Em análise abrangente sobre a pandemia em todo o mundo, o jornal El País Brasil mostra como o sistema da vacinação nos vários países, evidencia, de forma mais aguda, como "o mundo está dividido pela riqueza". Na apresentação desse trabalho comenta-se: "A desigualdade causada pela pandemia não está apenas na fome, mas também na geopolítica das vacinas, acompanhando o ritmo da distribuição de renda nacional. A economista e colunista do EL PAÍS Monica de Bolle analisa a relação entre a vacinação e a economia, mas alerta: ainda não há como estabelecer cenários para o futuro. A colunista elenca uma série de fatores que tornam os cálculos mais complexos, o que impede uma visão simplista da relação entre a distribuição de doses e a retomada econômica. O EL PAÍS analisou as cifras da imunização ao redor do mundo que mostram o abismo existente entre os mais ricos e os mais pobres quanto à vacinação de suas populações."
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Assim avança a vacinação país por país: rápida nos
mais ricos, nem tanto nos mais pobres
Análise das cifras mostra que várias nações desenvolvidas já imunizaram mais de 30% da população, enquanto a maioria no mundo em desenvolvimento não chega a 10%
Por: Borja Andriano, Daniele Grasso e Kiko LLaneras
A desigualdade no acesso às vacinas tem sido uma preocupação constante na maior campanha de vacinação da história e, quase seis meses depois de seu início, o mundo está efetivamente dividido pela riqueza.
Os países que superam 30% de população vacinada são países ricos, ou relativamente ricos, enquanto quase nenhum país pobre conseguiu alcançar a 10% de imunização. O PIB distingue os países que inoculam a um bom ritmo, muitos dos quais estão dobrando suas curvas de covid-19.
Na União Europeia, um terço das pessoas já recebeu pelo menos uma
dose (33%); o dobro que no continente sul-americano (15%), seis vezes mais que
na Ásia (5%) e 20 vezes mais que na África (1,5%).
Como mostra o gráfico acima, os países do norte e
centro da América foram os que avançaram mais depressa no começo, empurrados
sobretudo pelos Estados Unidos, onde metade da população já se vacinou. Mas a
União Europeia é a que avança mais depressa desde abril, quando o fornecimento
de vacina se multiplicou. O ritmo atual significa administrar uma dose a 5% da
população a cada semana.
Não surpreende que os continentes tenham vacinado
virtualmente no ritmo das suas rendas nacionais: com a Europa e América do
Norte à frente da América do Sul, que por sua vez vai mais depressa que a Ásia
e a África. A exceção relevante é a Oceania: nem Austrália nem Nova Zelândia imunizaram
muita gente, embora sejam países ricos, certamente porque conseguiram manter o
vírus quase suprimido (suas mortes por covid-19 neste ano e meio de pandemia
são 490 e 17.000 vezes menos que no Brasil, respectivamente — também por conta
da diferença de grandeza entre os números de suas populações).
O vínculo entre vacinas e riqueza é ainda mais
claro quando olhamos por países. É o que mostra o seguinte gráfico, que
representa o produto interno bruto por habitante (eixo horizontal) e o nível de
vacinação até agora.
Quase todos os países com mais de um milhão de
habitantes que já têm pelo menos 30% da população já vacinada (uma dose pelo
menos) têm um PIB per capita alto, acima dos 20.000 dólares por habitante. As
únicas exceções são Sérvia e Mongólia. E o mesmo ocorre na outra ponta: só há
quatro países pobres (menos de 10.000 dólares de renda per capita) que tenham
podido vacinar 10% ou mais da sua população – Índia, Marrocos, Camboja e El Salvador.
A maior demora na imunização, em países já marcados
por fortes desigualdades internas, tem consequências: “Já estamos vendo na
Índia e no Brasil como o colapso do sistema sanitário afeta o turismo e a economia: assim como não irão turistas,
também as empresas vão pensar mais se é o caso de abrir ou transferir seu
negócio para lá”, explica Jeffrey Lazarus, epidemiologista e pesquisador do
Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal).
Há um punhado de países excepcionais porque
vacinaram pouco embora sejam ricos. É o que acontece com Austrália, Nova
Zelândia, Japão e Coreia do Sul, que têm em
comum seu sucesso — ou sorte — na
contenção do vírus. Um recente estudo na revista The Lancet os
apontava como exemplos, na OCDE, das vantagens de uma estratégia de eliminação
(e não mitigação) da covid-19, em termos sanitários e, também, econômicos.
Vacinação e imunidade de grupo
O primeiro objetivo da vacina é evitar que os
vacinados adoeçam gravemente e morram. Sabemos que a primeira meta está sendo
alcançada: segundo cálculos do grupo de Sistemas Complexos da Universidade
Politécnica da Catalunha, o nível de vacinação na Espanha no final de abril
(25% da população protegida, sobretudo idosos) já deveria bastar para evitar
80% das mortes por covid-19. Mas a vacina também será efetiva em evitar
infecções. Um relatório da saúde britânica estima essa proteção em 70% a 90%
após a segunda dose da Pfizer. Se essas cifras se confirmarem, a pergunta é se
bastam para gerar a almejada imunidade de grupo.
Isso depende de muitas variáveis. Basicamente,
queremos manter um número reprodutivo (R, que estima a velocidade na transmissão) abaixo de um. E esse número depende de vários
componentes. Por um lado, de quantas pessoas estão imunizadas (ou porque
passaram pela doença, ou porque estão vacinadas e evitam a infecção, ou porque não transmitem). Por outro, do contato
entre pessoas, essas interações agora reduzidas, mas que irão aumentando.
Também influencia a probabilidade de transmissão, a propensão a que um contato
acabe em infecção, o que depende por sua vez de outras coisas, como o clima ou
o potencial de transmissão de cada variante.
Essa complexidade dificulta estimar quando se
alcançará a imunidade de grupo, assumindo que ela seja possível. Segundo
cálculos da UPC para a União Europeia, com um nível de contatos como o atual ou
um pouco mais elevado, bastaria vacinar 33% a 50% das pessoas para que o vírus deixe
de se propagar. Mas isso seria mantendo medidas restritivas, ao passo que levar
uma vida normal exigirá mais gente vacinada, possivelmente muito mais.
Os mais vacinados: 40% da população
A seguir, mostramos como a incidência evoluiu em
diferentes países conforme a vacinação avançou. Começamos pelos países que têm
mais população vacinada.
O caso de maior sucesso é Israel. Lá a vacinação coincidiu com um confinamento
rigoroso, e os casos de covid-19 praticamente se reduziram a zero. O avanço da
vacinação também coincide com uma queda nos casos no Reino Unido, EUA, Mongólia
e Chile, que também vacinaram mais de metade das suas populações.
Mas o gráfico também revela que é possível sofrer surtos
severos mesmo tendo muita gente vacinada. É o caso do Uruguai, um país que até novembro se protegeu do vírus com
sucesso e vacinou depressa nos primeiros meses do ano, mas que em meados de
abril registrou focos importantes de transmissão em lugares delicados, como
residências geriátricas. Também no Bahrein, onde a incidência voltou a
recrescer mesmo com 40% da população vacinada. Isto pode ocorrer por
heterogeneidade — se certos grupos sociais não forem imunizados — ou por uma
soma de fatores: se os recém-vacinados aumentam suas interações muito cedo, se
outras restrições são relaxadas, ou se as vacinas não forem todas igualmente
eficazes.
No Chile, os casos também voltaram a
subir em meados de março, quando 30%
das pessoas já tinham recebido pelo menos uma dose. Então as autoridades
reviram sua estratégia, por causa dos sinais de que a Sinovac, a vacina mais
usada até então, precisa de uma segunda injeção num curto intervalo para
oferecer uma proteção sólida (com a primeira ficava em 25 a 30%, frente aos 80%
da Pfizer). Nesta situação, como aponta um estudo, também se produziu um
aumento de contatos que facilitou o repique. Agora, dois meses depois, os
contágios no país voltam a baixar.
Estas cifras recordam o desafio que será retomar a
normalidade, como aponta Lazarus: “Não será fácil continuar crescendo depois de
chegar a 50%. Já estamos vendo que nos EUA há muita gente pouco convencida, e
ainda por cima dispersa em áreas rurais sem a infraestrutura sanitária
necessária; ou que as pessoas mais jovens não achem tão necessário ou urgente
se vacinar, como está ocorrendo no Reino Unido”.
Entre 25% e 40%
O segundo grupo de países que observamos é daqueles
onde um terço da população já recebeu uma dose. São todos países europeus que, além de estarem em níveis semelhantes de
vacinação, estão saindo do inverno, o que supostamente pode ajudar a controlar
o vírus.
América Latina
Para o último gráfico pusemos o foco na América Latina, onde o vírus avançou em ritmos muito diferentes
nos últimos meses. Alguns países do sul da região viram a incidência subir com
a chegada do inverno, como o Chile, a Argentina e o Uruguai. Na América
Central, os registros vêm caindo, com a exceção da Costa Rica, onde estão
recrudescendo.
O continente acrescenta uma variável ao
quebra-cabeça: a extensão das cepas mais
transmissíveis, como a P1 detectada no Brasil e que
depois saltou a muitos países vizinhos. Essa variante parece contagiar com mais
facilidade, embora as vacinas tenham demonstrado eficácia contra ela.
Ter mais gente vacinada ajudará a mitigar o vírus. Mas, enquanto a
vacinação avança, teremos que continuar fazendo equilíbrios: poderemos ir
recuperando contatos e relaxando restrições, mas só num ritmo que permita o
nível de imunização, a transmissibilidade do vírus e sua sazonalidade. O jogo
será mais simples que nos últimos meses, talvez cada vez mais permissivo, mas
continuará sendo um malabarismo pelo menos por um tempo.
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Fonte da reportagem: El País, 22/05/2021
https://brasil.elpais.com/sociedad/2021-05-22/assim-avanca-a-vacinacao-pais-por-pais-rapida-nos-mais-ricos-nem-tanto-nos-mais-pobres.html
Crédito das Imagens:
1. Imagem assinada, divulgada no Facebook
Observação: nesta postagem não foram integrados os gráficos do texto original.
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