Responsabilidade para
tecer tramas do pensar, agir e vestir com ética.
Hoje, trazemos a este espaço um tema já abordado neste blog, sobre a responsabilidade ética de nossas escolhas no momento de adquirir roupas prontas para nosso uso pessoal ou para presentear os que amamos. Trata-se de uma entrevista feita por por Leslie Chaves a Fernanda Simon - e copiada aqui, em parte, de modo a possibilitar a sua publicação neste espaço. (i)
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Entrevista com Fernanda Simon
Por: Leslie Chaves
Fernanda
Simon é consultora de moda, graduada pela Faculdade Santa
Marcelina, de São Paulo. Morou durante sete anos em Londres (Inglaterra), e se especializou
na área de moda sustentável. Hoje coordena o Fashion Revolution Brasil. É consultora
e também sócia-fundadora da agência brasileira UN Moda Sustentável.
Este ano o Fashion Revolution está
promovendo a campanha “Quem faz as minhas roupas?”
com o intuito de chamar a atenção para as condições de trabalho na indústria da
confecção de moda, e exigir transparência e ética no circuito de produção e
circulação dos produtos. Além disso, pretende construir um elo de corresponsabilidade ética entre costureiro e consumidor.
A importância de se retomar esse elo –
diz a entrevistada - é a de aprender a valorizar as pessoas que produziram as
roupas que compramos. E afirma: O trabalho desses profissionais é muito
importante mas, em geral, essas pessoas acabam escondidas atrás da roupa que
produzem, e não pensamos em como se dá todo o processo de produção e em que
condições e ambientes essa produção aconteceu.
Seguem trechos da entrevista:
Fernanda Simon – Com certeza a moda é um ato político, pois somos responsáveis por tudo que
compramos. Ao adquirirmos algo, passamos a fazer parte do “carma” daquele
produto. Quando o compramos, estamos
compactuando não só com sua origem, mas também com seu destino após o uso. Quando
compramos um produto feito por mão de obra escrava ou produzido
com matéria-prima que provoca impactos
ambientais, estamos alimentando esse
processo e contribuindo para que ele continue acontecendo. Da mesma forma temos
que pensar no seu pós-uso. O
produto que estou comprando pode ser reciclado, ou vai virar lixo? Para onde
ele vai? São questões com as quais precisamos nos preocupar.
Ao tomar consciência desse processo, estamos começando a refletir sobre qual o tipo de
mundo que queremos.
IHU On-Line – Quais são os custos e impactos da indústria da moda
em seu ciclo desde a produção até o consumo?
Fernanda Simon – Há questões dos impactos ambientais e sociais que não são calculadas no
preço final dos produtos. Em relação ao custo ambiental, a indústria da moda é a que mais polui no
mundo. Cerca de 20% das águas
contaminadas industrialmente são provenientes da indústria da moda. Fora isso,
há ainda o problema das plantações de algodão, muitas são transgênicas e
prejudicam o solo e também os trabalhadores. Por exemplo, na Índia há estudos comprovando
que - nos últimos 16 anos - cerca de 250 mil camponeses se suicidaram por
problemas econômicos, em decorrência do monopólio da semente do algodão,
originando uma crise
humanitária no país.
Ainda há o dilema dos resíduos que
sobram dos processos de corte. Cerca de 15% dos resíduos de corte acaba
indo para o lixo. Esse material poderia ser reaproveitado, mas na maior parte
das vezes isso não acontece. No outro extremo da cadeia produtiva, as roupas
que deixam de ser usadas pelos consumidores também acabam tendo como destino o
lixo, sem reutilização. Então, há inúmeros fatores ambientais que não são
considerados na hora da compra de uma roupa.
As questões sociais também geram um alto custo à
produção da moda. Um dos exemplos é o acidente que aconteceu em Bangladesh, quando -
em abril de 2013 - o complexo industrial Rana Plaza desabou,
matando mais de mil pessoas e ferindo gravemente mais de duas mil. Infelizmente,
esse tipo de acidente acontece com frequência. Em abril de 2016, também
na Índia,
houve um incêndio em um prédio onde funcionava uma fábrica de roupas, por falta
de segurança no ambiente de trabalho.
Essa mesma realidade se reproduz no Brasil, onde há situações de trabalho análogas à escravidão, em
diversas confecções. Em São Paulo isso é muito comum. Muitas
vezes estão envolvidas marcas famosas, que são autuadas com bastante
frequência. Nós geralmente não pensamos em como e por quem foram produzidas as
roupas que compramos, se foi em uma confecção legal; se os trabalhadores eram
tratados com dignidade; quais foram os impactos causados pelo tecido, como, por
exemplo, o jeans, que passa por diversos processos de lavagem, além de
toda a água que já é utilizada para a produção dessa matéria-prima, em seu
tingimento e beneficiamento. O curioso é que grandes milionários do mundo são
os donos das marcas que são autuadas por trabalho escravo, no processo de produção.
(...)
IHU On-Line - O que é moda sustentável? Esse conceito também
inclui a dimensão social?
Fernanda Simon – O conceito da moda sustentável também considera as questões sociais, até mesmo porque o desenvolvimento sustentável consiste no equilíbrio
dos âmbitos econômico, social e ambiental. Definir moda sustentável é um pouco difícil, porque é impossível esse setor ser
totalmente sustentável. Na verdade, sustentável mesmo é manter as roupas que já
existem, porque toda vez que se vai produzir um produto novo, algum impacto ele
vai deixar. (...)
IHU On-Line – No Brasil, como está o desenvolvimento do conceito de
moda sustentável?
Fernanda Simon – O desenvolvimento do conceito
de moda
sustentável
ainda está começando, no Brasil, mas já existem profissionais brasileiros que trabalham
com essa concepção, e que já criaram marcas com essa base. Isso é muito
importante porque atualmente existem outras companhias que cresceram muito, mas
que nunca tiveram esse conceito de sustentabilidade, então elas acabam
precisando voltar atrás para rever todo o seu processo de organização e
produção, e tentar seguir esse caminho. Algumas organizações têm uma preocupação mais social,
outras se ocupam mais com a questão
ambiental, como a gestão dos resíduos, e também há as que têm um
conceito mais slow, isto é, produzem num
ritmo menos acelerado, produtos com maior durabilidade, em ateliês menores etc.
O conceito de sustentabilidade na
moda é muito mais difundido e há mais tempo, em outros países. No
entanto, nesses dois últimos anos, com a Fashion Revolution atuando no país, tenho
percebido um crescimento surpreendente da noção e produção sustentável na moda.
IHU On-Line – Em que
consiste o Fashion Revolution? De
onde partiu a iniciativa?
Fernanda Simon – O movimento Fashion Revolution iniciou
em 2013, quando aconteceu o desastre em Bangladesh (...). A
partir desse acontecimento, alguns profissionais da Inglaterra, que já tinham a
preocupação em trabalhar com uma moda mais voltada à sustentabilidade, mais
ética e interessada no bem-estar dos trabalhadores, se reuniram e decidiram
organizar um movimento para ressaltar a gravidade do desastre e não permitir
que ele fosse esquecido. Assim que esse grupo fundador se fortaleceu em Londres, em outros países pessoas
que também tinham esse engajamento aderiram à mobilização. (...) Incentivamos
os consumidores a se questionarem e também a questionarem as marcas de sua
preferência. Nossa ideia é voltar a conectar o elo quebrado entre o consumidor
e o costureiro, pois, muitas vezes, nem as próprias marcas sabem quem produziu
a roupa que elas vendem.
Estamos há
pouco mais de dois anos no Brasil.
Atuamos nas frentes de conscientização e educação, em que temos nosso maior
enfoque, com a realização de palestras nas universidades, cursos de moda e
outras atividades, pois acreditamos que os novos profissionais são os
responsáveis pelo futuro da cadeia produtiva da indústria
da moda. Em abril nós tivemos a celebração da Fashion
Revolution Week de 2016,
quando foram promovidos mais de 40 eventos em 25 cidades diferentes, com a
participação de 27 universidades nessas ações. (...)
IHU
On-Line – Deseja acrescentar algo?
Fernanda Simon – Gostaria de convidar as pessoas a se engajarem nesse movimento e a
refletirem sobre esse tema, questionando as marcas sobre os processos
de produção da indústria da moda e reivindicando que valores como sustentabilidade, colaboração, justiça
e igualdade sejam considerados pelas companhias. E não só pelas companhias, mas
também pelos consumidores, pois somos parte dos problemas e das soluções que
envolvem a concepção e a circulação desses produtos. Assim, todos nós
podemos exigir mais transparência e ética nessa cadeia produtiva e fazer com
que as coisas aconteçam de um modo diferente.
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(i) Entrevista
publicada na revista IHU On-Line no.486, de 30/05/2016, e republicada em “Carta Maior”, em 04/06/2016.
Confira
a íntegra da entrevista em:
www.ihu.usininos.br/entrevistas/555936-responsabilidade-para-tecer-tramas
Créditos das imagens:
1.
Faschion
Revolution Brasil – ilustraçãodo do artigo in: www.ihu.usininos.br
3. Passeio no Parque - Claude Monet - divulgação.
4. Mulher ao espelho - Iman Malek (iraniano) - Galeria do pintor.
5. O japonês - Anita Mafaltti - www.enciclopediaitaucultural.org.br
Nota: As imagens publicadas neste blog pertencem aos seus autores. Se alguém possui os direitos de uma delas, e deseja que seja removida deste espaço, por favor entre em contato com: vrblog@hotmail.com
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