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O DESAFIO DA COMUNICAÇÃO PARA A MUDANÇA

17 janeiro, 2020

Em dezembro passado publicamos um excelente texto escrito por Herbert de Souza, o Betinho* – um dos grandes ativistas defensores da democracia brasileira no período da ditadura militar em nosso país. Seu texto fala da importância da cultura para a construção da democracia brasileira.

Hoje nos deparamos com uma assustadora informação que nos chocou profundamente: o Secretário do Ministério da Cultura – Roberto Alvim – tratou de apropriar-se da tradução literal de uma decrépita prática da ditadura nazista de anos atrás, apresentando-a em vídeo como uma orientação de sua pasta para a comunicação no país. 
    
     Vejamos o que informa o jornal El País:

    "Ao som de Richard Wagner, o compositor favorito de Adolf Hitler, o secretário de Cultura do Governo, Roberto Alvim, plagiou em pronunciamento que foi ao ar nas redes sociais trechos de um discurso do ministro da Propaganda do führer nazista, Joseph Goebbels. “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa (...) ou então não será nada”, diz Alvim no vídeo. O líder nazista havia dito: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa (...) ou então não será nada”. O caso suscitou revolta nas redes sociais e a manifestação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Supremo, Dias Toffoli. A Confederação Israelita do Brasil considerou “inaceitável” o uso do discurso. No início da tarde desta sexta, o Governo demitiu o secretário, alegando que o pronunciamento “tornou insustentável” sua permanência”.

Há novos ventos distantes e bem diferentes, a serem observados. No governo  do Estado do Vaticano, o Papa Francisco vem atuando como lhe é possível, no intuito de acompanhar os dias atuais. Apesar do  engessamento dos seus ministérios (a chamada Cúria Romana) Francisco propôs recentes mudanças  organizacionais, a partir de 2020.

No dia 23/12/2019, o Papa fez um discurso dirigido ao corpo cardinalício da Cúria Romana. Coube a ele apresentar as propostas de mudança na prática de governança da Cúria. Na sua fala, referindo-se a cada pasta, o papa insistiu na importância da comunicação, e sugere aos Ministérios Vaticanos – ditos “dicastérios” – mudanças no modo como a comunidade eclesial deveria se comunicar com o mundo de hoje. 

Suas atitudes e palavras buscam identificar e iluminar critérios para dialogar, formular, produzir e divulgar informações nos moldes de comunicação da era digital e imagética. O modo de governar de Francisco, em diálogo com os responsáveis dos dicastérios, poderiam também servir aos políticos de boa vontade que se preparam para as próximas eleições no Brasil. O Papa nos mostra a urgente necessidade de se conhecer, de fato e na prática, os clamores das populações locais, para que se possa ir em busca de respostas, criando políticas  e programas efetivos e eficazes de governo.  

Estamos a viver, não simplesmente uma época de mudanças, mas uma mudança de época. As mudanças já não são lineares, mas de época; constituem opções que transformam rapidamente o modo de viver, de se relacionar, de comunicar e elaborar o pensamento, de comunicar entre as gerações humanas e de compreender e viver a fé e a ciência”.

“Obviamente, não se trata de procurar a mudança por si mesma nem de seguir as modas, mas de ter a convicção de que o desenvolvimento e o crescimento são a caraterística da vida terrena e humana, enquanto no centro de tudo, segundo a perspectiva do crente, está a estabilidade de Deus.” (*)
   
Falando sobre a tarefa do recém-criado Dicastério para a Comunicação, o papa enfatiza:  “A perspectiva que se nos depara é a da mudança de época, pois ‘largas faixas da humanidade vivem mergulhadas no ambiente digital de maneira ordinária e contínua.’ Já não se trata apenas de ‘usar’ instrumentos de comunicação, mas de viver numa cultura amplamente digitalizada que tem impactos muito profundos na noção de tempo e espaço, na percepção de si mesmo, dos outros e do mundo, na maneira de comunicar, aprender, obter informações, entrar em relação com os outros. Uma abordagem da realidade que tende privilegiar a imagem com relação à escuta e à leitura, influenciando o modo de aprender e o desenvolvimento do sentido crítico". (Francisco - Exortação Apostólica pós-sinodal Christus vivit, 86).

Mas Francisco, ao buscar conhecer a realidade usa o discernimento. “Aqui é necessário advertir contra a tentação de assumir a atitude da rigidez - ele insiste. Esta nasce do medo da mudança e acaba por disseminar estacas e obstáculos pelo terreno do bem comum, tornando-o um campo minado de incomunicabilidade e ódio. 

Lembremo-nos sempre de que, por trás de qualquer rigidez, jaz um desequilíbrio. A rigidez e o desequilíbrio nutrem-se, mutuamente, num círculo vicioso. E hoje essa tentação da rigidez tornou-se muito atual”.

Voltando à questão da “cultura”, retorno ao artigo de Betinho, como oferta de clareza e de conhecimento de causa das dificuldades a serem enfrentadas em governos autoritários, como acontecia e volta a acontecer agora, em nosso país. O seu é um texto incisivo e ao mesmo tempo poético, cheio de fé, e carregado da vontade de enfrentamento e mudança. Muitos, como ele, se inscreviam no mundo cultural daquele período da ditadura militar.

A cultura está entre nós, sempre - afirma Betinho. É no campo da consciência que o mundo se faz ou se desfaz, é nesse universo da imagem, do som, da ação, da ideia. Tudo se resolve na criação. É na invenção que o tempo volta atrás e o atrás vai para frente. É onde o homem vira bicho, bicho conversa com gente. É onde eu sou Guimarães e você é Rosa. É onde fica como dantes ou tudo muda num átimo. É onde você se entrega de mãos amarradas ou se rebela de faca no dente. É onde o silêncio vira pedra ou o grito rompe tudo e esparrama vida por todos os poros. E onde o risco chora e o choro é o começo da cura. 

Foi o mundo da cultura que primeiro aceitou o desafio de mudar. De criar um outro Brasil. Sem pobreza e sem a arrogância dos ricos. 

Um Brasil totalmente simples, mas radicalmente humano. Um Brasil onde todos comam todos os dias, trabalhem, ganhem salários, voltem para casa e possam rir, beijar a mulher que ama, a filha que emociona, abraçar o amigo na esquina, se ver no espelho sem chorar pelo que não realizou”.

Inspirados nas palavras de Betinho, precisamos continuar sonhando e agindo, a fim de contribuir - como cidadãos e como políticos - em colaboração e de forma cooperante, na necessária e incessante caminhada de reconstrução da democracia em nosso país.  

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 (*) Numa das suas orações, o cardeal Newman afirmava: «Não há nada de estável fora de Vós, ó meu Deus. Vós sois o centro e a vida de todos aqueles que mudam, que confiam em Vós como seu Pai, que levantam os olhos para 
Vós e que são felizes por se colocarem nas vossas mãos. Eu sei, meu Deus, 
que devo mudar, se quiser ver o vosso rosto» (Meditazioni e preghiere, ed. 
G. Velocci, Milão 2002, p. 112).

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Fonte das informações, no corpo do texto:

www.vaniserezende.com.br – dezembro, 2019.


Crédito das Imagens

1. Recorte da imagem do vídeo do Sr. Roberto Alvim divulgada pela TVT.

2. Richard Wagner - reprodução:
http://www.terra.com.br/noticias/educacao/historia-richard-wagner-o-revolucionario.

3. Jesus em missão - obra de Adolfo Perez Esquivel - Prêmio Nobel da Paz - www.adplfoperezesquivel.org

4. Papa Francisco - O Pastor - www.centraldenoticias.radio.br

5. Cantadores de Viola - talha de JBorges 


Nota: As imagens aqui postadas pertencem aos seus respectivos autores. Se algum deles não estiver de acordo com a sua reprodução neste espaço, por favor comunique-se conosco, fazendo um comentário nesta postagem. 


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