MOBILIZAÇÃO NACIONAL pelos direitos
dos povos INDÍGENAs do
brasil
Num
contexto em que ataques do Governo Federal ameaçam os direitos indígenas e, no
legislativo, projetos e bancadas contrários aos povos indígenas se sobressaem,
os olhares e as esperanças de garantir que os direitos constitucionais dos
povos originários não sejam desfigurados se voltam ao Supremo Tribunal Federal
(STF).
Por outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas.
Histórico
Em
2019, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE)
1.017.365, caso que discute uma reintegração de posse movida contra o povo
Xokleng, em Santa Catarina. Isso significa que a decisão tomada neste
julgamento terá consequências para todos os povos indígenas do Brasil.
A
Suprema Corte poderá, assim, dar uma solução definitiva aos conflitos
envolvendo terras indígenas no país e garantir um respiro às comunidades que se
encontram, atualmente, pressionadas por poderosos setores econômicos.
Junto
ao mérito processo de repercussão geral que discutirá a demarcação de terras
indígenas no Brasil, a Corte Suprema discutirá se mantém ou não a medida
cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin, em maio deste ano, que suspendeu
os efeitos do Parecer 001/2017 da AGU, instrumento usado para institucionalizar o marco
temporal como norma no âmbito dos procedimentos administrativos de demarcação.
Pelo menos 27 terras indígenas tiveram seus processos de demarcação devolvidos da Casa Civil e do Ministério da Justiça para a Funai com base no Parecer 001. A medida cautelar é um procedimento usado pelo Judiciário para prevenir, conservar ou defender direitos.
Também
no âmbito do processo de repercussão geral, do qual é relator, o Ministro Fachin suspendeu
todos os processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação
de demarcações de terras indígenas até o final da pandemia de Covid-19.
Entenda
o que se discutirá e o que está em jogo neste julgamento.
O
Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365,
que tramita no STF, é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto
do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio
(Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada – e já
identificada – como parte de seu território tradicional.
A
terra em disputa, onde vivem também indígenas dos povos Guarani e Kaingang, é
parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX. Os
indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos
estudos antropológicos da Funai e declarada pelo Ministério da Justiça como
parte da sua terra tradicional.
Por
que esse julgamento é central para o futuro dos povos indígenas no Brasil?
Em
decisão publicada no dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu
por unanimidade a repercussão geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso
significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese de referência
a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do
judiciário.
Há
muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre terras
tradicionais, que se encontram atualmente judicializados. Também há muitas
medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos
constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF
reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.
Quando
ocorrerá o julgamento?
Atualmente,
o julgamento não possui data prevista para iniciar. Havia sido incluído
na pauta do dia 28 de outubro de 2020 pelo presidente da Corte, o ministro Luiz
Fux, mas foi retirado no dia 22.
Durante
o julgamento, cada uma das partes deverá ter 15 minutos para se manifestar.
Além delas, os amici curiae ou “amigos da corte” terão, ao
todo, uma hora para sustentação oral – tempo que deverá ser dividido entre
aqueles que tiverem interesse em se manifestar, com 30 minutos para que os que
se posicionam a favor dos direitos indígenas e 30 minutos para os que defendem
restringi-los.
O que está em jogo?
No limite, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra.
Há, em síntese,
duas teses principais que se encontram atualmente em disputa: de um lado, a
chamada “teoria do indigenato”, uma tradição legislativa que vem desde o período
colonial e que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como
um direito originário – ou seja, anterior ao próprio Estado. A Constituição
Federal de 1988 segue essa tradição e garante aos indígenas “os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
Do outro lado, há uma proposta mais restritiva, que pretende limitar os direitos dos povos indígenas às suas terras ao reinterpretar a Constituição com base na tese do chamado “marco temporal”. Há ainda a possibilidade de reavaliação das chamadas “salvaguardas institucionais”, conhecidas como “condicionantes”, fixadas, em 2009, no julgamento do caso Raposa Serra do Sol e que igualmente restringem a posse e o uso fruto exclusivos dos povos indígenas sobre suas terras.
O
que é marco temporal?
O
marco temporal é uma tese que busca restringir dos direitos constitucionais dos
povos indígenas. Nessa interpretação, defendida por ruralistas e setores
interessados na exploração das terras tradicionais, os povos indígenas só
teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de
outubro de 1988, ou que, naquela data, estivessem sob disputa física ou
judicial comprovada.
Na
avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério
Público Federal (MPF), essa é uma tese perversa, pois legaliza e legitima as
violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de
1988, em especial durante a Ditadura Militar.
Além
disso, essa posição ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram
tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por
seus direitos. Por tudo isso, os povos indígenas vêm dizendo, em manifestações
e mobilizações: “Nossa história não começa em 1988”.
Que
consequências esse julgamento pode ter para os povos indígenas?
Caso
o STF reafirme o caráter originário dos direitos indígenas e, portanto, rechace
definitivamente a tese do marco temporal, centenas de conflitos em todo o país
terão o caminho aberto para sua solução, assim como dezenas de processos
judiciais poderão ser imediatamente resolvidos.
As
310 terras indígenas que estão estagnadas em alguma etapa do processo de
demarcação já não teriam, em tese, nenhum impedimento para que seus processos
administrativos fossem concluídos.
Por
outro lado, caso o STF opte pela tese anti-indígena do marco temporal, acabará
por legalizar o esbulho e as violações ocorridas no passado contra os povos
originários. Nesse caso, pode-se prever uma enxurrada de outras decisões
anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões
pacificadas e o acirramento dos conflitos em áreas já deflagradas.
Esta
decisão poderia incentivar, ainda, um novo processo de invasão e esbulho
possessório a terras demarcadas – situação que já está em curso em várias
regiões do país, especialmente na Amazônia.
Além
disso, há referências de povos indígenas isolados ainda não reconhecidas pelo
Estado, ou seja, ainda em estudo – um procedimento demorado, em função da
política de não contato. Se o marco temporal de 1988 for aprovado, muitas
terras de povos isolados não serão reconhecidas, pois sequer sabemos onde eles
estão.
Há
outros casos, como o do povo Kawahiva, em que a comprovação da existência desse
povo isolado se deu, para o Estado brasileiro, em 1999, ou seja, muito depois
de 1988. Como vai ficar a situação desses povos? Ademais, não é possível
contatá-los para saber se já estavam lá em 1988.
Os
povos indígenas participarão do julgamento?
O
relator do caso, ministro Edson Fachin, defendeu a ampla participação de todos
os setores interessados no tema, dada a importância da matéria. Tal
participação se dará a partir da figura do amicus curiae –
termo em latim que significa “amigo da corte” e que permite que pessoas,
entidades ou órgãos com interesse e conhecimento sobre o tema contribuam
subsidiando o tribunal com informações. Quase 40 amici curiae foram admitidos e estão habilitados a
contribuir no processo – entre eles, muitas comunidades e organizações
indígenas.
Além disso, a própria comunidade Xokleng também é parte no processo, tendo em vista que é diretamente afetada por ele. Usufruindo do direito de acesso à Justiça que foi assegurado aos povos indígenas pela Constituição de 1988, o povo Xokleng também se manifestará no julgamento.
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Fonte da informação:
https://cimi.org.br/2020/10/entenda-repercussao-geral-stf-futuro-terras-indigenas/
Imagem - Ato em defesa dos direitos indígenas em frente ao STF, em 2017 - Foto: Apib
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