O que explica o aumento da pobreza extrema
no Brasil?
Apesar de alta do PIB e
inflação baixa, pobreza extrema avançou 11,2% no país, atingindo quase 15
milhões de pessoas. Economistas apontam expansão modesta da economia e situação
fiscal do governo, como raízes do problema.
Por: G1.globo.com
O número de brasileiros em
situação de extrema pobreza aumentou 11,2% de 2016 para o ano passado (2017). É
o que apontam dados levantados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad Contínua) do IBGE, divulgados em abril de 2018.
Em
2015, crise empurrou 4,1 milhões de brasileiros para a faixa de pobreza.
De acordo com o estudo, da LCA
Consultores, mais de 14 milhões de pessoas viviam com até R$ 136 mensais em
2017. Esse é um valor tido como linha de corte, adotada pelo Banco Mundial para
países de desenvolvimento médio-alto e seguida pelos pesquisadores.
Em relação a 2016, a situação de extrema pobreza, no país, aumentou para 1,49 milhão de pessoas.
Tais dados contrastam com os
indicadores macroeconômicos. Após dois anos de retração, o Produto Interno
Bruto (PIB) do país cresceu 1% em 2017, enquanto a inflação oficial fechou o
ano em 2,95%, a menor taxa desde 1998.
O que explicaria, a
piora na renda de brasileiros que já vivem com pouco?
De acordo com economistas de
diferentes correntes ouvidos pela DW Brasil, a análise do tema passa,
necessariamente, pela taxa de desemprego.
No ano passado (2017), a
desocupação média ficou em 12,7%. A maior taxa registrada desde 2012.
Bruno Ottoni, pesquisador
associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV
IBRE) e do IDados, recorre à evolução demográfica da população brasileira para
detalhar a trajetória negativa tanto da
renda quanto do desemprego, apesar do crescimento econômico.
"O
Brasil ainda passa por um bônus demográfico. Ou seja, há um número expressivo
de pessoas entrando na força de trabalho anualmente. Para que se consiga
absorver bem a entrada delas no mercado de trabalho, sem aumento do desemprego,
é necessário um crescimento bem expressivo do PIB. Não foi o caso", diz.
"Não necessariamente o
aumento do PIB implica na redução de pobreza. Você pode ter um aumento do PIB puxado pelas classes mais ricas,
mantendo as classes mais pobres no mesmo patamar", comenta o
pesquisador.
Marcio Pochmann, professor da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que é necessário analisar
o que alavancou o crescimento do PIB entre 2016 e 2017 para que se entenda o
aumento da pobreza extrema no Brasil.
"Essa evolução (do crescimento do PIB = Produto Interno Bruto), no Brasil, resultou de
uma expansão de 13% da agropecuária, um setor com pouco impacto no emprego e
renda".
"A indústria não cresceu, e os serviços variaram 0,3%.
Comparativamente,
tivemos uma redução do crédito nesse período, que é fundamental para qualquer
recuperação econômica e expansão", aponta. "O que expandiu foi o
consumo das famílias, por conta de medidas heterodoxas tomadas pelo governo
(liberação do FGTS), apesar de sua orientação ortodoxa."
"Uma coisa é renda, outra é despesa"
Com relação à taxa de
inflação, Ottoni aponta que a essa redução (da taxa da inflação), não tem como consequência natural um
aumento de renda, mas a melhoria do poder de compra da população,
independentemente de sua condição econômica.
E explica: "Uma coisa é renda,
outra é despesa.
O aumento da pobreza reflete uma queda do primeiro fator. A
inflação baixa significa que, apesar de terem ficado extremamente pobres, essas
pessoas não tiveram tanta perda do poder de compra com aquele dinheiro que
ganhavam", explica.
"A inflação baixa não vai colocar ou tirar a
pessoa da extrema pobreza, mas pode ajudar na vida que essa pessoa leva,
evitando que perca tanto na capacidade de consumo."
Pochmann
endossa esse argumento (do pesquisador do FGV) e diz que a inflação baixa pode sinalizar uma fraqueza da economia.
"Como
não há reativação do consumo e da atividade, a tendência é haver taxas de
lucros menores e, portanto, os empresários não repassam o aumento de custos
para os preços", afirma.
Ao mesmo tempo,
a alimentação tem apresentado uma
trajetória de queda, relacionada à melhora da agricultura brasileira.
Especialmente relevantes no orçamento das famílias de menor renda, os alimentos ficaram 4,85%
mais baratos em 2017, na comparação com o ano anterior. Artigos importantes na
cesta básica dos brasileiros caíram de preço, como arroz (-10,9%), feijão preto
(-36,1%), macarrão (-2,91%) e mandioca (-17,30%).
Desempenho econômico x benefícios sociais
Considerando o ingresso de 1,49 milhão de pessoas na
extrema pobreza, os especialistas buscam compreender não apenas o que levou
a essa situação, mas também os caminhos para sair dela. Ottoni acredita que o
mau desempenho econômico tenha impacto maior do que cortes de programas sociais
feitos pelo governo.
"Eu
atribuiria [o aumento do número de pessoas em extrema pobreza] à crise, pois
foi ela que gerou um problema fiscal. Não é só uma questão de o governo estar
cortando benefícios sociais em virtude de uma visão política diferente. Está
muito relacionado ao problema fiscal, que
está ligado a problemas mais estruturais. Aí, está a raiz da questão", afirma.
"Com a atividade econômica piorando, cresce o desemprego, o que
afeta tanto a economia como a situação fiscal do governo, pois reduz a
arrecadação", argumenta.
Pochmann
defende uma mudança na orientação econômica adotada pelo governo, afirmando que
a recuperação econômica é a base para pensar melhor a direção de políticas
sociais.
"A gente teve uma expansão das ocupações no
ano passado. A literatura especializada classifica esse grupo de working poor. São ocupações precárias,
informais. Muitas vezes, no rastro da reforma trabalhistas feita no Brasil. A
chave para interromper essa trajetória é mudar o modelo econômico",
considera.
Publicado em : 13/04/2018
Crédito das imagens:
1. Pessoas dormindo nas calçadas da cidade de São Paulo - Foto: Agência Brasil
2. Trabalho informal - reprodução. Fonte não identificada.
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