Durante toda a semana continuamos a celebrar o centenário do grande mestre PAULO FREIRE, nosso insigne educador, que ainda nos assombra com os seus ensinamentos e seu testemunho de respeito pelo saber do povo mais humilde. A preciosa herança que ele nos deixou não será esquecida jamais, e nos orgulha até hoje!
Paulo Freire permanece vivo em muitos espaços educativos deste Brasil afora, no campo e na cidade! Muitos jornais, revistas e blogs — aqui e em outros países —, têm comemorado o seu centenário com respeito e admiração por suas ideias, e pelos preciosos aprendizados que o tornam sempre presente no nosso fazer educativo.
Nos marcadores de pesquisas realizadas neste blog, as postagens sobre Paulo Freire são as que registram maior número de acessos, e sobre as quais são feitos mais comentários pelos nossos leitores.
Esse Brasil adoecido que hoje nos entristece e envergonha diante do mundo, passará! Os fatos e registros "oficiais" deste triste e difícil momento que vivemos, não deixarão um só risco na história de um país de tantos dignos brasileiros como Paulo Freire, Hélder Câmara, Margarida Alves, Betinho, e tantas e tantos brasileiros que lutaram pela liberdade democrática, pela justiça social, e pelo saber de um povo cuja maioria nos presta impagáveis serviços essenciais ao nosso bem-estar.
O presente artigo, de Alexandre Schneider, nos faz conhecer um momento em que Paulo Freire encontra Seymour Papert — um cientista que se interessava pela educação — e, a partir do diálogo entre essas duas figuras, faz uma reflexão sobre a necessidade de transformação do jeito de educar, hoje.
Alexandre Alves Schneider — presidente do Instituto Singularidades, é pesquisador do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (CEPESP/FGV), ex-Secretário de Educação de São Paulo e Colunista da Folha. Os grifos em preto são nossos. Segue o artigo.
O educador Paulo Freire, em foto de 1979 - Arquivo/Agência O Globo
Por: Alexandre Schneider
FSP - 23/09/2021
Ao fim da aula uma criança se aproxima da professora e pergunta: “o que eu aprendi hoje?”. A professora responde “Que pergunta engraçada! Por que essa pergunta?”; “porque quando chego em casa, meu pai me pergunta o que eu aprendi hoje. E eu nunca sei a resposta”.
Desta forma o matemático e cientista da computação Seymour Papert iniciou
sua conversa com Paulo Freire, em 1995. Professor do MIT e um
dos fundadores do MIT Media Lab, foi um dos pioneiros no estudo da inteligência
artificial e do uso da tecnologia na educação.
Seymour Papert defendeu que, de
forma simplificada, poderíamos identificar três momentos do processo de
aprendizagem.
O primeiro, iniciado no nascimento,
seria o da experimentação, exploração do mundo, em que a criança aprende ao
tocar as coisas, colocá-las na boca, perguntar, expandir seu conhecimento sobre
a realidade à sua volta, estimulando sua curiosidade e desejo pela descoberta.
A aprendizagem nesse estágio seria autodirigida.
O segundo, já na escola, quando
“deixamos de aprender e aceitamos ser ensinados”, um processo que oprime a
curiosidade, a criatividade e o desejo pela descoberta. Aprendemos a ler,
escrever, contar e outras habilidades, em um espaço — a escola — que privilegia
o ensino em detrimento da aprendizagem, rompendo com o estágio anterior.
A aqueles que “sobrevivessem” ao segundo estágio estaria reservado o terceiro, na idade adulta, em que a atividade profissional levaria o indivíduo de volta à aprendizagem autodirigida, de acordo com seus interesses.
A internet engatinhava e Papert dizia que a tecnologia criaria múltiplas novas possibilidades de aprendizagem, permitindo inclusive muito mais aprendizagem dirigida aos interesses dos alunos, substituindo a escola como a conhecíamos.
Paulo Freire, educador e autor de livros como "Pedagogia da Autonomia" Sérgio Tomisaki/Folhapress-MAIS
Após ouvi-lo atentamente, Paulo Freire, ao seu estilo, indica que a professora poderia ter respondido que “depositou envelopes de conhecimento” na criança. Concorda com a definição de Papert em relação ao segundo estágio, mas não crê que a escola deixará de existir. Reconhece que a “escola atual é ruim”, mas que ela deve ser transformada.
A conversa, saborosa, ocorreu há 26
anos e permanece atual. Em um mundo que caminha a passos largos para a fusão de
tecnologias desenvolvidas nas últimas décadas, em que milhões de postos de
trabalho deixarão de existir — segundo o relatório “The Future of Jobs” (2020),
do Fórum Econômico Mundial serão 97 milhões nos próximos 5 anos — e outros
tantos que ainda não conhecemos e serão criados, será necessária uma transformação
no processo de ensino e aprendizagem.
Nossos currículos “separam” as
competências que imaginamos necessárias para navegar em um novo mundo que se
descortina — pensamento crítico, científico e criativo, comunicação, projeto de
vida, empatia, repertório cultural, argumentação, cooperação etc —, dos direitos
de aprendizagem.
Cabe à pedagogia integrá-los. Mas
como fazê-lo se os incentivos existentes são os de tratar dos conteúdos
expressos nos currículos para responder aos processos avaliativos e às
exigências dos vestibulares?
Há iniciativas meritórias que tentam
“driblar” esse dilema, como é o caso da inclusão de disciplinas de “projeto de
vida”, “empreendedorismo”, bastante comuns em redes públicas. É um movimento
interessante, mas não muda o cerne da questão levantada por Freire: precisamos
mudar a escola.
Um empreendedor é um indivíduo
resiliente, que aprende com os erros, que lê o mundo à sua volta e cria
oportunidades a partir dessa leitura, enxerga adiante. Uma disciplina de
empreendedorismo — por melhor que seja — não é suficiente em uma escola em que
o erro é algoz, não professor, em que o estímulo à colaboração entre pares é
restrito e a aprendizagem não é significativa.
O mesmo se dá em relação ao “projeto
de vida”. Em primeiro lugar, em um mundo complexo e com mais longevidade talvez
devamos pensar em “projeto de vidas”. Segundo, de que adianta uma disciplina ou
uma mentoria de projeto de vida, com um estudante que passou anos na escola que
não o provocou a pensar e a construir soluções próprias e criativas?
Paulo Freire assustou os antigos
coronéis do Nordeste e os Generais da Ditadura com seu método de alfabetização de adultos nos anos 60,
que lhes daria a liberdade de ampliar seus saberes e de votar livremente. Sua obra ainda nos assombra por sua atualidade e
desnuda nossa incapacidade de erguer uma escola verdadeiramente emancipadora.
Podemos construir os melhores
currículos, sistemas de avaliação e dotar as escolas de todos os recursos
tecnológicos, mas sem um mergulho profundo na pedagogia, de nada adiantará. Não
temos mais tempo para “melhorar a escola”, é preciso transformá-la.
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