Povo Xokleng marcha em direção à Praça dos Três Poderes - Foto: Hellen Loures/Cimi
PGR posiciona-se a favor do povo Xokleng no processo sobre terras indígenas no STF
O povo Xokleng está no mérito do julgamento que pode definir o futuro dos povos indígenas; na quarta-feira, 8 de setembro, caso voltará à pauta do Supremo Tribunal Federal
Por: Assessoria de Comunicação do Acampamento Luta pela Vida
O Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, em 2.09.2021 manifestou-se contrário ao Marco Temporal que poderia definir o futuro das demarcações de Terras Indígenas, no julgamento Supremo Tribunal Federal (STF). O STF seguirá o julgamento no próximo dia 8 de setembro. Pela quarta vez, em menos de duas semanas, cerca de 1200 indígenas representantes de 70 povos estão acampados, em Brasília, para acompanhar o julgamento, na Praça dos Três Poderes, e manifestar apoio à Suprema Corte. O Procurador-Geral da República encerrou a sessão manifestando-se a favor do provimento do recurso do povo Xokleng, cujo território está no centro da disputa do processo. “A demarcação é de índole declaratória, não constitutiva. Demarcar uma terra indígena consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação”, destacou Aras.
O
caso em discussão começou com uma ação de reintegração de posse movida pelo
Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) em face do povo Xokleng.
A área ocupada pelos indígenas é sobreposta a um parque estadual e já foi
identificada como parte da Terra Indígena (TI) Ibirama Laklãnõ. Assim, o
Procurador-Geral posicionou-se pela manutenção da posse, e a favor da validade
da demarcação, sem aplicação de nenhum marco temporal.
O
pronunciamento do procurador foi feito após 36 manifestações dos chamados “Amici Curiae” – “Amigos da Corte”, organizações da
Sociedade Civil e instituições que auxiliam as partes que têm interesse no
caso.
O
julgamento do STF sobre o Recurso Extraordinário nº 1.017.365, foi iniciado no
dia 26 de agosto deste ano, após a leitura do relatório inicial do ministro
Edson Fachin.
Além
das manifestações dos “Amici Curiae”, foram feitas as sustentações orais
da Advocacia-Geral da União (AGU), dos advogados da Comunidade Xokleng, da TI
Ibirama-LaKlãnõ (SC), do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina
(IMA) que propôs a ação, e da PGR, que se manifesta obrigatoriamente em
processos envolvendo questões indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai),
que antes fazia parte no processo e defendia os direitos da Comunidade Indígena,
desta vez se ausentou, agora alinhada ao atual governo e setores ruralistas.
“A sessão vai ser retomada na próxima quarta-feira, dia 8, a partir das 14h, com a leitura do voto do ministro relator Edson Fachin, e, em seguida, será aberta para os demais ministros da Corte. Continuaremos mobilizados acompanhando, dizendo não ao marco temporal!” - enfatizou a coordenadora jurídica da Apib, Samara Pataxó.
Mais de seis mil indígenas acompanhavam o julgamento, em frente ao Supremo Tribunal Federal. Foto: Tiago Miotto/Cimi - 26.08.2021
“O
momento é oportuno para esta Suprema Corte reafirmar o direito dos povos
originários do Estado brasileiro, notadamente num contexto político tão
adverso, onde cumprir as disposições constitucionais é medida que se impõe. É
preciso reafirmar que a proteção constitucional dispensada às terras indígenas
é um compromisso de Estado e não pode estar submetido à discricionariedade
política. Sendo assim, demarcar terra indígena é imperativo constitucional”,
destaca Luiz Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (Apib), durante sustentação oral na tarde de ontem.
Nesse
contexto, destaca-se a posição do ministro relator Edson Fachin, que
afirmou: “está em julgamento a tutela do direito à posse de terras pelas
comunidades indígenas, substrato inafastável do reconhecimento ao próprio
direito de existir dos povos indígenas”.
A
respeito do “marco temporal” e sobre os indígenas que vivem em isolamento
voluntário, o ministro Fachin questionou: “estando completamente alijadas do
modo de vida ocidental, de que modo farão prova, essas comunidades, de estarem
nas áreas que ocupam em 05 de outubro de 1988?”
A
sessão será retomada na próxima quarta-feira, dia 8, a partir das 14h, com a
leitura do voto do ministro relator Edson Fachin.
Advocacia
Indígena
Organizações
indígenas e indigenistas consideram como histórica a participação dos quatro
advogados indígenas que apresentaram sustentação oral como “Amici Curiae”. Na ocasião, Samara Pataxó, Eloy Terena,
Ivo Macuxi e Cristiane Soares Baré pronunciaram-se contrários à tese do Marco
Temporal.
“É
notório que o marco temporal figure como um dos principais trunfos para
sobrepor interesses individuais, políticos e econômicos sobre direitos
fundamentais, coletivos e constitucionais dos povos indígenas e da própria
União. Ou seja, o marco temporal não goza de natureza jurídico-constitucional,
pois vai de encontro a pilares que são caros ao Estado Democrático de Direito”,
destacou Samara, que, além de coordenadora jurídica da Apib, representou o
Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), no
processo.
Para
Samara, a participação dos advogados indígenas é importante, pois revela a
diversidade de povos e regiões, mostrando que a tese do marco temporal afeta
todos os territórios e povos do país. “O nosso papel, enquanto advogados, é
levar a voz dos povos indígenas na condição de profissional, mas também
trazendo o que a gente já faz em nossas bases, que é a defesa dos direitos dos
povos nos nossos estados e também mostrando que hoje estamos em um patamar que
há investimentos na qualificação dos indígenas em diversas áreas, como uma
possibilidade de trazer retornos às nossas lutas, nossos povos e nossos
direitos”.
Teses
em disputa
Como
dito antes, a Corte analisa a reintegração de posse movida pelo IMA, de Santa
Catarina, contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, onde também
vivem os povos Guarani e Kaingang. O caso recebeu, em 2019, status de “repercussão
geral”, o que significa que a decisão servirá de diretriz para a gestão
federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos
demarcatórios.
No
centro da disputa há duas teses:
a tese do chamado “marco temporal”, defendida pelos ruralistas, que restringe
os direitos indígenas.
A
tese do marco temporal - considerada
inconstitucional -, entende que os povos indígenas só teriam direito à
demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988,
data da promulgação da Constituição. Essa tese é defendida por empresas e
setores econômicos que têm interesse em explorar e se apropriar das terras
indígenas.
A
segunda tese, oposta ao marco temporal, apoia-se na “teoria do indigenato”,
consagrada pela Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito
indígena à terra é “originário”, ou seja, é anterior à formação do próprio
Estado brasileiro, portanto independe de uma data específica de comprovação da
posse da terra (“marco temporal”) e, também, do procedimento administrativo de
demarcação territorial. É defendida pelos povos e organizações indígenas,
indigenistas, ambientalistas e outros setores da Sociedade Civil que defendem
os direitos humanos.
“A
nossa história não começou em 1988, e as nossas lutas são seculares, isto é,
persistem desde que os portugueses e sucessivos invasores europeus aportaram
nestas terras para se apossar dos nossos territórios e suas riquezas”, reafirma
o movimento indígena em nota divulgada em 28.08.2021. Os indígenas vão
continuar “resistindo, reivindicando o respeito pelo nosso modo de ver, ser,
pensar, sentir e agir no mundo”.
Mobilização indígena
Na
semana passada, seis mil indígenas, de 176 povos de todas as regiões do país,
estiveram presentes em Brasília, reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para
acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando
também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional,
na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.
Após
o início do julgamento e a previsão de que fosse retomado nesta quarta-feira
(1º), os indígenas decidiram manter a mobilização em Brasília e nos
territórios. Assim, cerca de 1.200 lideranças indígenas, representando seus
povos, permaneceram em Brasília, e o acampamento “Luta pela Vida” foi
transferido para um novo local, a Funarte.
Seguindo
os protocolos sanitários de combate à Covid-19, o grupo seguirá acompanhando o
julgamento e une forças com a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que
acontece entre os dias 7 e 11 de setembro. Os indígenas seguem mobilizados
também nos territórios, de forma permanente.
Saiba
mais sobre o julgamento aqui
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Fonte da informação:
https://cimi.org.br/2021/09/pgr-posiciona-povo-xokleng-stf/
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