim: a cultura do diálogo “conhece apenas uma
lei que é a da reciprocidade”. É preciso fazer esse
percurso de ida e volta para que exista verdadeiro diálogo. Em última análise,
hoje se fala muito de inter-culturalidade. Parece-me que uma verdadeira inter-culturalidade
é possível se começarmos a viver essa cultura do diálogo. Nunca ninguém disse
que dialogar seja fácil. O diálogo exige de nós aquilo que hoje é difícil pronunciar:
sacrifício. Exige homens e mulheres “maduros
para a morte” (Maria Zambrano),
isto é, maduros para morrer a si mesmos e viver no outro.
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(*) Conferência
do co-presidente do Movimento dos Focolares, Jesús Morán, na
Universidade de Mumbai, em 5 de
fevereiro de 2016, durante recente viagem realizada com uma forte
característica inter-religiosa no subcontinente indiano.
________________________________Notas explicativas ao presente texto
– exclusivamente para este blog:
[i] Fonte corânica - relativa ou pertencente ao Alcorão - livro sagrado do
islamismo.
Fonte
védica - “O primeiro dos
três períodos da religião indiana, baseado na mitologia e no ritualismo dos
vedas, os textos sagrados que fundamentam toda a tradição cultural hinduísta [O
vedismo inicia-se entre os Séculos XX a.C. e XV a.C., com a conquista ariana do norte
da Índia, o sincretismo subsequente entre a religião dos invasores (ários) e a
dos povos dominados (drávidas); embora politeísta, guarda traços de monoteísmo
(através do henoteísmo) e panteísmo; estende-se até
aproximadamente o Século XI a.C., com o advento do período seguinte, o bramanismo]”
- Cf. Dicionário Houaiss.
[ii] Upanishads –
Uma explicação dos Upanischads se encontra na revista Superinteressante, (abril, 2005), que apresenta um livro
sobre este assunto. Cf. ww.super.abril.com.br/comportamento/upanishads
[iii] Outro exemplo que poderia ser acrescentado, é o da filosofia
africana “Ubuntu”, sobre a
qual Nelson Mandela disse: "A tradição africana Ubuntu é uma verdade universal, é um modo de vida. É um termo que
exprime vários significados: respeito, serviço, cuidado, confiança,
desapego, reciprocidade... O que não significa que essa gente não deva olhar
para si mesma. A pergunta para isto é: Desejas fazer algo para tomar
parte de tua comunidade e, assim, melhorá-la? Entrar em contato com
outra pessoa ou com uma comunidade, de um modo autêntico, libera a mais
poderosa energia no planeta. Essas são as coisas importantes da vida".
O bispo africano Desmond Tutu, afirma: “uma pessoa com Ubuntu está aberta e disponível aos outros, sem se preocupar em julgar os outros como bons ou maus, consciente de que ela faz parte de algo maior e é tão pequena quanto os seus semelhantes que são humilhados, torturados e oprimidos”.
--------------------------- (Os textos aqui citados, sobre Ubuntu, foram tirados de uma postagem do blog: www.vaniserezende.com.br - Ubuntu – Sou porque vocês são – 14/02/2014).
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Crédito Imagens:
1. Josè Morán e Emmaus na India - www.movimentodosfocolares.org
Fevereiro, 2016.
2. Antigas Escrituras - www.pesquisamundi.org
3. Papa Francisco em visita ao povo africano de Banghì - dezembro, 2015.
www.focolare.org/pt/news
4. Papa Francisco e o Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, em Havana (Cuba) - fevereiro, 2016. www.exame.abril.com.br/mundo
5. Foto do bispo africano Desmond Tutu - www.bodive.co.za
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma destas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com
Crédito Imagens:
1. Josè Morán e Emmaus na India - www.movimentodosfocolares.org
Fevereiro, 2016.
2. Antigas Escrituras - www.pesquisamundi.org
3. Papa Francisco em visita ao povo africano de Banghì - dezembro, 2015.
www.focolare.org/pt/news
4. Papa Francisco e o Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, em Havana (Cuba) - fevereiro, 2016. www.exame.abril.com.br/mundo
5. Foto do bispo africano Desmond Tutu - www.bodive.co.za
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