Por: José Ambrósio dos Santos*
As declarações do presidente Jair
Bolsonaro na Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) apontando
índios e caboclos como responsáveis por parte das queimadas que fazem a
Amazônia arder, no dia 22 de setembro, não denotam ignorância. Pelo contrário,
explicitam ‘a atenção’ que o governo dá à região e aos ‘guardiões’ das
florestas, vistos pelo mandatário como predadores.
Artigo publicado em O Globo assinado
por Lucia Helena Rangel, que é antropóloga, professora da PUC/SP e assessora do
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e Roberto Antonio Liebgott,
coordenador do Cimi Regional Sul, no qual analisam o recém-lançado relatório
“Violência contra os povos indígenas no Brasil”, do Cimi, destaca que o ano de
2019, o primeiro sob a presidência de Bolsonaro, registrou um crescimento
inédito das invasões e danos ao patrimônio indígena: foram 256 casos, 135% a mais
do que no ano anterior.
Afirmam que a violência e as
violações contra os povos indígenas no Brasil são práticas sistemáticas. “Elas
formam a base sobre a qual, desde 1964, projetos desenvolvimentistas avançaram,
ao custo de expropriações forçadas, redução ou eliminação de territórios,
epidemias induzidas e assassinatos de lideranças. Nos últimos anos, porém,
temos assistido a uma escalada sem precedentes nos ataques aos territórios,
inclusive com a venda de lotes de terra em áreas demarcadas.”
Os representantes do Cimi destacam
que em 2019 e até setembro de 2020 não só nenhuma demarcação foi concluída,
como, ao contrário, processos em estágio avançado retrocederam. Esta situação,
observam, intensifica os conflitos em locais como o Mato Grosso do Sul, onde comunidades
“vivem em verdadeiros campos de concentração, em acampamentos de beira de
estrada ou em áreas degradadas.” Segundo eles, tanto a morosidade nas
demarcações quanto a omissão frente aos ataques são produto de ações
governamentais explícitas — como o desmonte dos órgãos de fiscalização. “Refletem,
ainda, as posições expressas pelo presidente da República, que desde a campanha
eleitoral afirma que não demarcará um centímetro de terra indígena.”
O Cimi começou a registrar
regularmente as violências cometidas contra os povos originários na década de
1980. Desde então, utiliza estas informações em defesa dessas comunidades,
fazendo denúncias a organismos nacionais e internacionais. Os representantes do
Cimi registram que a cada publicação, percebe-se que as violências têm sido uma
constante invariável, “praticadas por agentes ávidos pela destruição e
apropriação dos recursos naturais em nome do lucro e de uma racionalidade
econômica desenvolvimentista, que considera um atraso o desejo de trabalhar a
terra em consonância com as necessidades familiares e com a transcendência que
une matéria, espírito e cosmos.”
Eles reforçam que as violências
contra os indígenas se caracterizam pela desqualificação destes povos como
sujeitos de direitos, pela desvalorização das suas formas de produção —
reativando os estereótipos de improdutivos, indolentes e obsoletos — e pela
desumanização da pessoa indígena, historicamente considerada um “estorvo” para
o progresso. “Essa compreensão resulta em variadas formas de agressão, passando
por racismo, negligência, ameaças e assassinatos.”
Lucia Helena Rangel e Roberto Antonio Liebgot dizem ainda que com a Constituição
Federal de 1988 esperava-se que fossem implementadas políticas de respeito aos
povos originários e seus territórios, já que os artigos 231 e 232
preveem a demarcação, proteção e fiscalização das terras indígenas e reconhecem
esses povos como sujeitos de direitos em suas culturas, crenças e tradições. E
advertem que a recente intensificação das violências “precisa ser entendida
a partir dessa lógica estatal que remete à ditadura militar, quando se
propagava a integração ou o extermínio dos povos indígenas do país.”
Essa devastação desenfreada já era
denunciada por Vital Farias na década de 1980 em sua composição Saga da Amazônia.
A devastação é alertada já no início:
Era uma vez na Amazônia a mais bonita
floresta
Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
No fundo d’água as Iaras, caboclo lendas e mágoas
E os rios puxando as águas
Mas aí veio caipora de fora para a
mata definhar. (…)
O que se corta em segundos gasta
tempo prá vingar
E o fruto que dá no cacho prá gente se alimentar?
Depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar
Igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar
A Amazônia e o Pantanal pedem socorro.
Não há tempo a perder.
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*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de letras.
Fonte do artigo:
https://falouedisse.blog.br/?p=4203
Publicado em 6/10/2020
Foto destaque: Denisa Sterbova/Cimi – A comunidade Huni Kuī do Centro Huwá Karu
Yuxibu, em Rio Branco, no Acre, teve 100 de seus 200 hectares queimados em 2019
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