Foto: Brasil de Fato/Leonardo de França
Há dias atrás (12/10/2020) os Movimentos Populares “do campo e da cidade, das águas e das florestas” reuniram-se para celebrar a abertura da Semana Nacional da Alimentação. A grande jornada “buscava expor a volta à Fome no Brasil, o aumento nos preços dos alimentos e os vetos do Governo Federal ao Projeto de Lei 735”. Os Movimentos também visam realizar “uma série de ações para denunciar o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e apontar saídas para a insegurança alimentar” no Brasil.
Segue
abaixo uma reportagem do Brasil
de Fato sobre o assunto, ilustrada com dados recentes do IBGE sobre a situação da Fome no nosso país, com base em levantamento realizado em 2017/2018 e publicado em setembro/2020.
-------------------------------------------------------------
Brasil de Fato - Ao abrir as falas da jornada, Adília
Nogueira, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD),
destacou que o modelo atual de produção e distribuição de alimentos só serve às
grandes corporações, e não ao povo.
“A
gente está querendo questionar o modelo, esse sistema da insegurança alimentar
que estamos vivendo. A alimentação que nos chega nas cidades, pela lógica do
mercado, vem trazendo para gente muitas doenças, e não a saúde, que é o que a
gente busca”, disse.
Ela
ressaltou que a luta pela segurança alimentar tem que ser de toda a população,
fomentada por movimentos populares. “A luta pelo direito à alimentação não pode
ser uma luta pontual ou corporativa. A luta pelo direito à alimentação adequada
é uma luta anti-imperialista. Não é só uma disputa econômica, mas também uma
disputa ideológica”.
A
alimentação que nos chega nas cidades - afirmou - pela lógica do mercado, vem
trazendo para gente muitas doenças.
Selma
Dealdina,
da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas -Conaq, culpou Bolsonaro pela ampliação da fome no país nos
últimos anos. “As pessoas estão com fome. É uma situação que a gente não
imaginava que voltaria com tanta rapidez”, lamentou.
Ela
exaltou o papel da solidariedade na luta contra a desnutrição. “Na ponta, as
famílias continuam passando necessidade, mas, na ponta, é a solidariedade que
está salvando e que está levando comida e conforto a muitas famílias”.
Para
Célia Xákriabá, do Movimento Indígena Brasileiro, a
solução para a fome no Brasil passa, antes, pela manutenção de territórios.
“Não existe soberania alimentar se não existir a liberdade dos nossos
territórios. Não existe democracia se não tiver território indígena demarcado.
Não existe autonomia alimentar se não existir a redemocratização do uso da
terra”, afirmou.
João
Pedro Stedile,
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, lembrou que, além
da fome, há uma grande desnutrição entre os brasileiros, gerada principalmente
pelos interesses do lucro. “Tem muita gente que come, porém não se alimenta com
os nutrientes necessários para ter uma saúde, uma vida boa. Temos que romper
com a opressão dos alimentos ultraprocessados, que não são alimentos, são
apenas mercadorias”.
Stedile
defende políticas voltadas aos trabalhadores para superar a insegurança
alimentar. “A política necessária para o povo acessar comida, em primeiro
lugar, é ter emprego e renda. É o emprego e renda para os trabalhadores que
moram na cidade que lhe dá segurança para não passar fome e lhe dá dignidade de
escolher o que ele quer comer”.
-----------------------------------------------------------
Para
se entender melhor a realidade que estimula a manifestação dos Movimento
Populares, trazemos aqui o que nos informa recente boletim do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sobre a Insegurança
Alimentar Grave no Brasil.
Mais da metade dos domicílios com insegurança alimentar grave eram chefiados por mulheres - Foto: Tony Winston/Agência Brasília
POF 2017-2018
10,3 milhões de pessoas moram em domicílios com insegurança alimentar grave
Editoria: Estatísticas Sociais | Umberlândia Cabral | Arte: Brisa Gil
Resumo:
· 10,3 milhões de pessoas viviam em
domicílios em que houve privação severa de alimentos ao menos em alguns
momentos em 2017-2018.
· Dos 68,9 milhões de domicílios no
Brasil, 36,7% estavam com algum grau de insegurança alimentar, atingindo 84,9
milhões de pessoas.
· A prevalência nacional de segurança
alimentar caiu para 63,3%, em 2017-2018, alcançando seu patamar mais baixo.
· Metade das crianças menores de cinco
anos do país (ou 6,5 milhões de crianças nessa faixa etária) viviam em
domicílios com algum grau de insegurança alimentar.
· Menos da metade dos domicílios do
Norte (43,0%) e Nordeste (49,7%) tinham acesso pleno e regular aos alimentos.
· Dos 3,1 milhões de domicílios com
insegurança alimentar grave no Brasil, 1,3 milhão estava no Nordeste.
· Mais da metade dos domicílios com
insegurança alimentar grave eram chefiados por mulheres.
· Os domicílios com pessoa de
referência autodeclarada parda representavam 36,9% dos domicílios com segurança
alimentar, mas ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar.
A insegurança alimentar grave esteve presente no lar de 10,3 milhões de pessoas ao menos em alguns momentos entre 2017 e 2018. Dos 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7% estavam com algum nível de insegurança alimentar, atingindo, ao todo, 84,9 milhões de pessoas. É o que retrata a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil, divulgada em 17/09/2020 pelo IBGE.
Na comparação com 2013, a última vez
em que o tema foi investigado pelo IBGE, na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), a prevalência de insegurança quanto ao acesso aos alimentos
aumentou 62,4% nos lares do Brasil. A insegurança vinha diminuindo ao longo dos
anos, desde 2004, quando aparecia em 34,9% dos lares, 30,2% na PNAD 2009 e
22,6% na PNAD 2013. Mas em 2017-2018, houve uma piora, subindo para 36,7%, o
equivalente a 25,3 milhões de domicílios. Com isso, a segurança alimentar
atingiu seu patamar mais baixo (63,3%) desde a primeira vez em que os dados
foram levantados. Já a insegurança alimentar leve atingiu seu ponto mais
elevado.
“Em 2017-2018, a gente viu que esse
grau de segurança alimentar diminuiu e, como é tudo proporcional, significa
também que as inseguranças aumentaram. Há uma distribuição. Alguma coisa nesse
intervalo de tempo fez com que as pessoas reavaliassem sua visão sobre o acesso
aos alimentos, apontando uma maior restrição ou, pelo menos, a estratégia de
selecionar ou administrar alimentos para que não falte quantidade para
ninguém”, explica o gerente da pesquisa, André Martins.
A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), aplicada na POF, classifica os domicílios de acordo com seu nível de segurança quanto ao acesso aos alimentos em quantidade e qualidade.
Em 2017-2018, eram 43,6 milhões de
domicílios brasileiros que tinham segurança alimentar. “São domicílios que têm
acesso pleno e regular aos alimentos em quantidade suficiente sem comprometer o
acesso de outras necessidades essenciais, ou seja, que não têm preocupação em
relação ao acesso aos alimentos”, afirma André.
Em relação à insegurança alimentar,
os domicílios podem ser classificados em três níveis: leve, moderado e grave.
Um domicílio é classificado com insegurança leve quando aparece preocupação com
acesso aos alimentos no futuro e a qualidade da alimentação já está
comprometida. Nesse contexto, os moradores já assumem estratégias para manter
uma quantidade mínima de alimentos disponíveis. Trocar um alimento por outro
que esteja mais barato, por exemplo. No segundo nível, de insegurança moderada,
os moradores já têm uma quantidade restrita de alimentos. A insegurança grave
aparece quando os moradores passaram por privação severa no consumo de
alimentos, podendo chegar à fome.
A pesquisa aponta que pelo menos
metade das crianças menores de cinco anos viviam em lares com algum grau de
insegurança alimentar. São 6,5 milhões de crianças vivendo sob essas condições.
Em 2017-2018, 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas com
idade entre 5 e 17 anos viviam em domicílios com insegurança alimentar grave.
Há a indicação, portanto, de maior vulnerabilidade à restrição alimentar nas casas
em que há crianças ou adolescentes.
“Quando um domicílio tem insegurança
alimentar grave, há uma restrição maior de acesso aos alimentos, com uma
redução da quantidade consumida para todos os moradores, inclusive crianças,
quando presentes. E nesses lares pode ter ocorrido a fome, situação em que pelo
menos alguém ficou o dia inteiro sem comer um alimento”, diz o pesquisador.
O nível de maior restrição no acesso
a esses alimentos também aparece com mais frequência nos domicílios localizados
na área rural do Brasil. A proporção de insegurança alimentar grave foi de 7,1%
nessas localidades, três pontos percentuais acima do observado na área urbana
(4,1%).
“Isso está muito associado às condições de trabalho. Ou seja, as pessoas que estão nos meios urbanos conseguem mais alternativas. Essas diferenças surgem por facilidade no acesso tanto a alimentos quanto às oportunidades. No meio urbano você consegue adotar estratégias de um jeito mais fácil que no meio rural”, explica o pesquisador.
Insegurança
alimentar grave continua mais presente no Norte e Nordeste
A insegurança alimentar aparece de
forma desigual entre as regiões. O Norte e o Nordeste ficaram abaixo da média
nacional: menos da metade de seus domicílios tinham segurança alimentar. Essa
desigualdade já havia aparecido nas pesquisas de 2004, 2009 e 2013.
O cenário da insegurança
alimentar é mais frequente nas duas regiões. Dos 3,1 milhões de domicílios com
insegurança grave no país, 1,3 milhão estava no Nordeste, o que equivale a 7,1%
dos lares. A forma mais restrita de acesso aos alimentos atingiu 10,2% dos
domicílios no Norte (508 mil).
Assim como aconteceu no cenário
nacional, a segurança alimentar dessas regiões vinha aumentando desde 2004, mas
regrediu em 2017-2018. Em 2004, a segurança alimentar estava presente em 53,4%
dos domicílios do Norte e chegou ao seu ponto mais elevado em 2013 (63,9%), mas
caiu para 43% na última pesquisa. Em 2004, 46,4% dos domicílios do Nordeste
estavam em situação de segurança alimentar, atingindo 61,9% em 2013 e caindo
para 49,7% em 2017-2018.
As demais regiões superaram a média
nacional: Centro-Oeste (64,8%), Sudeste (68,8%) e Sul (79,3%). Apesar disso,
elas também atingiram o menor percentual de segurança alimentar desde que os
dados começaram a ser levantados.
Alimentos
básicos têm maior peso no orçamento dos domicílios com insegurança alimentar
À medida que aumentam os níveis de
severidade da insegurança alimentar, a participação percentual das despesas com
alimentação também vai crescendo. Nos lares em que há segurança alimentar, o
percentual mensal das despesas com alimentos foi de 16,3% em relação ao resto
das despesas de consumo. Já nos domicílios com insegurança grave, esse
percentual era de 23,4%.
As
despesas com alimentação, representavam 14,2% da despesa total e 17,5% das
despesas de consumo das famílias do país. A pesquisa agora aponta que a maioria
dos gastos entre os grupos de alimentos diminui à medida que aumentam os níveis
de insegurança alimentar. Ou seja, pessoas que têm maior restrição no acesso ao
consumo de alimentos gastam menos com determinados produtos, como frutas,
carnes e laticínios.
O gasto médio mensal familiar com
carnes, vísceras e pescados em domicílios em situação de segurança alimentar,
por exemplo, foi de R$94,98, ao passo que essa despesa foi de R$65,12 entre as
famílias em que há privação mais severa de consumo de alimentos. Por outro
lado, o gasto com alimentos mais básicos, como arroz, feijão, aves e ovos é
maior entre o grupo de insegurança alimentar grave. A maior diferença foi
observada em relação ao arroz: o gasto médio mensal dos domicílios em segurança
alimentar foi de R$11,32, enquanto nos de insegurança alimentar grave foi de
R$15,01.
“Além de o alimento ter uma
importância maior dentro dos gastos, essas famílias têm um padrão de consumo
diferente. Nele você vê que a importância de cereais e leguminosas é grande nas
famílias com insegurança alimentar, tanto em termos de gastos quanto em termos
de quantidade”, destaca José Mauro de Freitas, técnico da equipe da POF.
Mais da
metade dos domicílios com insegurança alimentar grave são chefiados por
mulheres
O homem é a pessoa de referência em
61,4% dos domicílios em situação de segurança alimentar. Já nos domicílios em
condição de insegurança alimentar grave predominam as mulheres (51,9%).
“Há vários estudos que tratam dessa
situação. Fatores como a condição de acesso ao trabalho acabam gerando menos
renda e mais dificuldade no orçamento doméstico, fazendo com que os domicílios
fiquem mais propensos à insegurança alimentar”, explica André.
Na análise por cor ou raça, os domicílios em que a pessoa de referência era autodeclarada parda representavam 36,9% daqueles com segurança alimentar, mas ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar (50,7% para leve, 56,6% para moderada e 58,1% para grave). Já em 15,8% do total de domicílios com insegurança alimentar grave, a pessoa de referência era autodeclarada preta. Nos domicílios com segurança alimentar, esse percentual é 10%.
---------------------------------------------
Fonte artigo Brasil 247
Publicado em 13/08/2020
Fonte artigo IBGE sobre a
Segurança Alimentar
Publicado em 17/09/2020
Nota - As imagens publicadas nesta postagem pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas e deseja retirá-la, por favor envie-nos um comentário.
Querida Vanise,
ResponderExcluirInformações e dados super válidos para compreender o tamanho dos desafios brasileiros (e mundiais). E excelente organização de dados e posicionamentos.