Um
de cada três países da América Latina e Caribe está em situação de vulnerabilidade
financeira
EL PAÍS/Brasil
Por: ROCÍO MONTES|IGNACIO FARIZA
A pandemia da covid-19 aprofundou as já enormes desigualdades estruturais da América Latina e do Caribe. Num momento de “elevada incerteza, em que ainda não estão delineadas nem a forma nem a velocidade de saída da crise”, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) calcula que a pobreza extrema, a forma mais intensa de escassez, na qual nem as necessidades básicas são cobertas, terá chegado ao nível mais alto desde 2000. Um em cada oito latino-americanos (12,5%) vive agora nessa situação, mais de um ponto percentual a mais que há um ano, quando a crise de saúde era uma opção remota, e quase cinco pontos a mais que em 2014, quando a cifra atingiu seu ponto histórico mais baixo (7,8% da população). Antes da covid-19, a porcentagem de pessoas nessa situação já vinha crescendo de forma contínua havia cinco anos. O vírus, no entanto, foi a gota d’água para desatar essa preocupante tendência.
As medidas de proteção social de
emergência adotadas em praticamente toda a
região contribuíram para aliviar o duríssimo golpe do coronavírus sobre as
sempre voláteis estruturas econômicas e sociais latino-americanas. Mas não
impediu um aumento igualmente notável da pobreza moderada, que no final de 2020
afetava um em cada três habitantes da região (33,7%), mais de três pontos
percentuais a mais que um ano antes. É preciso voltar a 2006, auge do
“superciclo” das matérias-primas, que permitiu que vários Governos
latino-americanos implementassem uma inédita série de medidas sociais,
possibilitando uma drástica melhora na qualidade de vida para milhões de
pessoas, que ampliaram a base da classe média.
A região da América Latina e Caribe é uma das mais afetadas pelo
coronavírus, tanto em número de casos como de
mortes. Com pouco mais de 8% da população mundial, contabilizava até dezembro
de 2020 quase 20% dos contágios e mais de 25% de mortes em escala global.
Cifras “tremendas”, nas palavras da secretária-executiva do organismo, Alicia Bárcena. A tragédia levou
a uma crise econômica e social sem precedentes, agravada por problemas
históricos como a inequidade (a região continua sendo a mais desigual do
mundo), a informalidade no trabalho (indicador em que também é líder global), a
desproteção social e a vulnerabilidade. Um terreno fértil que amplifica
qualquer choque e seus efeitos negativos sobre as camadas menos favorecidas da
sociedade, como afirma o Panorama Social 2020, apresentado nesta quinta-feira
em Santiago (Chile) pelo braço das Nações Unidas para o desenvolvimento latino-americano.
Com uma curva demográfica que ainda esboça uma
inclinação positiva, em termos absolutos as cifras são ainda mais impactantes.
Segundo a CEPAL, o número total de pessoas pobres chegou a 209 milhões no final
de 2020, 22 milhões a mais que no final do ano anterior. Desse total, 78 milhões
estavam em situação de extrema pobreza, oito milhões a mais que em 2019.
Oito em cada 10 latino-americanos vivem hoje em
situação de vulnerabilidade, com renda equivalente a três ou menos de três
salários mínimos. Todas essas tendências se intensificam nas zonas rurais e nas de maior prevalência de população indígena.
Adeus à ascensão social
A maioria dos países latino-americanos enfrentará
forte deterioração distributiva, um flanco sempre sensível na região: os que
mais sofreram estão sofrendo ou sofrerão as devastações da pandemia serão os que partiram de uma situação pior. “Como sempre, os grandes perdedores são os
pobres”, resumiu a chefa da CEPAL na coletiva em que o relatório foi
apresentado.
A perda de postos de trabalho e a redução de renda serão maiores nas
camadas de renda baixa, assim como no setor informal e na população mais jovem. Já as camadas de renda média sofrerão o sempre
temido processo de mobilidade descendente: retornar ao ponto de partida nunca é
tão rápido quanto ser deslocado dele. O relatório tem uma explicação para esse
fenômeno: na América Latina e no Caribe, as famílias das camadas médias e da
parte superior das camadas baixas não costumam ser destinatárias das políticas
e dos programas de proteção social, e a maior parte de sua renda vem do
trabalho, um dos flancos mais atingidos.
A CEPAL estima que, entre 2019 e
2020, as camadas de baixa renda aumentaram 4,5 pontos percentuais (cerca de 28
milhões de pessoas a mais) e as de renda média se contraíram numa proporção
similar
(-4,1 pontos percentuais, ou seja, 25
milhões de pessoas a menos).
Ao contrário de outras regiões, a porcentagem de
trabalhadores latino-americanos que podem realizar trabalho remoto é muito baixa: para a maior parte dos
empregados, o teletrabalho simplesmente não é uma opção.
“A região já vinha com sete anos de baixo
crescimento”, afirmou Bárcena, um ano após a identificação do “paciente zero”
de coronavírus nesta parte do mundo. “Precisamos de políticas públicas para
enfrentar essa emergência e conectá-la com uma recuperação que seja diferente:
não queremos chegar aonde estávamos, e sim transformar nossa sociedade. E isso
só se faz com políticas públicas.” A urgência em avançar rumo a um verdadeiro
Estado de bem-estar, disse ela, é hoje “maior do que nunca”. Segundo seus
dados, um terço das famílias com crianças ou adolescentes não conta com nenhum tipo de proteção social.
E quase uma em cada três mulheres —sobretudo nas camadas mais pobres da
população— não participa do mercado de trabalho para sustentar sua família, ampliando e aprofundando as diferenças iniciais.
Além de prever que a desigualdade de renda total
por pessoa aumentará com a pandemia, a CEPAL adverte que o vírus ameaça
aprofundar o mal-estar que havia se tornado visível em diversos países da
região antes da crise sanitária. “Abordar os fatores que originam o mal-estar,
avançando rumo a políticas sociais centradas no gozo de direitos, na igualdade,
no reconhecimento e no tratamento digno, juntamente com a construção de acordos
sociais destinados à construção de sociedades mais justas, inclusivas e
coesas, é fundamental para evitar níveis
crescentes de conflito, expressões de violência e crises de representação e
legitimidade democrática que impedem o desempenho econômico”, afirmam os
técnicos da CEPAL.
-------------------------------------------------
Fonte
do artigo:
Imagem de abertura: https://www.brasil247.com/mundo/um-de-cada-tres-paises-da-america-latina-e-caribe-esta-em-situacao-de-vulnerabilidade-financeira
Nenhum comentário :
Deixe seu comentário: